• Edição 201
  • 10 de dezembro de 2009

Ciência e Vida

Projeto liderado pela UFRJ economiza US$ 100 milhões na produção de cana-de-açúcar



Decifrado genoma da bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus, que leva nitrogênio do ar para a cana-de-açúcar

Thiago Etchatz

Em um trabalho iniciado há nove anos, numa integração entre pesquisadores do Estado do Rio de Janeiro liderados pela UFRJ, o Projeto Rio Gene decifrou o genoma da bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus. Ela é responsável por fixar o nitrogênio, transferindo-o do ar para a cana-de-açúcar. A descoberta é tão impactante que, segundo Paulo Cavalcanti Gomes Ferreira, professor do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM/UFRJ) e coordenador do projeto, o uso da bactéria causaria a economia anual de 100 milhões de dólares na produção brasileira de cana, além do benefício ambiental em razão da substituição de adubo químico.

A Gluconacetobacter diazotrophicus foi descrita pela primeira vez nos anos 1980, quando encontrada na cana-de-açúcar por Joana Dobëreiner, pesquisadora de agrobiologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ela procurava bactérias capazes de transferir o nitrogênio do ar para o vegetal.

“Isso é feito quimicamente. Se transforma nitrogênio N2 (forma gasosa) em amônia, aí ele pode ser assimilado pela planta. A Joana fez o processo de seleção. Fazia o suco da cana, plaqueava em meio de cultivo microbiológico e selecionava as bactérias que cresciam para ver a capacidade química”, esclarece o professor Paulo. Daí, vários grupos de pesquisa passaram a estudar a relação entre a bactéria e a planta.

De acordo com o coordenador do Projeto Rio Gene, “a parte experimental da pesquisa foi finalizada há três anos, mas as informações têm que ser analisadas, o que leva tempo. Quando se publica o genoma, o importante é disponibilizar uma informação difícil de conseguir e que agora pode gerar novas hipóteses”.

Vantagens econômicas e ambientais

Para o professor, a finalidade de mapear o genoma da bactéria é evidentemente de conhecê-la, mas o objetivo final, a longo prazo, é a aplicação dela na produção agrícola. O nitrogênio é o principal adubo usado na agricultura e esse uso envolve custos elevados, pois há dificuldades para extraí-lo da atmosfera. A amônia é a base para a elaboração de fertilizantes nitrogenados, já que tem o elemento na composição química.

— A atividade da bactéria substitui o adubo químico. Só a economia com cana-de-açúcar está na faixa de 100 milhões de dólares por ano. O objetivo é chegar a um momento em que se possa pegar a cana-de-açúcar e outras plantas próximas, como milho ou arroz, e se substituir o máximo de adubo químico nitrogenado pelo cultivo com essas bactérias — afirma Paulo Cavalcanti.

A vantagem ambiental também é considerável. “A planta tem capacidade de absorver parte do que se coloca no solo; se eu colocar nitrogênio e chover muito, não dá tempo de as plantas absorverem e ele pode parar nos rios e mares. Ele é extremamente tóxico e ainda poder ser transformado em gases por bactérias presentes no solo, aumentando significativamente o aquecimento (global)”, explica o pesquisador.

Repercussão e novos desafios

O artigo de publicação da pesquisa lançado no primeiro semestre deste ano ganhou notoriedade na conceituada revista científica inglesa BMC Genomics. Ele ficou entre os cinco mais lidos no último mês.

Segundo Paulo Cavalcanti, a pesquisa foi realizada a partir de uma grande integração científica. A publicação teve mais de 50 autores e ainda envolveu uma quantidade de técnicos e estudantes de segundo grau que provavelmente dobrou os participantes do estudo.

Dentro da UFRJ, participaram o Instituto de Bioquímica Médica (IBqM), o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) e o Departamento de Genética do Instituto de Biologia (IB). Ainda estiveram envolvidos o Instituto de Genética e o Instituto de Bioquímica e Biofísica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o Centro de Ciências em Biotecnologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), o Departamento de Fitopatologia e Etomologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o Centro de Agrobiologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio).

Por fim, o professor diz que “a parte de análise de dados iniciais está quase completa. O que falta é se debruçar sobre os resultados de uma maneira mais sistemática, que envolva uma rede de laboratórios, para tentar entender essas ferramentas que foram geradas. Tem todo um caminho pela frente”, avalia Paulo Cavalcanti. Agora, o Projeto Rio Gene pretende explorar a interação da bactéria com outros produtos agrícolas como milho, arroz, café, abacaxi, dendê e batata-doce.