• Edição 193
  • 15 de outubro de 2009

Faces e Interfaces

Prova para recém-formados em Medicina

Médicos discutem possível implementação de avaliação para habilitar concluintes dos cursos de Medicina


Amanda Salles e Thiago Etchatz

Na classe médica, há muito já se discute a aplicação de uma prova para habilitar os concluintes dos cursos de graduação em Medicina à pratica profissional. A avaliação seria semelhante ao que acontece com os bacharéis em Direito, que precisam se submeter a uma prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para adquirir o título de advogado.

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) é um dos principais defensores da aplicação de uma avaliação, sob o argumento de que é necessário fazer o controle de qualidade dos profissionais formados por um número cada vez maior de faculdades de Medicina. Para discutir a necessidade da aplicação da avaliação, a sua obrigatoriedade e implicação sobre o título de médico, o Olhar Vital convidou Alexandre Pinto Cardoso, diretor-geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, e Lúcio Pereira, coordenador de graduação da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Alexandre Pinto Cardoso

Diretor-geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Na legislação em vigor o aluno que se forma em Medicina obtém o título de médico, não de bacharel em Medicina, e para o exercício da sua profissão ele precisa estar inscrito no Conselho Regional de Medicina de onde se formou ou pretende exercer a profissão. Então, o único requisito necessário que o habilitará para ser médico é a inscrição, e assim o diploma de médico que ele recebe é referendado.

No Brasil, vem se discutindo muitas questões a esse respeito. Uma delas é um sistema de avaliação dos egressos das faculdades, tendo em vista a numerosa quantidade de faculdades cujo controle de qualidade não é conhecido. Há um esboço disso em provas que são executadas pelo Ministério da Educação para todas as áreas, como o chamado ‘Provão’ do governo Fernando Henrique.

Essa é uma discussão que tem sido amadurecida no âmbito dos conselhos regionais (de Medicina). Num primeiro momento, como um instrumento optativo para uma sistemática de avaliação. A execução de uma prova é assunto interessante, mas ela também poderia ser oferecida em um outro momento da vida profissional.

Acho que a iniciativa é interessante, mas ela é ainda pouco madura. No Rio Grande do Sul, centros médicos estimulam os egressos a fazer uma prova, sem valor algum, apenas para avaliar os alunos. Mas além do fazer ou não, como se avaliar a formação do médico? Porque, se não fizer um sistema de avaliação adequado, pode não se avaliar nada.

Penso que a iniciativa é interessante porque tenta conhecer o grau de saber que as pessoas trazem ao término do curso, estabelecer um controle de qualidade. Porém, se a prova avalia ou não avalia, é uma discussão que está em aberto, pois ainda não temos instrumentos de medida adequados. Mas a ideia é interessante. São abertos cursos e escolas sem muito critério, e seus egressos não têm qualquer sistemática de avaliação.

Eu acho que, num primeiro momento, essa avaliação deveria ser obrigatória, mas não que ela influenciasse na obtenção do registro, mas para um conhecimento do próprio candidato, do conselho, da sociedade. Essa é uma legislação que teria de ser mudada, porque o egresso tem direitos garantidos. Para que quem não passe não possa registrar o diploma é preciso de uma determinação legal a ser claramente estabelecida.

Portanto, essa medida de aplicação de uma prova para avaliar os egressos dos cursos de Medicina tem o efeito de criar a discussão, informar. Temos que nos debruçar sobre o excessivo número de escolas que foram abertas sem muito critério. Uma avaliação de qualidade beneficia a todos. Beneficia a quem é submetido, pois é preciso se preparar.

Eu temo que uma medida como esta possa estimular um outro tipo de indústria, a dos cursinhos, como ocorre para as residências médicas. Os alunos saem de muitas escolas que não têm bom desempenho e vão fazer cursinhos especializados. Esses cursos não suprem o que o ensino médico, o ensino prático, um treinamento em serviço fazem.

Naturalmente, poderá beneficiar a população se a avaliação de fato servir como um filtro de maus profissionais. Apenas uma prova teórica não é capaz de selecionar os profissionais para o exercício de uma profissão tão importante quanto a Medicina.

Temos que ter mais do que isso, um controle do aparelho formador é importante. Podemos fazer uma prova de final de curso que seja benfeita, adequada, que possa avaliar. Não há dúvida que uma avaliação que combinasse a parte prática e a teórica seria interessante. Mas acho muito difícil que essa avaliação ocorra nos próximos anos.”

Lúcio Pereira

Coordenador de graduação da Faculdade de Medicina da UFRJ

“A questão do erro médico deve ser levada como um viés importante para essa discussão em torno da prova a ser aplicada aos recém-formados das faculdades de Medicina. Porém, deve-se levar em conta também o fato de que o erro médico pode ser avaliado por diversos aspectos, e não somente pela má-formação acadêmica.

A proliferação e a criação de diversas novas instituições de ensino da Medicina podem ter sido fatores colaboradores para a ideia da aplicação de provas para os médicos recém-formados. Essa preocupação sempre foi norteada pela Associação Brasileira de Medicina e há dados que comprovam a autorização dessas escolas ao longo do tempo, com aval e conhecimento desta. No governo Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, foram autorizados 21 novos cursos de Medicina, sendo três instituições públicas e 18 instituições privadas. Portanto, esse fator não deve fazer com que os Conselhos Regionais de Medicina pensem nesse tipo de avaliação.

Apesar de o Conselho Regional de Medicina de São Paulo ter optado por fazer o exame, o próprio Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Medicina são contra a aplicação desse tipo de avaliação, pois já há um código bem estabelecido de ética médica, que avalia a prática médica e em que a figura do paciente está acima de tudo.

O problema do exame é que ele representa uma transgressão, já que apenas apresenta uma avaliação escrita e uma parte prática. Não se sabe com que métodos serão avaliados, e que podem não ser suficientes para definir se o recém-formado pode atuar ou não. A prova representa um grande prejuízo para a formação profissional dos médicos. É importante ressaltar que a construção de um bom médico é contínua e não se pode estabelecer que, para adquirir o registro do diploma, o recém-formado tenha de se submeter a uma prova que, na verdade, já existe por lei, através da residência e do cotidiano da Medicina.

Ao tentar copiar o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os conselhos esquecem que quem aprende a Medicina tem que exercer a profissão para se tornar de fato um médico. O advogado tem mercado fora do exame da OAB, como delegado, auditor fiscal, policial federal. Já o médico não tem essas opções. Portanto, não há como se aplicar uma prova na qual o recém-formado que não passar estará proibido de exercer a Medicina.

Não vejo nenhuma vantagem na criação deste exame, pois ele não aprimora em nenhum sentido o ensino da Medicina. Os Conselhos Regionais de Medicina devem se preocupar com a prática médica e com o código, já existente, que a regula. O que se deve fazer é aprimorar as avaliações das escolas médicas e avaliar os alunos de maneira contínua, durante todo o período de ensino. O importante é saber que a formação médica não para e um único exame não conseguirá medir a capacidade do recém-formado para atuar na Medicina.”