• Edição 176
  • 18 de junho de 2009

Ciência e Vida

Pesquisa propõe mais conforto no tratamento do câncer

Miriam Paço – Agência UFRJ de Notícias – Centro de Tecnologia


A incidência de câncer de pele é alta em países tropicais como o Brasil devido à exposição excessiva aos raios solares. De acordo com estimativas feitas pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) para o ano de 2008 e válido para 2009, estimou-se que o câncer de pele do tipo não-melanoma (mais comum, mas dificilmente letal) seria o mais incidente na população brasileira. A não-existência de locais para tratamento radioterápico em todas as cidades brasileiras obriga os pacientes a se deslocarem para os grandes centros urbanos, onde devem permanecer por mais de um mês. Em animais a radioterapia é realizada apenas em alguns países da Europa e nos EUA.

No entanto, novos protocolos estão sendo desenvolvidos na pesquisa coordenada pelo professor Luis Alfredo Vidal de Carvalho, do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da COPPE (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia). Iniciada em 2006, a pesquisa visa trazer o tratamento radioterápico para animais ao Brasil e tornar mais confortável às pessoas o tratamento contra o câncer de pele, ao reduzir os deslocamentos. Para isso, gatos estão sendo tratados semanalmente no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).

A pesquisa, financiada pelo CNPq, reúne uma equipe de professores da COPPE, UFF, UFRRJ e profissionais do setor de radioterapia e radiologia do hospital. “Por gostarem de pegar sol, os gatos, assim como os seres humanos, podem desenvolver câncer de pele, sobretudo no focinho, na pálpebra e na orelha. O tratamento, feito atualmente com cirurgia e quimioterapia, pode gerar deformações nos animais e, dependendo do tipo de câncer, apresentar menos chances de cura”, explica o professor.

Ao contrário dos experimentos que costumam ser feitos com animais em que a doença é induzida, o que está sendo realizado no Hospital Universitário é feito com gatos cujas lesões surgiram naturalmente. Os felinos são obtidos junto aos proprietários, à SUIPA, a clínicas e outros locais que abrigam animais doentes.

O tratamento, semanal, é feito aos sábados, pela manhã, período em que o Hospital Universitário não realiza atendimentos. “Os gatos não podem receber tratamento diário devido ao risco gerado pela anestesia. A extensão desse trabalho é a verificação de que esse protocolo desenvolvido para os gatos possa ser aplicado também aos seres humanos uma vez por semana, trazendo mais comodidade”, disse o coordenador da pesquisa.

O tratamento é feito com grupos de cinco gatos com equipamentos próprios, trazidos ao hospital. A pesquisa foi dividida em três estágios. No primeiro, foram selecionados animais com lesões superficiais, submetidos a quatro semanas de radioterapia. O segundo estágio, atual, é feito em gatos com lesões intermediárias, submetidos a doses mais elevadas de medicação durante cinco semanas. O último deve ser iniciado em agosto e testará a medicação em animais com lesões mais graves e em doses maiores para saber se haverá ou não efeitos colaterais.

Antes da radioterapia, os pesquisadores avaliam a idade, o estado geral do animal, o tempo da lesão e realizam uma biópsia para saber a evolução do câncer. “Essas avaliações são importantes para que tenhamos um grupo estatístico de pesquisa mais ou menos homogêneo”, disse Luis de Carvalho.

Segundo o professor, o trabalho que está sendo realizado traz novas esperanças aos proprietários dos animais doentes. “Após alguns anos, os bichos se tornam um membro da família e a possibilidade de dar uma sobrevida a eles renova as esperanças dos donos. Isso é muito importante porque faz com que os proprietários participem, trazendo o animal na hora certa e obedecendo a eventuais restrições.”

Os gatos vivem em média 14 anos. O tratamento não garante que o câncer não voltará depois de algum tempo, mas de acordo com o professor, uma sobrevida de dois anos deve ser considerada. “Um acréscimo de dois anos na vida de um gato equivaleria a cerca de oito anos na vida dos humanos. Se levarmos isso em consideração, o esforço do tratamento torna-se pequeno”, disse.

Após a conclusão dos estudos, no final do ano, outra pesquisa deverá ser iniciada com seres humanos para testar o protocolo. A ideia é que sejam feitas poucas aplicações com uma radiação maior, em vez de muitas aplicações com menos radiação. Para isso, terão que ser calculadas novas doses de radiação que levem em consideração a profundidade do tecido e a área lesionada.

Resultados observados

O estudo já tratou cerca de 100 animais, podendo chegar a 120 até o final do ano, de acordo com Luis de Carvalho. Durante as semanas de tratamento, nem sempre é possível observar melhorias. No entanto, a radiação continua agindo por meses e os pesquisadores constataram que há a recuperação de cerca de 65% dos animais com câncer de pele em estágio inicial ou intermediário. Nos casos mais graves, há regressão da doença, que retorna meses depois. “É importante destacar que a cura a que nos referimos é no período imediato, até dois meses depois, porque não temos como saber se ela vai voltar depois de algum tempo”, disse o coordenador.

Após o tratamento, estudantes de mestrado e doutorado que integram a equipe monitoram os animais a partir de revisões periódicas, no início semanalmente, depois mensalmente e a cada três meses. Durante a revisão, é feita nova retirada de material para verificar se a doença regrediu. “Hoje em dia, existe toda uma consciência ecológica e sobre a importância dos animais. Buscamos melhores condições de vida para eles e acredito que estamos suficientemente adiantados para que possamos desenvolver algo nessa direção. Dar dignidade a esses animais faz parte da dignidade do ser humano como um todo”, defendeu Luis de Carvalho.