• Edição 167
  • 09 de abril de 2009

Ciência e Vida

Grupo desenvolve substância promissora contra o câncer

Cília Monteiro

Em busca de alternativas para o tratamento do câncer, pesquisadores sintetizaram uma nova substância antitumoral a partir de produtos naturais. “O nosso composto apresenta uma vantagem em relação aos quimioterápicos presentes no mercado: está sendo eficaz também em células de pacientes que não respondem mais ao tratamento”, relata Eduardo Salustiano Jesus dos Santos, biomédico e aluno de doutorado do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da UFRJ, envolvido no projeto.

De acordo com Eduardo Salustiano, o que inspirou a pesquisa foram relatos da cultura popular. “O ipê já era conhecido pela medicina popular brasileira há muito tempo. Desde a década de 1970 já se usava o lapachol através de infusão ou chá, por exemplo. Nessa época, uma série de ensaios foi realizada para provar o potencial antitumoral dessa substância”, informa o biomédico.

A ação do lapachol, segundo ele, ficou comprovada em sua forma natural, no combate a tumores. No entanto, muitos efeitos colaterais foram detectados, como náuseas, vômitos e perda de peso. “Isso implicava diminuição da qualidade de vida do paciente”, observa Eduardo.

Com base no que se conhecia sobre as duas substâncias naturais, foi criada uma metodologia para sintetizar uma substância híbrida entre as estruturas. “Isso ocorreu de forma que uma terceira estrutura, a da nossa molécula, fosse totalmente sintética, e, ao mesmo tempo, conservasse as principais características dos dois produtos naturais”, explica o doutorando. Além disso, ainda se procurou eliminar partes da molécula responsáveis por efeitos colaterais.

Os primeiros testes do composto foram feitos com células in vitro, sem que ainda se tenha experimentado a substância em pacientes. “Toda a ação farmacológica e bioquímica foi descrita em células por enquanto”, aponta.

Teste em células humanas

A substância é desenvolvida a partir de dois produtos naturais: o lapachol, retirado da casca do ipê, árvore nativa do Brasil, e um tipo de pterocarpano, extraído de uma planta canadense denominada Petalostemon purpureus. “Uma série de produtos sintéticos teve origem partindo dessas duas estruturas”, aponta Eduardo, que é integrante do grupo de pesquisa da professora Vivian Rumjanek, do IBqM.

O projeto ainda envolve mais dois grupos principais: o do professor Paulo Roberto Costa, do Núcleo de Pesquisa de Produtos Naturais (NPPN) da UFRJ, e o da doutora Raquel Maia, do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Os três orientadores pertencem ao Programa de Oncobiologia.

— Nos ensaios, tínhamos um modelo de células de linhagem. A partir disso, a doutora Raquel Maia, do INCA, interessou-se em testar o composto em células extraídas de pacientes com leucemia — relata o biomédico.

Para que fosse possível a aplicação das células no ensaio experimental, os doadores assinaram um termo de consentimento. “Acredito que o grande diferencial do nosso trabalho está nos testes com essas células”, destaca Eduardo.

Avaliou-se o efeito da substância em comparação com uma droga de ponta utilizada no tratamento do câncer. “Nosso composto foi mais ativo que o de referência, inclusive apresentou eficácia em células resistentes, de pacientes que não mais respondiam aos medicamentos”, afirma.

O composto também foi testado em camundongos sadios, sem tumores, para se verificar a existência de toxicidade em animais saudáveis. “Constatamos que não havia perda de peso significativa, nem alterações no comportamento ou perda de pelo, que seria análogo à queda de cabelo provocada pelos quimioterápicos”, expõe Eduardo. Esse resultado somado à eficácia do composto em células resistentes, segundo ele, foram os fatores fundamentais para que a substância possa ser considerada bastante promissora.

Redução de efeitos colaterais

Também se espera que o composto venha a causar menos efeitos colaterais nos pacientes, mas ainda faltam estudos para que se comprove a expectativa. “No entanto, é preciso lembrar que muitas substâncias inicialmente promissoras, candidatas a quimioterápicos, podem vir a falhar”, adverte Salustiano. Ele informou que ainda são necessários ensaios de toxicidade em camundongos portadores de tumores para, posteriormente, serem realizados testes em pacientes com câncer.

Não há previsão para que os procedimentos sejam concluídos e a substância fique pronta, mas os alunos envolvidos no projeto esperam que a fase inicial de testes termine em três anos.   “Existem problemas na produção: apesar de ser uma substância sintética relativamente simples de se produzir, temos um rendimento ainda baixo, que impossibilita ensaios em larga escala”, indica Eduardo.

Segundo ele, é necessário ampliar as porções do composto e, dependendo dos resultados obtidos na evolução do estudo, o projeto pode vir a ser aprovado no comitê de ética e, futuramente, atrair o interesse de uma indústria farmacêutica. “É uma expectativa muito grande”, conclui o doutorando.