• Edição 163
  • 12 de março de 2009

Por uma boa causa

Loucos por café?

Cinthia Pascueto - AgN/PV

Por uma Boa Causa continua nesta semana com a série Café e Saúde, tema escolhido para o mês de março pelo Olhar Vital. Na primeira reportagem, entendemos melhor a relação entre café e as doenças cardíacas. Desta vez, vamos discutir uma das maiores dúvidas sobre essa deliciosa bebida: Café vicia?

Diz a lenda que um pastor de cabras descobriu o café ao encontrar seus animais mascando certa semente, de uma frutinha vermelho-escura. Esse pastor apresentou, então, a descoberta a religiosos, que passaram a consumir a bebida para orar até mais tarde. Em pouco tempo, o gosto pelo café se espalhou por todo o Oriente Médio, levando até o criador do Islamismo a render-se aos seus encantos: ficou conhecida como o Elixir de Maomé. Com as Cruzadas, não demorou muito para os europeus adotarem o cafezinho. Começava a era das cafeterias. Para sustentar o luxo de degustar essa bebida escura e levemente amarga, as metrópoles européias descobriram logo uma solução: cafezais imensos nas Américas. Está explicado como o Elixir de Maomé foi parar em nosso café da manhã tupiniquim.

Desde que o gosto pela bebida se espalhou pelos continentes, não faltam pessoas que alegam ser viciadas em café. Segundo Darcy Lima, professor no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC/UFRJ), esse vício não passa de mito. “A primeira coisa que cada ser humano faz ao nascer é se tornar dependente químico. Ao respirar pela primeira vez o recém-nascido torna-se dependente do oxigênio para todas as atividades bioquímicas de seu organismo. Por isso podemos ser dependentes de coisas saudáveis, como água, leite, café e exercícios (hábitos saudáveis) ou dependentes químicos de substâncias que prejudicam a saúde (vício), como o tabaco, álcool e drogas ilegais”, diferencia o professor.

– Tomar café é um hábito saudável comparável ao exercício, recomendado para pessoas saudáveis, sem doenças, de forma moderada e regular. Tudo que ocorre na nossa vida causa reações químicas no cérebro que são responsáveis por alegria ou tristeza, prazer ou dor, bem como todas as outras emoções possíveis – explica Lima, que garante: “Café não causa dependência, mas bem-estar.”

Dose ideal

De acordo com o médico, o café pode ser consumido diariamente por pessoas de todas as idades, entretanto de forma moderada – o que não causa mal a ninguém. A bebida só não é recomendada para pessoas que possuem sensibilidade à cafeína, devido a doenças como gastrite, refluxo gastroesofágico, úlcera péptica, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, palpitações devido a arritmias cardíacas, hipertensão arterial ou doença isquêmica do coração. “O café pode agravar os sintomas ou a doença, principalmente se consumido em excesso. É importante, nesses casos, consultar um médico”, alerta Darcy Lima.

Caso a pessoa sinta qualquer intolerância ao café, deve parar de consumi-lo. “É importante lembrar que o café não é remédio, mas pode ser um agente a mais que ajuda na prevenção de várias doenças e problemas”, ressalta o especialista, que aponta a média de quadro doses diárias de café como o consumo ideal, com quantidades individuais que podem variar de acordo com a idade do consumidor (confira o quadro a seguir).

No entanto, em casos de consumo exagerado o café pode ser prejudicial à saúde.  Darcy Lima conta que uma dose entre 5 e 10 gramas de café – que correspondem à média de 75 xícaras – pode levar um adulto à morte. “As principais manifestações são vômitos intensos e convulsões, seguidos do coma e do óbito. Sinais de intoxicação, entretanto, podem ocorrer com o uso de doses menores (em torno de 1g), correspondente à ingestão de 20 a 50 xícaras de café, de uma só vez, por uma pessoa pouco habituada ao seu uso diário”, exemplifica. Alguns indivíduos, porém, desenvolvem grande tolerância devido ao consumo diário de café, apresentando sinais de intoxicação apenas ao ingerir doses muito mais elevadas.

Para descobrir se uma pessoa passou do limite no consumo de café, basta observar alguns sinais. As principais manifestações acontecem no sistema nervoso central e cardiovascular, como insônia, agitação e hiperexcitabilidade. “A pessoa sente-se inquieta, agitada, com um discreto mal-estar e ansiedade. A seguir ocorrem taquicardia, sensação de zumbido nos ouvidos e distúrbios visuais que parecem pequenas faíscas no ar. A musculatura torna-se tensa e trêmula e podem ocorrer palpitações, devido ao surgimento de extra-sístoles (descarga elétrica de células do coração, fora do marcapasso natural desse órgão)”, descreve o médico.

Nesses casos, a morte pode ocorrer em virtude do aparecimento de um estado de choque, edema pulmonar com colabamento dos pulmões (atelectasia: colapso pulmonar) ou parada  cardiorrespiratória. Um fato curioso é que crianças são mais resistentes aos efeitos da cafeína que adultos. “Mesmo em altas doses, embora possam ocorrer manifestações de intoxicação, mortes são bem mais raras entre elas”, afirma o professor.

Apesar dos perigos relacionados ao excesso de cafeína no organismo, Darcy Lima enfatiza que não é necessário abandonar aquele copo reforçado de café durante o expediente. “São raríssimos os casos relatados de consumo excessivo, o que caracteriza a grande segurança dessa substância aos seus consumidores”, assegura o especialista.

Enfim: Mocinho ou Vilão?

No fim das contas, de que lado o café realmente está? Aliado da saúde ou o malvado da vez?  De acordo com o médico, mais de um bilhão de pessoas – 20% da humanidade – tomam café diariamente, tornando essa fruta o mais importante comércio mundial e legal de produtos naturais, depois do petróleo. “Nenhuma outra planta está recebendo tanta atenção da ciência como o café. De vilão no passado, a planta vem recebendo grande apoio como o hábito mais saudável e recomendado da infância até a velhice”, afirma Darcy Lima, apontando novas descobertas que comprovaram os efeitos benéficos do consumo diário de café em doses moderadas:

– O café, através da cafeína, estimula o sistema normal de vigília, a atenção, a concentração e a memória. Mas, além da cafeína (1 a 2%), possui em maior quantidade (7 a 9%) outro grupo de substâncias – os ácidos clorogênicos – que, além de ser antioxidantes naturais comuns nas frutas, na torra adequada forma um grande número de quinídeos, os quais atuam nas células nervosas com uma ação antagonista opióide – explica o professor.

De acordo com o especialista, esse sistema opióide é o responsável por regular o circuito cerebral do prazer, da emoção e da depressão. “Esse antagonismo resulta num bloqueio do desejo de autogratificação que leva o indivíduo a se frustrar, se deprimir e buscar o consumo de álcool ou outras drogas”, exemplifica o médico, contando que o café possui também açúcares, proteínas e lipídeos, além de minerais – assunto que será tratado na próxima edição de Por uma Boa Causa(café e vitaminas).

Lima conta que substâncias também presentes no café são a trigonelina que forma a niacina, uma vitamina do completo B, e diterpenos como cafestol e kaweol. “Como a torra atinge altas temperaturas (180-200ºC), ela causa mudanças químicas importantes nos grãos destruindo as proteínas, açúcares e lipídeos, os quais se combinam em complexas reações originando cerca de mil compostos voláteis”,  dizo especialista, que explica:

– Estes compostos são responsáveis pelo forte aroma do café, o mais rico da natureza. Alguns compostos voláteis são muito semelhantes a ferormônios, o que talvez explique o cheirinho gostoso e prazeroso, além da vontade de uma companhia para tomar café – brinca o professor, que finaliza recomendando a bebida, mas fazendo uma pequena ressalva: “Como tudo em excesso, não esqueça: o café também pode fazer mal à saúde”, orienta Darcy Lima.