• Edição 162
  • 05 de março de 2009

Ciência e Vida

A realidade da esquizofrenia

Monike Mar – AgN/PV

Quem acompanha Caminho das Índias, a nova novela de Glória Perez, sabe o quão conflituoso é o ambiente familiar em que vive Tarso, personagem interpretado por Bruno Gagliasso. Brigas, pressões psicológicas, obrigações e cobranças são alguns dos fatores que tornam a vida desse personagem perturbadora. Acontece que a autora não se conteve em apenas mostrar mais um caso de fim de adolescência, tampouco de desequilíbrio dos pais. Ela foi adiante na elaboração da trama nos deixando a dúvida se a convivência familiar de Tarso é causa ou conseqüência da esquizofrenia que ele apresenta.

A dúvida quanto à causa do problema do personagem deve-se à complexidade de definição da esquizofrenia. A ciência ainda não descobriu as causas exatas da doença, embora haja estudos que verifiquem grande freqüência em pessoas no fim da adolescência ou no início da idade adulta, manifestando-se lenta e gradualmente. No entanto, a comunidade científica reconhece a importância de fatores que contribuem para a manifestação da esquizofrenia, tais como os fatores genéticos, psicológicos e de estresse.

— Não podemos desconsiderar fatores psicológicos e de estresse. Não é à toa que a esquizofrenia geralmente começa numa época em que o indivíduo está prestes a entrar na vida profissional, iniciar a vida sexual, por exemplo. Embora reconheçamos a importância disso, muitas pessoas têm grande carga de perturbação e estresse, e não adoecem mentalmente. Não é regra. Mas o estresse é importante para se avaliar qualquer doença, sendo ela mental ou não. Parece ser tudo um somatório entre fatores ambientais, psicológicos, de estresse e predisposição genética — diz Elie Cheniaux, médico e pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Dados mostram que 1% da população mundial apresenta esquizofrenia, classificada como doença mental crônica que prejudica o indíviduo em seu contato com a realidade. O diagnóstico é feito a partir da análise dos sintomas, que vão desde alucinações auditivas e delírios, os chamados sintomas psicóticos, aos mais discretos, denominados sintomas negativos, caracterizados por isolamento, perda da expressão afetiva, dificuldade de concentração, falta de iniciativa, desinteresse e empobrecimento de pensamento. Há ainda os sintomas de dissociação da mente, na qual o esquizofrênico sofre de ambivalência de sentimentos opostos, podendo sentir amor e ódio, felicidade e tristeza ao mesmo tempo e com a mesma intensidade.

A evolução da compreensão da esquizofrenia

Nas décadas de 60 e 70, surgiram protestos que contestavam a existência de doenças mentais, sob a alegação de que as pessoas consideradas loucas na verdade teriam uma verve revolucionária, pessoas que se oporiam ao sistema. No caso da esquizofrenia especificamente, até hoje é comum confundir os sintomas com rebeldia, crises existencialistas e também com uso de drogas.

Um século antes disso, o conhecimento sobre a esquizofrenia restringia-se à constatação de apenas alguns sintomas, que na época rendia-lhe outra denominação: demência precoce. O nome justificava-se pelo fato de um jovem apresentar antecipadamente o quadro clínico semelhante ao de um idoso. Mais tarde, em 1911, o psiquiatra suíço Eugem Bleuler criou o termo esquizofrenia, enfatizando a dissociação da mente de um esquizofrênico. Hoje, portanto, pelo conhecimento de diversos sintomas, ampliando o conceito e sua complexidade, Elie Cheniaux põe em suspeita a realidade da psicopatia:

— Ninguém sabe se a esquizofrenia de fato existe. Na verdade é um conceito, pelo fato do desconhecimento das causas e da realização de diagnósticos por meio de sintomas.

Na contramão dos estudos dedicados à compreensão da esquizofrenia, vão aqueles que encaram esquizofrênicos de forma preconceituosa. A fim de contribuir para a inversão desse fato, a novela está cumprindo seu papel ao informar ao grande público a respeito da doença:

— É importante a divulgação não só da esquizofrenia, mas da doença mental como um todo, pois existe um preconceito muito grande. A doença mental é muito estigmatizante; por isso, quanto mais informação as pessoas tiverem, melhor. Assim, de forma mais saudável, podem lidar com quem sofre da doença — afirma Cheniaux, que também é membro-associado da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.

“Na maior parte do tempo o paciente deve ser tratado na sociedade”

Em casos de sintomas psicóticos graves, a internação é mesmo a melhor solução, uma vez que o paciente pode ser perigoso para si mesmo e para outras pessoas. Também é recomendada quando o paciente não tem consciência de que está doente, negligenciando a medicação.

— Nesta condição ele não tomará os medicamentos, sendo então necessária a internação como suporte para a medicação supervisionada. Mas o paciente deve, em geral, permanecer internado por poucas semanas, uma vez que este é o tempo suficiente para os remédios surtirem efeito — explica Cheniaux, que acrescenta: — Não tem cura, mas pode melhorar muito com o tratamento. Há diversos tipos, um deles é o medicamentoso que age nos sintomas psicóticos. O uso contínuo de remédios tornam raras as alucinações, podendo um paciente ficar muitos anos sem ser internado.

Outros tratamentos são utilizados para a amenização dos sintomas, tais como os psicoterápicos e psicossociais, e atividades em grupo, como arte-terapia e terapia ocupacional, todas estimulando o contato social. Ter uma vida normal é praticamente impossível para um esquizofrênico, devido às dificuldades que ele encontra na sociedade. Elie Cheniaux traça o perfil geral de quem está sob a condição da patologia:

— Geralmente o esquizofrênico tem uma vida social pobre: poucos amigos, dificilmente namora ou se casa, é sustentado pela família, quase não sai de casa, dificilmente trabalha ou, quando isso acontece, exerce funções simples devido às dificuldades de cumprir responsabilidades.

Apesar disso, temos o exemplo da vida do matemático americano John Nash, popularizada pelo filme Uma Mente Brilhante, lançado em 2001. Nash, que chegou a receber um prêmio Nobel, apresentava uma inteligência incomum a quem sofre da doença. O filme também teve contribuição para a divulgação da doença, porém apresentou-a de forma distorcida da realidade. O personagem de Russel Crowe tinha alucinações auditivas acompanhadas de visões. Cheniaux explica que isso não acontece, pois as alucinações são unissensoriais: ele ouve ou ele vê, uma coisa de cada vez. Mas isso é detalhe diante do conteúdo principal baseado em fatos reais da vida de John Nash, que serve como fonte de entusiasmo àqueles que pensam que a esquizofrenia é totalmente incapacitante.