• Edição 157
  • 18 de dezembro de 2008

Faces e Interfaces

Fast-food pode ser fator de risco para Alzheimer

Marcello Henrique Corrêa

Faz tempo que a classe médica aponta os malefícios da alimentação baseada em gorduras e açúcar em excesso – a dieta fast-food. Seja afetando o coração, seja relacionada aos índices de obesidade, a dobradinha hambúrguer-com-refrigerante já consolidou a fama de vilã, quando o assunto é saúde. Mas a alimentação desregrada não faz mal apenas ao coração: o cérebro também pode ser outro órgão afetado diretamente.

Recentemente, um estudo realizado no Instituto Karolinska reforçou o que outras pesquisas, inclusive da UFRJ, já diziam: dietas ricas em gorduras saturadas podem contribuir para o desenvolvimento da doença de Alzheimer. O grupo simulou o tipo de dieta em camundongos, durante nove meses. Depois desse período, os animais apresentaram alterações no cérebro típicas do estágio preliminar da doença.

Para avaliar os impactos dessa descoberta, o Olhar Vital convidou dois especialistas no assunto. Afinal, o que esperar das próximas gerações, em relação à doença de Alzheimer? Como e por que esses alimentos afetam o cérebro? Confira as respostas para essas e outras perguntas nos comentários de Andrea Abdala, nutricionista especialista na relação entre nutrição e doenças degenerativas e Jerson Laks, psiquiatra que também atua nesse campo de pesquisa.

Jerson Laks

Psiquiatra e coordenador do Centro para Pessoas com Doença de Alzheimer e outros Transtornos Mentais na Velhice da UFRJ

A questão do perfil alimentar tem sido estudada em relação, não só à doença de Alzheimer, mas também a vários outros problemas degenerativos. Há algum tempo, por exemplo, falou-se bastante sobre depósitos de alumínio, que poderiam ser tóxicos para o cérebro. Também sempre se procurou ver o papel das vitaminas, o quanto elas poderiam melhorar a função ou diminuir essa neurodegeneração. Da mesma forma, de um tempo para cá, realmente tem se procurado saber o papel das gorduras em vários processos.

O aumento do colesterol promove uma disfunção de mecanismos de informação. Portanto, gorduras, de maneira geral, podem aumentar a inflamação. Por outro lado, já sabemos que o colesterol é uma substância que carreia a proteína beta-amilóide, que é o principal problema da doença de Alzheimer. Desse modo, aumentar a carga de colesterol promove também essas alterações, não apenas a partir do ponto de vista vascular, causando lesões, mas também pelo próprio processo da cascata amilóide que lesiona o sistema nervoso central.

Quando se avalia, entretanto, o quanto o perfil alimentar influencia no surgimento da doença, comparado a outros fatores, como idade e hereditariedade, percebe-se que ele é apenas contributivo. Certamente, não se trata de um fator causal. Ainda estamos a procura de fatores causais, que sejam determinantes no surgimento do problema. O fator alimentar não é um fator preponderante. Apesar disso, há algumas pesquisas interessantes que nos fazem refletir sobre isso. É o caso de um trabalho realizado na África e nos Estados Unidos, que alcançou resultados interessantes.

Há algum tempo, estava-se pesquisando diferenças, a princípio transculturais. Em um desses estudos, percebeu-se que a doença de Alzheimer era muito pouco prevalente em negros de origem africana residentes em Ibadan, uma cidade nigeriana. Esses dados foram comparados com afro-americanos, em Indianápolis. Era uma pesquisa conjunta, feita em parceria entre esses dois centros. O estudo verificou ainda que, nos Estados Unidos, a prevalência de Alzheimer era igual para negros e para brancos.

O passo seguinte foi pesquisar quais seriam os fatores diferentes ou próximos. Eles perceberam que a massa corporal dos negros americanos era muito grande e a dieta deles era baseada em alimentos do tipo fast-food (pizza, hambúrguer e outras com gorduras e colesterol ruim) em grande quantidade. Tratava-se de uma população marcada pela obesidade, comparada à africana, baseada em uma cultura essencialmente de caça, que comiam pouca gordura e pouco açúcar. Portanto, uma das razões era justamente essa: desde a infância a construção de diferentes hábitos alimentares, que podem ser carreadores de aumento de gordura. De certa forma, portanto, não há uma novidade no estudo sueco, mas há um progresso interessante em determinar que essas substâncias efetivamente causam alterações.

A alimentação na infância, apesar de a doença ser característica da terceira idade, pode já contribuir para o surgimento da doença no futuro. No longo prazo, contribui. No mínimo, porque uma criança que segue esse tipo de dieta estará cultivando um hábito do qual será cada vez mais difícil se desvencilhar. Nesse caso, a criança é condicionada a fazer sempre uso desse tipo de alimento, que não é saudável.

Falar dos fatores de risco nos jovens de hoje nos faz pensar em como se configurará a prevalência da doença de Alzheimer nas futuras gerações. Acredito que, nesse ponto, não é apenas a dieta do fast-food que contribui para uma projeção de mais casos de Alzheimer nos futuros idosos. Percebemos atualmente, em paralelo a essa questão, um aumento exponencial da longevidade. As pessoas estão vivendo muito mais e com mais qualidade. Por si só, isso já aumenta a prevalência da doença de Alzheimer, mas diminuir o fator de risco na alimentação já pode ser importante. Mas não é só a dieta, quem tem aumento de colesterol, mesmo que seja por aspectos genéticos, já podem ser vistas com maior risco de desenvolver a doença.

Para os pacientes que já têm a doença, uma mudança no hábito alimentar pode certamente ajudar no que diz respeito à progressão das lesões. Não vai ser a razão de cura, mas pode ajudar e deve ser feito, até porque quando se continua com a mesma dieta, os riscos aumentam.

Andréa Abdala Frank

Professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro e autora do livro "Nutrição no envelhecer"

Além da doença de Alzheimer, existem outras doenças, que chamamos de  não transmissíveis ou doenças crônico-degenerativas. Essas doenças têm uma variedade de fatores etiológicos principais, como no Alzheimer, em que temos como exemplo o histórico da família, traumas cranianos e a idade, obviamente, que leva a essa degeneração neurocerebral. Entretanto, aliado a isso, existe um estilo de vida, que acompanha essa pessoa ao longo de toda sua fase de crescimento: adolescência, fase adulta, até chegar à velhice propriamente dita. Eu costumo dizer que a velhice não é o ponto que está relacionado com todas as coisas ruins de uma pessoa. Não é um momento pontual em que os problemas simplesmente surgem. O que acontece é que, quando se é novo, procura-se essas doenças, faz-se por onde elas acontecerem.

Na doença de Alzheimer, a alimentação é importante, primeiro como fator preventivo, sem deixar de considerar essa etiologia principal. Essa associação acontece porque a alimentação, quando é muito rica em gordura saturada e gordura trans, que encontramos nos biscoitos, bolos e confeitos, promove um entupimento de todas as artérias. Esse entupimento vai culminar numa morte celular e na morte neurovascular. Esse processo diminui o fluxo sangüíneo de uma determinada região do corpo. Dependendo da região que é afetada, a pessoa passa a ter algumas funções diminuídas, como, por exemplo, ocorre com a função cognitiva, bem como as de memória e concentração, todos sintomas da doença de Alzheimer.

Além dessas gorduras, está associada também aos problemas causados pelas falhas na alimentação uma escassez no consumo de frutas, hortaliças, grãos integrais e legumes, ricos em vitaminas antioxidantes, que contribuem efetivamente para que essa agressão no vaso não ocorra com tanta evidência. Pode-se ter na família alguém com Alzheimer e nem por isso desenvolver a doença, de acordo com o estilo de vida. O tabagismo é um bom exemplo. O hábito de fumar é um fator etiológico positivo para Alzheimer. Portanto, se a pessoa busca alterar esses hábitos, o risco tende a diminuir.

Nos fast-foods, normalmente encontramos carnes gordurosas, muitas frituras, cremes a base de maionese ou creme de leite, doces, que levam gordura trans, batata frita, enfim, se a pessoa tem uma vida voltada para esse tipo de alimentação, é evidente que ela não está procurando saúde. Aliado a esse hábito alimentar, se a pessoa tem, ainda, uma história familiar que indique risco de uma doença degenerativa, é possível que ela desenvolva, sim, o problema.

Eu diria que todo estudo é muito importante, pois somando as informações, começamos a perceber um pouco da realidade do mundo em geral. Assim como tivemos a dieta do mediterrâneo, que apontou os benefícios do consumo de peixe, a alimentação fast-food já é reconhecida por nós, nutricionistas, como uma alimentação não benéfica à saúde, para qualquer enfermidade, não só Alzheimer. De qualquer forma, é interessante que um estudo aponte nessa direção para que outros possam procurar e continuar estudando mais a esse respeito, até que a gente possa tornar isso mais evidente para a população como um todo, pois os estudos acadêmicos acabam muitas vezes ficando muito restritos à população acadêmica. Mesmo que tenhamos atividades de extensão à população, até essa informação ser concebida demora um pouco.

A doença de Alzheimer tem a idade como fator etiológico principal, fora raríssimas exceções. Portanto, apesar de a alimentação fast-food ser marca do público mais jovem, é muito difícil que tenhamos casos da doença em pessoas de menor idade. Contudo, é preciso aprender a cuidar melhor da alimentação dessas crianças e adolescentes, que estão numa época em que se julgam muito independentes, querem fazer apenas o que querem fazer. É interessante que fiquemos mais próximos ao adolescente, apresentando os riscos. Para a criança, basta uma educação em casa, pois a criança é o reflexo da família.

Acho que isso pode ser feito não só para uma criança, mas para todas. Comer um biscoito mais natural e saudável deveria ser uma coisa para todos e não só para alguns. Uma alimentação saudável deveria ser a regra entre todos. Se esses jovens mudarem o hábito alimentar e tiverem uma vida, quando adultos, marcada pela atividade física regular e mudança de consumo, estarão contribuindo para a melhora do estado nutricional e, possivelmente, auxiliando na prevenção de doenças degenerativas.