• Edição 154
  • 27 de novembro de 2008

Faces e Interfaces

Chorar faz bem à saúde?

Marcello Henrique Côrrea, Sofia Moutinho e Rodrigo Lois - AgN/PV

O ser humano é o único animal capaz de chorar. Logo que nascemos começamos a exercitar. O choro é resultado de uma série de fenômenos neurológicos e endocrinológicos e está relacionado ao instinto de defesa do homem. Ele constitui uma poderosa e muito utilizada forma de comunicação, pode expressar dor, sofrimento, alegria ou até prazer. Presente nas situações mais marcantes de nossas vidas, a lágrima — que só aparece a partir dos seis meses de vida — pode ser conseqüência de uma emoção espontânea ou o indício de alguma doença e desequilíbrio psíquico, como a depressão.

Complexo e intrigante o choro possui difererentes funções, dentre uma delas a de "válvula de escape". Ao chorarmos liberamos adrenalina, hormônio secretadado pelas glândula renais em situações de estresse, e noradrenalina, que atua como neurotransmissor e tem um efeito contrário ao da adrenalina. A conjunção destes dois hormônios nos propicia uma sensação de alívio e tranqüilidade depois do choro.

Para comentar os diferentes aspectos dessa questão, o Olhar Vital entrevistou as especialistas Magda Vaisman, psiquiatra do departamento de Psiquiatria do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e Luciana Rizo, professora em Psicologia Cognitiva pela UFRJ e sócia-diretora da Psicoclínica Cognitiva do Rio de Janeiro.

Luciana Rizo

Professora em Psicologia Cognitiva pela UFRJ

“Do ponto de vista psicológico, o choro é uma forma de externar os sentimentos guardados. Ele pode tanto expressar emoções positivas, como a alegria e a satisfação, quanto emoções negativas, como a tristeza e a raiva.

O choro acontece quando o indivíduo, através de algum estímulo externo ou interno, se emociona. A partir daí, o sistema límbico, responsável pelos sentimentos, associa esse estímulo emotivo com aqueles que já armazenados a partir de experiências anteriores, gerando algumas respostas fisiológicas, sendo que uma delas é o choro. Esse processo faz com que outro sistema neuronal libere várias substâncias envolvidas no processamento das emoções, como, por exemplo a noradrenalina e serotonina. Através do sistema nervoso autônomo (responsável por ações motoras como piscar dos olhos) ocorre a contração da glândula lacrimal, liberando a lágrima. 

Na terapia Cognitivo-Comportamental entendemos o choro como a expressão de um sentimento e trabalhamos com o referencial teórico do Modelo Cognitivo, desenvolvido por Aaron Beck (1965), o qual demonstra que uma situação pode gerar pensamentos e esses dão origem a sentimentos correlatos que influenciarão respostas fisiológicas e também comportamentos individuais. Portanto, não incentivamos o choro, mas acolhemos quando ele acontece e trabalhamos com o cliente o que passou na cabeça dele (o que ele pensou) momentos antes de se emocionar. Então, através da técnica de questionamento socrático, trabalhamos os pensamentos do cliente que podem estar gerando emoções negativas que interferem no seu funcionamento diário. 

Chorar faz bem à saúde, enfim, a expressão das emoções é algo importante para o ser humano, mas é importante também trabalhar a forma da externalização para que esse processo seja saudável. Se uma pessoa apresenta muitos momentos de choro, se ela chora em excesso, por exemplo, é importante que procure um especialista para investigar o que a está levando a esse comportamento. O choro pode ser indício de algum transtorno. Nessa situação de choro frequente, podemos estar lidando com um caso de depressão. Problema cujo tratamento adequado é fundamental por se tratar de um transtorno que pode levar à morte.

O sentimento de melhora após uma manifestação de choro acontece porque essa liberação da emoção traz um certo alívio de tensão. Porém, não é sempre que o choro é interpretado como algo positivo, portanto precisamos ter cuidado ao afirmar que chorar sempre faz bem. 

A expressão dos sentimentos é saudável ao ser humano, desde que seja feita de forma adequada. A repressão das emoções pode gerar ruminações de pensamentos e sentimentos trazendo um prejuízo significativo ao indivíduo. 

Infelizmente, para muitos em nossa sociedade, o choro é interpretado como um sinal de fraqueza. Ainda podemos encontrar mandos como: ‘engole o choro’, ‘pare de chorar! O joelho nem machucou muito’, ‘chorar não é coisa de gente forte’. Ainda hoje, ouvimos alguns pais fazendo essas assertivas aos filhos. Esse fato é lamentável, pois ensinam a inibição emocional, que pode trazer prejuízos aos futuros adultos. 

Alguns trabalhos mais específicos sobre essa manifestação comportamental estão sendo desenvolvidos no momento. Alguns deles estão tentando acabar com esse conceito de que ‘choro é sinal de fraqueza’. Os autores de orientação a pais, como Tânia Zagury, têm escrito bastante para que os pais não supervalorizem o choro, mas que não inibam esta expressão emocional.”

Magda Vaissman

Professora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

“É evidente que o choro pode fazer bem. Ele faz bem porque é uma forma de expressão dos sentimentos. Pode indicar diversos estados, como tristeza, alegria, irritação e é importante que a pessoa não se reprima, ao expressemos esses sentimentos, sejam eles considerados bons ou ruins, evitamos que essa carga emocional se expresse por outras formas. É o caso das doenças psicossomáticas, em que desequilíbrios emocionais acabam se manifestando como um mal físico.

Quanto a isso, podemos ver o exemplo da alexitimia, distúrbio em que a pessoa não consegue se expressar por meios verbais. É comum que pessoas que sofrem desse mal apresentem problemas como paralisia e outros reflexos. É como se o corpo chorasse no lugar da pessoa, porque essas emoções não podem permanecer reprimidas.

Apesar disso, prender o choro não causa danos mais graves à saúde, não é sinal para ficar preocupado. É comum que essa sensibilidade que leva a pessoa às lágrimas varia de pessoa para pessoa e de cultura para cultura. Por exemplo, dentro da cultura masculina, o homem não pode chorar. Há muito esse discurso de que o homem não pode demonstrar esses sentimentos. Dessa forma, os homens apresentam uma tendência muito grande a não demonstrar o sentimento. Há um apelo intenso para que o homem seja uma pessoa forte. Já a mulher consegue expressar e falar sobre seus sentimentos por causa da questão cultural e nada tem de fisiológica.

Além dos casos de descontrole emocional, pode-se admitir casos em que o choro assume funções mais específicas, como chamar a atenção ou expressar desagrado. Esse tipo de reação é observado com mais freqüência no universo das crianças, onde pode se aplicar essa questão de chorar para ser percebido. Entretanto, a criança ainda está aprendendo a controlar suas emoções. Além disso, para os mais novos, antes mesmo de falar as primeiras palavras, o choro se caracteriza como uma forma de comunicação, ainda que primitiva. Isso é observado frequentemente em bebês.

Há os casos de depressão, onde o choro pode ser uma indicação. A depressão é observada quando a pessoa está muito triste, num grau muito grande, conhecido como tristeza vital. Muitas vezes, é um sentimento que arrebata o depressivo, que sequer sabe o motivo de tamanha dor. É evidente que um quadro como esse vai causar o choro no paciente, que, além da tristeza sofre alterações em diversas áreas, como a libido, relacionada ao prazer. É uma pessoa que acha que a vida não vale nada. O choro, nesse contexto, pode ajudar a pessoa a se acalmar, como um processo de catarse.

Não há distúrbios específicos relacionados ao choro. Na maioria das vezes, é apenas a expressão de uma emoção ou um sintoma de algum quadro. Nesse caso, o tratamento depende muito do contexto. Além da depressão, pessoas que sofrem de transtorno bipolar e esquizofrenia, por exemplo, podem ter, no choro, uma válvula para seus sentimentos. A tristeza, contudo, pode ser uma emoção normal em determinadas situações e não há sinal claro de que há algo que precise ser tratado.”