• Edição 153
  • 19 de novembro de 2008

Faces e Interfaces

Futebol é fator de risco para Esclerose Lateral Amiotrófica?

Cília Monteiro

De acordo com pesquisa realizada na Universidade de Turim, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença neurológica que causa paralisia progressiva, tem sido bastante incidente entre jogadores de futebol.  No estudo foram examinados dados relativos a 7.325 futebolistas profissionais, atuantes entre 1970 e 2006, na Itália. Os pesquisadores constataram oito casos da doença, seis vezes mais do que a estimativa inicial de 1,24.

Dentre as explicações para este índice está uma hipótese: a presença de uma neurotoxina nos gramados, que seria responsável pela contaminação dos jogadores. Para desvendar o problema e esclarecer sobre esta doença pouco conhecida o Olhar Vital convidou os especialistas:

Rosana Conrado Lopes

Professora do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia da UFRJ e diretora da Sociedade Botânica do Brasil, Diretoria Regional Rio de Janeiro (SBB-RJ)

“No Brasil a espécie Zoysia japonica Steud. é a mais utilizada em campos de futebol, campos de golfe, praças e jardins. Pertence à família botânica Poaceae e é popularmente conhecida como grama esmeralda. É amplamente difundida, porém, não é nativa do nosso país, é originária do Japão. Essa grande utilização se dá pelo fato da planta formar um tapete verde uniforme, ter um baixo índice de infestação de plantas daninhas, pouca manutenção e facilidade de plantio.

Minha opinião é acreditar que não haja relação entre a utilização da grama esmeralda nos campos de futebol e a alta incidência de casos de ELA em atletas deste esporte. Devido à grande difusão da planta em nosso país, os casos de ELA não teriam seus altos índices restritos apenas a esta categoria de profissionais. Caso a grama fosse responsável pela transmissão da doença e houvesse especificamente algum tipo de profissional com maior tendência, suponho que seriam os jardineiros os afetados e não jogadores de futebol, pois eles têm mais contato com a planta. 

Creio que associadas à ELA haja muitos outros quesitos, como a possibilidade da um fator genético causador. Se for uma doença incidente nos jogadores de futebol, por que não estaria ligada a algo que eles costumam fazer e a maioria das pessoas normalmente não faz? O exercício físico é estressante. O futebol exige muito do atleta. São treinamentos diários. É um desgaste muscular muito maior do que o do restante da população. Se fosse algo voltado para a planta, o jardineiro está lá, pelo menos uma vez por semana precisa cortar um canteiro. Neste processo, ele respira a poeira da planta, caso fosse este o motivo, como seria possível ele não estar no grupo de risco?

A princípio, seria necessária uma investigação relacionada à composição dos campos de futebol da Itália. Será que neste país eles também utilizam a grama esmeralda? Ou utilizam grama sintética? Se quisessem investigar a grama para saber se ela pode produzir algum efeito, seria necessário um estudo químico, mais aprofundado. Para tal, profissionais bioquímicos ou farmacêuticos seriam os mais indicados, pois lidam com a parte química da planta. Também poderia averiguar se nestes gramados ocorrem associações a algum tipo de fungo capaz de produzir um determinado tipo de toxina. Considero o estresse muscular como uma possibilidade mais viável para a causa da ELA do que a contaminação pelo gramado. Acredito que o foco da questão realmente não deve ser a planta.”

José Mauro Braz de Lima

Professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e coordenador acadêmico do Programa Doenças do Sistema Nervoso – Esclerose Lateral Amiotrófica (DNM-ELA) do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC)

“A ELA também é chamada de Doença de Charcot, por ter sido descrita pela primeira vez em 1869 pelo neurologista Jean-Martin Charcot, embora os americanos muitas vezes a chamem de Doença de Lou Gehrig. Trata-se de uma doença terrível, em que cresce uma paralisia progressiva que se inicia nas pernas, posteriormente braços, atinge a língua e por último os músculos da deglutição. O paciente caminha ao longo de três a cinco anos com estas paralisias que se instalam rapidamente, culminando na morte no estágio em que já não é mais possível falar nem deglutir.

É importante destacar, a maioria dos doentes fica com as funções cognitivas em bom estado, significa que estão conscientes de seu sofrimento. A ELA termina com quadro de insuficiência respiratória, devido ao enfraquecimento dos músculos intercostais. Em alguns casos a evolução da doença leva menos tempo, em torno de um ou dois anos. Ainda não sabemos o que causa a ELA, acho totalmente descabido pensar em qualquer etiologia diante da falta de conhecimento atual.

Há trinta anos, em um dos primeiros trabalhos que fizemos no Instituto de Neurologia com a doença na forma clássica, procuramos investigar a transmissibilidade para camundongos. Conseguimos demonstrar que havia certo fator de transmissão, que não foi identificado até hoje. Não encontramos nenhum germe ou vírus na ocasião, o fato de ser transmissível não quer dizer que seja uma infecção.

Existem moléculas com formações protéicas especiais, consideradas atualmente fator de transmissibilidade para determinadas doenças. É o caso de enfermidades causadas por príons, modificações de proteínas normais do corpo, como por exemplo, a doença da vaca louca. A ELA não foi ainda identificada. Diante disto e baseado na nossa experiência, considero que possa ser descoberto um tipo de príon, de alteração de formação, e a partir daí poderíamos saber a causa.

Para o fato de encontrarem uma incidência aumentada entre os jogadores, devemos considerar primeiro que neste meio a incidência de ELA pode ser relativamente alta, mas precisamos perguntar ao contrário: em um universo de ELA, qual é a porcentagem de jogadores? Possivelmente é muito pequena.  Se entre os jogadores eu tenho casos de ELA acima da média, entre os casos de ELA eu não tenho número de jogadores acima da média.

Possivelmente, o fator provocador é o estresse muscular. Situações de super tensão podem tornar os jogadores com alguma pré-disposição genética orgânico-biológica, pouco mais sensíveis do que as demais pessoas. Então eu entenderia que é um disparate falar de uma bactéria que esteja no campo ou em outros locais. É preciso entender que a etiologia não é conhecida, a patogenia já está bastante avançada na compreensão, mas ainda existe muita interrogação, ainda é uma doença desafio para a neurologia e para a medicina de um modo geral.

Quanto à matéria que saiu na Itália, que acho muito interessante, ela não resiste a uma crítica no que toca sua causalidade. Além disso, se considerarmos que os jogadores estão mais incidentes na doença do que a população em geral, o motivo talvez possa ser o estresse muscular, microtraumatismo, como precipitador e não causador da doença. Por outro lado, podemos observar muitos casos de ELA aqui no Brasil, mas não nos chama atenção que sejam jogadores de futebol. Tenho muitos pacientes que começaram com ELA depois que se submeteram a exercícios físicos como ginástica, musculação, natação e vôlei, por exemplo. Acredito que não dá para correlacionar diretamente com o jogador, talvez seja um fator que precipita a doença.

O tratamento da ELA é também um grande desafio e é o que buscamos na universidade. Com base nisto fazemos o ambulatório há 30 anos. ELA é uma doença complexa e um sofrimento para o paciente e sua família. É progressiva, inexorável, fatal e traz grandes prejuízos. Não tem cura, por isso é necessária uma mudança na visão por parte da medicina, que deve buscar um tratamento voltado para a qualidade de vida do doente. É extremamente difícil acompanhar um paciente que sabemos que vai morrer, obviamente. O que queremos hoje corresponde a uma filosofia médica, é não apenas buscar a cura mas aliviar o sofrimento enquanto não a encontramos”.