• Edição 152
  • 13 de novembro de 2008

Argumento

Percepção das consoantes em recém-nascidos

Miriam Paço - AgN/CT

Experimentos sobre a cognição de bebês recém-nascidos têm sido realizados desde o final da década de 90 nos Estados Unidos e na Europa. Na semana passada, durante a Jornada de Iniciação Científica Giulio Massarani, Alex Sander Lopa de Carvalho, 3º período do curso de Português-Francês na Faculdade de Letras (FL), apresentou a pesquisa “Como os bebês e suas chupetas podem auxiliar no entendimento sobre desenvolvimento de linguagem”, orientada pelas professoras Aniela Improta França, do Departamento de Lingüística da universidade, e Aline da Rocha Gesualdi, professora do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), responsável pela parte de engenharia do projeto.

O trabalho faz parte do projeto de Eloisa Le Maitre Lima, orientanda de mestrado da professora Aniela Improta França e estuda o desenvolvimento lingüístico de bebês durante o período pré-fala. A associação com a professora Aline Gesualdi e a apresentação na jornada aconteceu devido à necessidade de se desenvolver um aparelho chamado chupetógrafo, capaz de gravar os sinais produzidos pela sucção não nutritiva (da chupeta) de bebês em termos de freqüência por segundo e pressão. “No protocolo original, o bebê é deitado com uma inclinação de 30 graus e recebe uma chupeta cuja base é conectada a uma das pontas de uma mangueira fina. Na outra extremidade é encaixado um sensor de pressão que envia pulsos elétricos para um computador que os processa”, explicou Aniela Improta França.

Os resultados das pesquisas já realizadas demonstraram que, ao receber um estímulo novo, o recém-nascido suga a chupeta com entusiasmo, que decresce à medida que o som ou objeto se tornam conhecidos até entrar no que se chama de habituação, onde não há sucção e o bebê pega no sono.

Técnica adaptada

A pesquisa teve início em maio deste ano e visa a, principalmente, entender quando a criança começa a perceber e diferenciar as consoantes e quais são ganhos cognitivos que isso traz, a partir da mesma técnica, embora adaptada e modernizada, utilizada em 2002 por Franck Ramus. Em sua tese de doutorado, Ramus avaliou a percepção de vogais em bebês de um a cinco dias e constatou que os recém-nascidos sabiam diferenciar mudanças na língua em que uma história era lida para eles.

O arcabouço teórico para a pesquisa vem da Gramática Gerativa de Noam Chomsky, professor de lingüística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, EUA), segundo o qual “a língua nativa de cada indivíduo não deriva de aprendizagem, mas cresce no cérebro assim como a capacidade para a visão binocular da espécie humana, a partir do contato com os dados de língua que o bebê ouve desde o seu nascimento”, explicou Aniela Improta França, que afirma:

— O desenvolvimento cognitivo do recém-nascido não é completamente coordenado ao desenvolvimento motor. Portanto um bebê pode já ter muito substrato neural pronto para computação de linguagem antes de atingir o controle motor e o contexto social que fará com que ele efetivamente fale.

De acordo com a professora, para entender o desenvolvimento da linguagem é preciso observar não só as fases de fonação do bebê, como também o período pré-fala ou pré-fonação, etapa em que a relação com a linguagem só ocorre no interior do cérebro e não pode ser percebida pela análise do comportamento do bebê. Aniela Improta França informou ainda que algumas pesquisas mais recentes constataram que, no momento em que o recém-nascido ouve as pessoas que estão falando próximas a ele, inicialmente, só capta as vogais, das quais retira as informações relativas à prosódia da sua língua (parte da gramática que se dedica às características da emissão dos sons da fala) e à fronteira das palavras. Por volta dos 4 meses, começa a entender as consoantes que trazem informações sobre as raízes, o que permite que os bebês comecem a se preparar para nomear os objetos.

Inovações na versão nacional

O chupetógrafo desenvolvido no laboratório da professora Aline Gesualdi no CEFET, apresenta algumas inovações com relação ao original desenvolvido pelo professor Jacques Mehler da Universidade de Trieste na Itália. “A partir de uma técnica mais simples, a versão brasileira do aparelho substitui o sensor de pressão encaixado à mangueira por um microfone que é responsável por enviar, via USB, o registro da sucção a um computador que faz o processamento do sinal. Esta versão nos permite utilizar a própria chupeta do bebê, e sem causar nenhum dano a ele, visto que não ocorre contato direto do bebê com as fontes elétricas que fazem parte do aparelho”, declarou a professora.

Atualmente, o projeto encontra-se no começo da segunda fase, a aplicação do teste em bebês de quatro a seis meses, o que depende da permissão do Comitê de Ética da UFRJ. Nesse estágio, que deverá ser realizado no Laboratório de Acesso Sintático (ACESIN) da Faculdade de Letras, os bebês serão expostos, durante alguns minutos diários por 10 dias seguidos, a determinados objetos enquanto ouvem os nomes dos mesmos em várias posições dentro de uma frase. Essa etapa é seguida de outra, onde será utilizada uma técnica de monitoração do olhar do bebê para verificar se há reconhecimento dos objetos.

Com a aprovação do Comitê de Ética, a equipe responsável pela pesquisa organizará palestras em creches a fim de que possam encontrar pais voluntários. “Os pais que concordarem em deixar que os filhos participem da pesquisa terão sido sensibilizados para a importância de entendermos como adquirimos linguagem tão facilmente quando somos bebês, se todos sabemos que é tão difícil adquirir uma língua estrangeira quando somos adolescentes ou adultos. Em termos de experimentos lingüísticos com o chupetógrafo, muitos já se desenvolveram fora do Brasil, especialmente sobre prosódia e percepção de vogais. Parece-nos que o uso do chupetógrafo para discriminação de consoantes em bebês seja ainda inédito no país e bem menos estudado no mundo, o que ressalta a sua importância”, concluiu Aniela Improta França.