• Edição 150
  • 30 de outubro de 2008

Ciência e Vida

Pesquisa alerta para riscos do mercúrio no organismo

Cília Monteiro

Considerado saudável por ser fonte de proteínas, o consumo de peixe é um hábito diário na vida de muitos brasileiros. No entanto, nem todos conhecem os perigos que o mercúrio acumulado neste tipo de carne pode trazer à saúde. “De maneira geral, o pescado é a principal via do mercúrio em sua forma mais tóxica ao homem, o metilmercúrio”, explica Olaf Malm, diretor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF). Ele trabalha há 20 anos com ecossistemas continentais na Região Amazônica, inicialmente nos principais rios. Atualmente a pesquisa também se estende a reservatórios.

Segundo Olaf Malm, a presença de mercúrio acima de certas concentrações no organismo humano causa sintomas neurológicos, como tremores, perda de memória, dificuldades motoras, de audição e visão, que se agravam conforme aumenta o acúmulo do elemento. Uma forma de excretar o mercúrio é eliminá-lo através do cabelo. Sendo assim, uma das principais formas de monitoração dos teores deste metal no sangue do indivíduo é através da sua análise no cabelo.

De acordo com o professor, a contaminação por mercúrio atinge peixes tanto de águas salgadas quanto doces. No entanto, estas últimas são mais favoráveis à organificação do mercúrio, que corresponde à transformação de sua forma inorgânica em orgânica, mais tóxica. “Trata-se de um elemento volátil, que apresenta ciclo atmosférico expressivo e se deposita em solos. Na Amazônia, os níveis de Hg nos solos, que por serem muito antigos, são elevados”, afirma Olaf Malm. Ele acredita que nesta região, a erosão dos solos como conseqüência do desmatamento e também destruição de matas ciliares representa um fator para a falta de proteção aos sistemas aquáticos e entrada de Hg nestes. As queimadas também são fonte de Hg para a atmosfera.

Para o diretor, a toxicologia do mercúrio em relação ao pescado tem como referência a tragédia industrial ocorrida no Japão na década de 50, em Minamata, em que centenas de pessoas morreram e outras milhares foram contaminadas e sofreram danos neurológicos. Porém, as populações destas localidades que foram expostas ao elemento eram subnutridas, tinham como base de sua alimentação somente peixe e arroz. “Na Amazônia, a situação é bastante diferente. As frutas, castanhas e outros componentes da dieta local podem conter substâncias protetoras do organismo em relação ao mercúrio. Selênio é um deles, extremamente abundante na castanha-do-pará. Isto gera uma nova área de interesse para nosso trabalho”, observa Olaf Malm.

O professor indica que peixes predadores de alto mar, como atum e o espadarte assim como alguns cetáceos apresentam também elevados níveis de mercúrio em seu tecido muscular. Famílias de pescadores que consomem grandes quantidades destas espécies consideradas topo de cadeia estão bastante expostas e podem apresentar riscos. “Soubemos que no Maranhão existe um consumo de tecido de botos, os quais podem apresentar altas concentração deste elemento. Seria importante estudar estas populações. Não existem tantos estudos nas áreas costeiras quanto nas ribeirinhas, e há uma necessidade de pesquisas”, aponta Olaf.

O diretor explica que no procedimento tradicional para análise de metais pesados, é necessário digerir a amostra do tecido do peixe. Isto é feito a partir de ácidos fortes e agentes oxidantes, resultando num líquido cristalino, após a digestão de toda a matéria orgânica e retenção do mercúrio. Em seguida, através do método da espectrofotometria de absorção atômica, é possível analisar as concentrações do Hg. “No caso do mercúrio se usa o método de geração do vapor frio, que é bastante sensível”, completa Malm.

Recomendações              

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece o consumo de até 400 gramas de peixe por semana para um adulto de aproximadamente 60 quilos. Portanto, os peixes que apresentam mais de 0,5 microgramas de mercúrio por grama de carne devem ser menos consumidos. “É uma correta recomendação”, observa Olaf Malm.  

Além disso, o professor aconselha a mulheres em idade reprodutiva que evitem o consumo rotineiro de atum, pois representa uma espécie que atinge facilmente o valor da OMS, podendo chegar até mesmo ao dobro daquele. “Neste caso deve-se consumir no máximo 30 gramas por dia”, indica Olaf. O motivo da restrição encontra-se no fato do alto acúmulo de mercúrio pela placenta e feto. “O organismo da mãe elimina o elemento no feto, que possui até 70% mais mercúrio no sangue que a mãe”, constata o diretor.

De acordo com ele, o sistema nervoso do ser em desenvolvimento apresenta maior sensibilidade e suscetibilidade, havendo relatos de deformações e retardamento mental pelo excesso de mercúrio. “É indicado que estas mulheres evitem peixes topo de cadeia, e se alimentem de espécies que se alimentem mais de detritos, plantas ou algas”, aponta Malm. No entanto, ele considera o peixe importante, pois além de ser a principal fonte de proteínas, representa também uma questão cultural. “Não se pode mudar os hábitos de populações, isso pode descaracteriza-los culturalmente ”, conclui Olaf Malm.