• Edição 149
  • 23 de outubro de 2008

Notícias da Semana

Saúde: desafios para manter as conquistas

Sidney Coutinho

Hoje parece natural, mas há 20 anos nem todos tinham acesso à saúde pública, medicamentos gratuitos ou igualdade de direitos em transplantes de órgãos. Só quem contribuía com o Instituto Nacional de Previdência Social desfrutava de atendimento médico e hospitalar. O relato das revolucionárias conquistas foi contado pelos integrantes do painel de Saúde no Ciclo de Debates “20 Anos de Constituição Federal - A luta pelos direitos sociais” realizado na manhã de ontem (22/10), no Salão Pedro Calmon, na Praia Vermelha.

A queda no financiamento da seguridade social era preocupação comum aos participantes da mesa: o secretário do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, Eduardo Jorge, o diretor de Gestão da Agencia Nacional de Saúde (ANS), Hésio Cordeiro, o deputado federal José Saraiva Felipe e as professoras Sônia Fleury, da Fundação Getúlio Vargas, e Lígia Bahia, da UFRJ.

Mais incisiva, a professora Sônia Maria Fleury Teixeira, que também preside o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), afirmou que a proposta de reforma tributária é uma ameaça de liquidação à seguridade social. "Há risco de acabar o financiamento social da seguridade. Embora digam que terá mais recursos, não há garantias legais de que eles vão para essa área, como está definido (na Constituição)”, afirmou.

O secretário Eduardo Jorge destacou que os avanços na área da saúde, como a universalização, por exemplo, foram possíveis porque a Assembléia Constituinte teve em mãos uma proposta de reforma para área da saúde bem estruturada, sintética e referencial. Assim como ele, o deputado Federal e ex-ministro da Saúde José Saraiva Felipe lembrou que o movimento sanitário, que ocorreu ao longo de duas décadas antes da constituinte, moldou os conceitos que possibilitaram leis constitucionais avançadas.

De acordo com Saraiva Felipe, o município mineiro de Montes Claros foi um dos locais que serviu de base para experimentação de diversas propostas para a saúde pública. “Muito da terminologia do Sistema Único de Saúde (SUS) nasceu dali, onde gente do Brasil inteiro contribuiu para esse projeto”, lembrou ele, lamentando que hoje não haja mais experiências semelhantes.

O diretor da ANS, Hésio Cordeiro, ressaltou que a Constituição trouxe um conceito novo, o de seguridade social, que lidava com saúde, previdência e assistência social de forma integrada. O foco era a universalidade de cobertura e atendimento, além de redução do desequilíbrio entre meio urbano e rural. Ele apontou a fragilidade das ações no âmbito da saúde do trabalhador e também falhas na articulação entre o SUS e o SUAS (Sistema Único de Assistência Social). "Esse não foi um problema da Constituição. Houve falhas na implementação das propostas que vieram depois".

Eduardo Jorge enfatizou a necessidade de maior integração das três áreas da seguridade social, com a criação, inclusive, de um ministério próprio para priorizar atenção básica à população. Além de inter-relação com outros setores, como educação e transporte, para divisão de gastos. Para ele, a saúde tem de sair de um processo messiânico e isolado de querer resolver os problemas. “É preciso saber trabalhar com outros setores, para poder melhor dividir (gastos) e avançar”, disse, destacando que saúde é uma equação de recursos finitos para uma demanda infinita.

Defensora também de mecanismos de integração entre as áreas da saúde, previdência e assistência social, Sônia Teixeira discorda da proposta de criação de um Ministério da Seguridade Social. Para a professora, a situação não requer criação de "institucionalidades", mas um novo modelo de gestão.

A professora da UFRJ e uma das coordenadoras do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS/UFRJ), Lígia Bahia, ressaltou que diante de uma realidade marcada pela desmobilização da sociedade a universidade tem importante papel diante do desafio de manter os direitos sociais assegurados pela Carta de 1988. Ela defendeu a necessidade de um projeto sistêmico, como os demais palestrantes. Para Lígia existem contradições no setor de saúde, como por exemplo, a expansão do mercado dos planos de saúde, apesar de existir um processo real de universalização.


Adib Jatene faz retrospectiva da Saúde no Brasil

Cília Monteiro

A 7ª Conferência Carlos Chagas Filho ocorreu na última quarta-feira (22/10), no auditório do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), com vídeo-conferência para o auditório do Bezão, localizado no Centro de Ciências da Saúde (CCS). A comunidade acadêmica compareceu em peso para prestigiar o ilustre convidado desta edição, Adib Jatene, ex-ministro da Saúde e professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Tânia Ortiga, coordenadora de Extensão do IBCCF, foi responsável pela abertura do evento: “Estamos numa conferência que ocorre anualmente em homenagem ao fundador do Instituto de Biofísica. Este ano, em especial, o encontro encerra a participação do Instituto na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia”.

Em seguida, Olaf Malm, diretor do IBCCF, falou sobre o sucesso do evento “Descobrindo a biofísica” e de planos para o futuro: “Temos o objetivo de criar um acervo de documentos de cada laboratório do Instituto de Biofísica”. Para apresentar o palestrante, o diretor convidou Antônio Paes de Carvalho, pesquisador do IBCCF, que declarou: “O Adib é uma pessoa de extraordinárias realizações. Ele olha o problema, analisa, resolve em sua cabeça e já parte para a solução prática. Tem uma enorme história como cirurgião cardíaco, trabalhou no Brasil e desenvolveu grandes inovações e equipamentos”.

Adib Jatene iniciou seu discurso propondo uma revisão no panorama da Saúde no Brasil. Ele relembrou a situação em que a Igreja Católica reconheceu a morte cerebral como o momento exato da morte de fato, na época em que Carlos Chagas filho era diretor da Academia Pontifícia de Ciências. “Foi um seminário com duração de dois dias que contou com trinta participantes. Dentre eles, apenas dois brasileiros. Eu estava lá”, apontou o ex-ministro.

– Iniciei a Faculdade de Medicina em 1941, portanto, venho participando de uma evolução da área de saúde há 60 anos. Naquela época, era um setor bastante limitado – observa Adib. De acordo com ele, a partir de 1961, ocorreram importantes modificações no país, como a transição democrata, epidemiológica e tecnológica. Posteriormente, com Juscelino Kubitschek na presidência, o Brasil ingressou na Revolução Industrial, o que resultou em migrações de zonas rurais para urbanas.

Adib Jatene relatou que nas áreas em que se instalava a população vinda do campo não havia a infraestrutura necessária para saneamento, habitação, segurança e transporte. “A água era obtida por cisternas que conviviam com fossas sépticas, o que era responsável por uma mortalidade infantil significativa”, aponta o professor.

Ele indicou a necessidade das indústrias oferecerem assistência médica aos seus trabalhadores nesta época, o que marcou o início dos planos de saúde. “Existiam poucos aposentados, por isso havia uma sobra de recursos, utilizada inclusive em grandes obras, principalmente na área de saúde. Como o Rio de Janeiro era a capital federal e como os principais institutos estavam aqui, começaram a ser construídos os grandes hospitais da previdência. Foi quando se tentou buscar um atendimento a toda a população”, explica Jatene.

No período seguinte, que ele considera de 68 a 88, esta busca se intensificou. Porém, Adib acredita que ocorreram dois problemas: a unificação dos institutos de previdência, e a revolução, que tirou da estrutura do serviço público os cargos de maior destaque e melhor remunerados, antes selecionados por concursos. “Daí por diante todo o sistema passou a ser o da confiança, de livre profissão. Os novos ocupantes não eram da área médica, não conheciam os problemas e não tinham colaboração dos que ficaram proibidos de ascender a tais cargos. Isto significou que substituímos a meritocracia pela barganha política”, conclui o ex-ministro.

Nesta época houve a criação das disciplinas de medicina social e preventiva, com objetivo de fazer com que a atenção fosse dada não apenas aos doentes, mas à comunidade como um todo. “Quando começou a se criar os conjuntos habitacionais, eu era Secretário da Saúde do Estado de São Paulo. Quis montar um posto de saúde para atender a um deles, destinado a vacinar crianças, mas não foi possível. Isto me fez classificar estes conjuntos como imobiliários e não populacionais, pois não apresentavam os elementos necessários à vida saudável dos indivíduos”, constata Adib.

Jatene considera fundamental o atendimento tanto à comunidade como um todo quanto ao indivíduo. “Quando alguém numa família está doente, as pessoas ficam aflitas, angustiadas, com medo, precisam ser atendidas e receber atenção. Eu digo sempre que o oposto do medo não é a coragem, é a fé. É preciso acreditar”, aconselhou Adib, emocionando a platéia.

Em 1981, ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, com forte participação popular. O relatório proveniente do encontro serviu de base ao capítulo de saúde da Constituição. “Estávamos caminhando no sentido de estabelecer um novo modelo do sistema de Saúde”, indica o professor. Em 1988, com a Constituinte, ficou estabelecido no artigo 196 que saúde era um direito do cidadão e dever do Estado, precisava ser oferecida com integralidade ao nível municipal, com participação social. “Discutiu-se muito se o país agüentaria ou não realizar um atendimento desta dimensão. Acredito que os problemas que enfrentamos no setor de Saúde são pela falta de recursos, e não por deficiência na gestão, causa citada pela maioria das pessoas”, conclui Adib.