• Edição 148
  • 16 de outubro de 2008

Faces e Interfaces

Pode ser culpa do gene

Cília Monteiro e Heryka Cilaberry

Responsável por 40% das queixas feitas em consultórios de terapias de casal, a ejaculação precoce está entre as disfunções sexuais que mais atingem os homens. Apesar da regularidade do distúrbio, sua origem ainda é motivo de desavença entre os estudiosos.

A gênese do problema, geralmente atribuída a complicações psicológicas, foi questionada por equipe de pesquisadores da Universidade de Utrecht, na Holanda. O estudo sugere que a ejaculação precoce está relacionada à variação do recém descoberto gene 5-HTTLPR, possivelmente o responsável por alterar a quantidade e atividade da serotonina no organismo.

Para falar sobre o polêmico tema, o Olhar Vital convidou dois especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Franklin David Rumjanek

Professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

“Para entender a relação entre genética e ejaculação precoce, precisamos, antes de tudo, compreender a atuação dos genes no organismo. Pois, são essas estruturas que contêm as informações necessárias para codificar proteínas ou RNA.

Na célula há alguns genes ativos e outros inativos. É essa regulação que permite a diferenciação entre elas e a especialização funcional de cada tecido. Doenças, como o câncer, acontecem quando há defeitos (mutações) em genes importantes para o processo de regulação. Alternativamente, quando ocorrem defeitos em genes que codificam enzimas, o metabolismo fica prejudicado e, dependendo da enzima, o problema fisiológico pode ser sério, muitas vezes até fatal.

A pesquisa propõe relacionar uma variação do gene 5-HTTLPR (sigla de região polimórfica ligada ao transportador da serotonina) à disfunção. A partir de um grupo de homens que sofre de ejaculação precoce, os pesquisadores buscaram associar o problema a variações na estrutura de um gene. Infelizmente, a reportagem não apresentou muitos dados do trabalho original, o que torna complicado descrever a abordagem empregada. Mas, tratando-se de ejaculação precoce, é possível especular que outros fatores, além daqueles estritamente genéticos, possam estar envolvidos.

A disfunção é um processo complexo que tem um componente claramente associado ao sistema nervoso central e possivelmente tende a sofrer fortes influências psicológicas. Por exemplo, nas relações sexuais, a intensidade da excitação gerada por um parceiro afeta o desempenho. Quanto maior a excitação, maior a propensão à ejaculação precoce. Da mesma forma, a abstinência prolongada deve favorecer a ejaculação precoce. Há algum tempo, homens que sofrem do distúrbio têm recebido tratamento psicológico que aparentemente é eficiente.

Segundo a pesquisa, a serotonina é responsável por regular a velocidade da ejaculação. O hormônio é um neurotransmissor que, em geral, participa de processos excitatórios dos neurônios do sistema nervoso central. Ele também afeta a contração muscular, principalmente no aparelho digestório. Freqüentemente está associado a parâmetros comportamentais e motivacionais. Daí, talvez a razão dos pesquisadores se concentrarem nos genes ligados à síntese e metabolismo dessa molécula. Com seus múltiplos efeitos, não surpreende que, além dos aspectos sexuais, a serotonina já tenha sido associada ao apetite, depressão, sensação de prazer, dor etc. 

Para comprovar a validade da pesquisa seria preciso demonstrar epidemiologicamente que a correlação está sempre presente nos casos de ejaculação precoce. Posteriormente, prever a ocorrência da disfunção em indivíduos jovens, portadores de tal mutação. Finalmente, usando modelos experimentais adequados (caso estes existam), mostrar que animais transgênicos portando o defeito relatado teriam ejaculação precoce ou algo semelhante.

Se a relação gene-distúrbio fosse comprovada, o indivíduo que sofre com o problema precisaria lançar mão da terapia gênica, uma abordagem ainda muito limitada no caso de humanos, principalmente, em decorrência de questões éticas. O procedimento só foi realizado em genes de tecidos como o hematopoético, passível de retirada do organismo, manipulação e posterior reintrodução no paciente. Há também a possibilidade de uso de células tronco, mas isso ainda está longe de uma aplicação médica mais disseminada. Além de haver a chance de um homem passar a apresentar o problema ao saber da existência da variação no gene.

O fator psicológico é extremamente importante. Para se ter uma idéia, a gravidez fantasma (ou falsa) é produzida pela psique. As síndromes de pânico e fobias podem ser todas encaixadas na mesma categoria. A própria impotência pode ser lembrada como uma situação análoga. A impotência psicológica é muito mais comum que a orgânica.

Portanto, o estudo deve ser encarado com muita cautela. Não é de hoje que se busca associar certos comportamentos a aspectos genéticos. A maioria dos estudos se mostrou inconclusiva. Desse modo, os homens que sofrem de ejaculação precoce talvez se beneficiem muito mais do acompanhamento psicológico e do uso de técnicas que sabidamente parecem aliviar o problema. E todas elas se apóiam na psicologia ou na psicoterapia”.

René Murilo de Oliveira

Chefe de clínica do Serviço de Urologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

“Do ponto de vista da definição, ejaculação precoce é a que acontece logo após ou durante a penetração. É um termo que costuma ser confundido com ejaculação rápida. A relação sexual dos mamíferos, inclusive seres humanos, não deve durar indefinidamente, por horas. Normalmente é muito breve.

Existem trabalhos antropológicos que mostram que, em geral, após três ou quatro movimentos de introdução durante o coito, há ejaculação. É um ato bastante ligeiro. No entanto, é comum que pessoas com um tempo de ejaculação absolutamente normal o considerem pequeno. Isto ocorre por falta de conhecimento ou pelo fato de o indivíduo criar uma expectativa de que a relação sexual seja longa, em torno de trinta a quarenta minutos.

Há uma insatisfação com o tempo levado até que se atinja o orgasmo. Muitas vezes, os indivíduos em questão consideram curta a duração do ato sexual e como conseqüência se auto-avaliam como possuidores de uma disfunção sexual. Em todo caso, as diferentes ejaculações devem ser distinguidas.

Existem medicamentos para tratar o problema, especialmente os que diminuem o linear para a excitação. Porém, na maioria das vezes a origem da disfunção é de fundo emocional. Um possível motivo da ejaculação precoce pode ser a ansiedade.

Outra forma de tratamento é a psicoterapia. Na realidade, os medicamentos proporcionam um retardamento da ejaculação, o que corresponde a um efeito colateral do remédio. Porém, muitas vezes a pessoa quando deixa de tomar o fármaco volta a sofrer do incômodo. Acredito que o motivo do mal esteja relacionado à expectativa que o indivíduo tem do ato sexual. Eu desconheço a possibilidade da relação com fatores hereditários. Não há comprovação científica.

Considero, em muitos casos, que haja necessidade de um tratamento psicológico aos pacientes, pois em inúmeras vezes a disfunção sexual da ejaculação precoce precisa ter uma abordagem multidisciplinar. A tentativa de tratar apenas com remédios pode não funcionar.

Sendo assim, precisa existir um cuidado integral, principalmente quando se pensa que a atividade sexual está bastante ligada ao bem-estar do relacionamento e do casal. Se o indivíduo apresenta uma ejaculação precoce e aquilo pode ser um fator de atrito para ele, para sua vida conjugal, isto influenciará significativamente na vida desta pessoa.

Enfim, trata-se de algo muito importante, que não deve ser tratado apenas por um especialista. A abordagem deve ser múltipla, com ênfase na questão psicológica, que acredito ser uma das principais causas da ejaculação precoce”.