• Edição 145
  • 25 de setembro de 2008

Ciência e Vida

Novas realidades no tratamento do pânico

Sofia Moutinho - AgNPV

O tratamento do Transtorno do Pânico – enfermidade caracterizada por crises recorrentes e repentinas de forte ansiedade ou medo, acompanhadas da sensação de mal estar físico e mental – está caminhando em direção às novas tecnologias digitais. A doença, cujas causas são uma combinação de fatores biológicos, ambientais, familiares e genéticos, é usualmente tratada com remédio e terapia, mas agora estão sendo desenvolvidas novas ferramentas: softwares de realidade virtual e programas de computador que simulam determinadas situações de ansiedade para a utilização em pacientes que sofrem de pânico.

Segundo Rafael Freire, pesquisador do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), a terapia mais utilizada para o transtorno é a cognitiva-comportamental. A abordagem comportamental visa modificar comportamentos indesejados e fazer com que o paciente lide melhor com situações que considera difíceis, como sair de casa ou utilizar metrô e ônibus lotados. Já a abordagem cognitiva tem como objetivo mudar os padrões de pensamentos improdutivos e nocivos ao paciente. O terapeuta estimula o paciente a examinar seus sentimentos e separar o que é real do que é fantasioso. Busca também desfazer as ligações entre determinadas situações reais, como usar o elevador, e imaginárias, como, por exemplo, achar que irá passar mal ou morrer.

Durante a terapia convencional, são gradualmente utilizadas as técnicas de exposição imaginária e in vivo. Na primeira, realizada no consultório, o paciente é induzido a se imaginar em situações que possam despertar medo e desespero, enquanto o terapeuta lhe indica alguns meios de controlar sua ansiedade. Ao final do tratamento, o paciente é exposto a uma situação real, in vivo, onde deve relembrar o que aprendeu nas sessões terapêuticas para manter o controle. Esta exposição exige o deslocamento do terapeuta e do paciente até a origem da fobia e pode envolver situações imprevistas.

Realidade virtual

A forma de tratamento através da realidade virtual funciona como uma alternativa à exposição in vivo ou como uma ferramenta a ser utilizada em um estágio intermediário, anterior a esta exposição ambiental. “A realidade virtual é uma tecnologia nova que está sendo muito estudada. Há alguns pesquisadores que a usam para a reabilitação cognitiva e alguns transtornos psiquiátricos como fobias, medo de dirigir e voar, além do Transtorno do Pânico e a agorafobia. Ela está próxima de ser amplamente utilizada porque tem vários estudos que mostram que ela funciona bem”, relata Rafael Freire, salientando que, por estar ainda em fase de testes, em centros de pesquisas clínicas e universidades, a tecnologia não pode ser aplicada em consultórios ou em casa. 

Segundo o pesquisador, ainda não há no Brasil pesquisas sobre a realidade virtual aplicada especificamente no tratamento do Transtorno do Pânico, como há para outras patologias como traumas encefálicos e algumas fobias. Porém, a tecnologia está sendo investigada e desenvolvida em diversas instituições internacionais, como o Hospital Júlio de Matos e a Universidade Lusófona, ambos em Portugal. 

– A realidade virtual evita diversos imprevistos. Neste ambiente, a vantagem é a possibilidade de controlar todas as variáveis. À medida que o paciente vai avançando no tratamento, a gente vai fazendo uma graduação dos estímulos e exposições, diferente de uma situação real onde não temos controle do ambiente — disse Freire. Ele acrescentou que esta ferramenta tecnológica é mais indicada para pacientes que, além do Transtorno do Pânico, apresentam uma conseqüência comum dele, a agorafobia, comportamento de evitação de situações e lugares onde o escape seria difícil ou embaraçoso.

Estudos realizados pelo National Institute of Mental Health, EUA, indicam que aproximadamente um terço das pessoas com Transtorno do Pânico torna-se agorafóbicas. “Como nunca se sabe quando virá uma nova crise de pânico, a pessoa fica sempre apreensiva, passa a ficar com medo de passar mal e então desenvolve a agorafobia. A pessoa passa a ter medo de determinadas situações nas quais acha que poderia passar mal e não conseguir ajuda para escapar.”

A realidade virtual é uma esperança de tratamento mais rápido e eficaz para o Transtorno do Pânico, no entanto, requer um aparato caro composto por um computador de ponta, um capacete com monitor, um rastreador de posição que detecta os movimentos de cabeça, mudando a imagem apresentada ao usuário, e equipamentos médicos, como o aparelho responsável pelo controle de batimentos cardíacos.

Para que a simulação virtual de realidade seja bem assimilada no tratamento, o paciente deve estar imerso no ambiente que lhe é apresentado. Segundo Freire, os fatores que levam a uma maior ou menor imersão ainda não são plenamente conhecidos. “Alguns autores dizem que pessoas de nível cultural mais baixo têm mais dificuldade à imersão, mas pelo o que eu tenho visto nos pacientes do IPUB, não sei se isso é verdade” disse o pesquisador. Os fatores ligados à imersão poderiam variar desde a escolaridade e a faixa etária até a proximidade do usuário com a tecnologia.

Outras tecnologias

Como alternativas tecnológicas mais acessíveis, alguns programas de computador que simulam situações de ansiedade vêm sendo desenvolvidos para o tratamento do transtorno. Um exemplo é o Fear Fighter da empresa inglesa ST Solutions. O programa, criado após 20 anos de pesquisa e testado clinicamente no Instituto de Psiquiatria do UK Imperial College, na Inglaterra, baseia-se na terapia de exposição. Ele solicita ao paciente que indique o que sente para, a partir daí, apresentar soluções que diminuam o tempo e a freqüência das crises. O Fear Fighter pede também ao usuário que retorne toda semana, elaborando um relatório de seu progresso e questionários de rotina sobre seu desempenho. Para adquirir o programa, o paciente deve preencher um cadastro com dados pessoais e sintomas básicos para que a empresa possa se certificar se o sistema é adequado ao tratamento.

Um estudo do Imperial College comparou 54 pacientes que iniciaram tratamento com o Fear Fighter com 31 pessoas que fizeram somente terapia. O resultado do tratamento foi eficaz em ambos os grupos, porém os pacientes que utilizaram o programa obtiveram uma melhora mais rápida. Aqueles que usaram o Fear Fighter gastaram cerca 63 minutos ao longo de quatro sessões com o clínico, enquanto que os que receberam o tratamento tradicional gastaram 444 minutos em oito sessões. Apesar dos resultados positivos, os programas não substituem, segundo Freire, o acompanhamento psiquiátrico de um terapeuta.

O pesquisador do IPUB desenvolve atualmente um projeto, ainda em fase nacional, envolvendo pacientes que sofrem do transtorno e um pequeno filme de computação gráfica. Alguns já foram chamados para assistir ao filme que simula uma situação de ansiedade retratando um passeio de ônibus cheio. Durante a exibição do filme é feita uma avaliação completa do paciente. Os níveis de ansiedade antes e depois da sessão são medidos através de questionários, enquanto a freqüência cardíaca, a respiração e algumas variações da pele são monitoradas por aparelhos. Desta forma Freire pretende avançar nos estudos e conclusões sobre o uso de meios virtuais no tratamento do Transtorno do Pânico. Para isso também está prevista uma associação do laboratório do IPUB com o Departamento de Informática e Ciências da Computação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), do qual faz parte a pesquisadora Rosa Maria Costa, experiente na área de pesquisa de Realidade Virtual aplicada à reabilitação cognitiva de pessoas com danos cerebrais.