• Edição 144
  • 18 de setembro de 2008

Saúde em Foco

Dose alta de remédios naturais pode causar mutações, dizem estudos

 

Testes foram feitos com casca de cajueiro, própolis e outros produtos.
Efeito também pode ser positivo; na dúvida, cientistas recomendam cautela.

Reinaldo José Lopes

Mesmo para medicamentos “naturais”, supostamente “sem contra-indicações”, ainda vale a regra estabelecida pelos antigos gregos: a diferença entre remédio e veneno é apenas de dose. Essa é a principal conclusão de trabalhos apresentados durante o 54. Congresso Brasileiro de Genética, que termina nesta sexta (19) na capital baiana. Pesquisadores que estudam produtos da farmacopéia popular brasileira, como própolis, casca de cajueiro e alecrim-do-campo, mostraram que, em doses altas, esses remédios podem causar mutações potencialmente perigosas no DNA. Em doses pequenas, no entanto, há o efeito oposto: a proteção contra danos no material genético.

“A única coisa que a gente pode recomendar é cautela. Essa coisa de ficar tomando chá, chá e mais chá não é garantia nenhuma de saúde”, disse ao G1 a pesquisadora Denise Crispim Tavares, da Universidade de Franca (interior paulista). “Veja bem, eu sou viciado em tererê [uma das muitas formas de preparo da erva-mate]. Mas eu certamente não sairia por aí bebendo qualquer extrato de planta”, acrescenta Paulo Peitl Júnior, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São José do Rio Preto. “Ao que parece, o crucial é a dose. Se você vai mesmo fazer uso desse tipo de produto, nunca exagere”, reforça Ilce Mara de Syllos Cólus, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná.

Em sua apresentação no congresso, Cólus explicou a razão básica para ficar com o pé ligeiramente atrás em relação a supostas curas miraculosas envolvendo chás e extratos de plantas: os vegetais não foram simplesmente feitos para serem comidos ou virarem remédio. “Todas as plantas produzem os chamados metabólitos secundários, substâncias produzidas como defesa contra predadores que também podem ter efeitos negativos sobre o organismo humano”, lembra ela.

Cajueiro

A pesquisadora da UEL e seus colegas estudaram, por exemplo, a casca do cajueiro, popularmente empregada como analgésico e contra infecções. Por um lado, o extrato da casca em concentrações elevadas provocou formas aberrantes nos cromossomos (as estruturas enoveladas que abrigam o DNA em células de organismos como nós); por outro, em concentrações menores, também pode proteger o organismo dessas alterações, o que o torna um candidato interessante a futuros estudos ligados à prevenção do câncer, por exemplo.

A equipe da UEL também participou de estudos de bioprospecção (em busca de substâncias de interesse farmacêutico, no caso) junto com o Projeto Biota, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ao investigar 24 espécies de plantas e centenas de extratos, os cientistas mostraram que plantas conhecidas popularmente como puçá-preto ou jaboticaba-do-cerrado podem, em alguns casos, provocar um efeito altamente mutagênico (gerador de mutações) no DNA. Já a quaresmeira-branca, também empregada pela medicina popular, tem exatamente o efeito oposto, ao menos em certas concetrações.

Própolis

Já Tavares, da Universidade de Franca, concentrou seus esforços no estudo da chamada própolis verde, produzida em Minas Gerais e exportada até para o Japão como uma espécie de medicamento polivalente, supostamente eficaz até contra o câncer. “O problema é a falta de padronização da própolis, porque as características dela dependem muito das condições climáticas e da flora da região onde vivem as abelhas que a produzem. Até por isso a própolis é registrada no Ministério da Agricultura, e não na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, lembra a pesquisadora.

Ao analisar o efeito de extratos de própolis sobre mutações em óvulos de hamster chinês, Tavares mostrou que ela é um “composto Janus”, em homenagem ao deus da mitologia romana que tinha duas faces: tanto pode ser mutagênico, em certas concentrações, quando ter um efeito protetor, em geral também nas doses mais reduzidas. Interessada em isolar o principal responsável por esses efeitos, Tavares foi até a fonte mais utilizada pelas abelhas para fazer a própolis verde: o alecrim-do-campo, arbusto comum no interior mineiro e também empregado como fitoterápico no Brasil.

Conforme o esperado, o perfil químico da planta é muito parecido com o da própolis verde; em altas concentrações, seu extrato é genotóxico (afetando negativamente o material genético), enquanto as doses baixas parecem ser protetoras. Agora, os pesquisadores estão isolando o artepelin C, aparentemente a molécula “líder” nesses efeitos do alecrim-do-campo.

Esse é um ponto em que todos os pesquisadores concordam: em última instância, o ideal é isolar e estudar detalhadamente esses princípios ativos. “Tem milhares de moléculas num extrato ou num chá, e muitas terão efeitos negativos”, diz Tavares. No entanto, segundo Cólus, “a gente tem de continuar estudando os efeitos dos extratos, porque é isso o que o povo usa”. “O Brasil é a maior farmácia a céu aberto do mundo, e pouquíssima coisa foi estudada até agora. O que a gente tem de fazer é entender melhor esse potencial”, afirma Peitl Júnior.

 

G1 , 10 de setembro, Editoria Ciência e Saúde

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