• Edição 142
  • 05 de setembro de 2008

Notícias da Semana

Expansão do CCS será inaugurada em 2009

Márcio Castilho e Geralda Alves

A proposta de expansão do Bloco J do Centro de Ciências da Saúde (CCS) foi aprovada em sessão extraordinária da unidade nessa quarta (4). A primeira etapa, que deverá ser concluída até agosto de 2009, contará com auditório, 13 salas de aula com capacidade para cerca de mil lugares, além de um Laboratório de Habilidades Multidisciplinares. Os recursos para a obra, da ordem de R$ 915 mil, estão previstos no Plano de Reestruturação e Expansão da UFRJ. O projeto foi elaborado pela professora Patrícia Figueira Lassance, da Escola de Belas Artes (EBA), e deverá ser entregue à Pró-reitoria de Finanças (PR-3) até o próximo dia 8 para ser licitado.

O assunto voltou para a pauta em sessão extraordinária depois de alguns questionamentos feitos durante a reunião do centro, ocorrida na última segunda-feira, dia 1. Na ocasião, alguns professores ressaltaram a importância do laboratório, porém pediram mais tempo para analisar a necessidade de aproveitar o espaço com novas salas de aula, tendo em vista a precariedade das dependências situadas no subsolo do CCS. Segundo os professores, elas são insalubres e não oferecem condições de segurança a alunos e profissionais de ensino.

A proposta da instalação do Laboratório de Habilidades, defendida pelo decano do CCS, professor Almir Fraga Valladares, surgiu durante o Fórum Regional de Educação Médica, realizado esse ano no Fórum de Ciência e Cultura (FCC). “A iniciativa de incluir o laboratório nesse espaço foi minha por considerar um projeto excelente que vai contribuir para a formação de nossos alunos. O laboratório prevê 100 pessoas em treinamento”, afirmou o decano.

Valladares acrescentou que, mesmo com a construção de mais cinco salas de aula, ocupando o espaço do laboratório, não haveria como desativar todo o subsolo por enquanto. Como medida provisória, a Decania está fazendo obras de melhoria em algumas salas no subsolo.

Salas “flex”

Na expansão do bloco J, o Laboratório de Habilidades, no qual os alunos poderão fazer simulações de procedimentos como trauma, anestesia e parto, terão salas multifuncionais, podendo ser utilizadas por todos os cursos do CCS. O espaço ficará situado no segundo pavimento, onde também está prevista a construção de um auditório para 150 pessoas. Foi aprovada a inclusão no projeto de quatro salas “flex” com 60 lugares, que podem ser revertidas para duas salas de 120 lugares. O novo bloco seguirá normas avançadas de segurança, cumprindo também todos os requisitos de acessibilidade e sustentabilidade.

A primeira etapa visa contemplar a demanda emergencial de vagas nos próximos dois anos, além de abrigar espaços para o curso de terapia ocupacional. Segundo o decano, trata-se de uma ação intermediária que deixará o Bloco J preparado para um projeto maior e mais bem estruturado.

Laboratório de Habilidades

O Laboratório de Habilidades funciona como uma unidade de apoio pedagógico, permitindo simular diversos procedimentos na área de saúde através da utilização de manequins representando pacientes. Para Lucia Pezzi, professora-assistente do Departamento de Anatomia e médica cirurgiã-geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, a importância do novo espaço está no seu caráter multidisciplinar.

- Esse conceito assume uma importância cada vez maior na área da saúde. Com o laboratório, todas as disciplinas poderão trabalhar juntas. Isso vai facilitar muito o futuro profissional, que desde a graduação será treinado dentro de um ambiente multidisciplinar -, explica Lucia.

Professores de diferentes áreas do CCS poderão levar, de acordo com o projeto pedagógico do curso, o ensinamento teórico da sala de aula para o laboratório. A tecnologia poderá ser aplicada nos cursos de Medicina, Fisioterapia, Enfermagem, Fonoaudiologia, Nutrição, Educação Física, Farmácia e Odontologia, dentre outros.

Na Medicina, segundo a professora, a utilização dos manequins, substituindo os pacientes, contribui para os mais diferentes aprendizados. “Com o laboratório, os alunos poderão simular uma intubação endotraqueal, pulsão venosa profunda e exames ginecológicos e de próstata”, explica Lucia. Simuladores também permitem escuta cardíaca e ajudam a entender o movimento respiratório.

- Isso evita com que se faça o treinamento no próprio paciente, respeitando a bioética -, afirma a professora. O setor de Anestesiologia do Hospital Universitário já utiliza manequins para simular procedimentos, como a intubação. A expansão do Bloco J do CCS reserva dez salas, com capacidade total para 100 lugares, no Laboratório de Habilidades Multidisciplinares, mas a compra dos equipamentos ainda depende da busca de parcerias.


Josué de Castro, cidadão do mundo

Sofia Moutinho  e Monike Mar – AgN/PV

O Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC) da UFRJ promoveu, nessa terça-feira (2/9), um evento em celebração ao "Centenário de nascimento de Josué de Castro, Cidadão do Mundo". Durante a manhã teve lugar um culto ecumênico, conduzido por Dom Mauro Morelli, na Capela de São Pedro de Alcântara, seguido de uma Sessão Solene da Congregação do INJC, em sua homenagem, no Salão Dourado do Fórum de Ciência e Cultura (FCC).

Josué de Castro foi um médico, nutricionista, professor, antropólogo, geógrafo, sociólogo, escritor e político brasileiro que se lançou como pioneiro no movimento nacional contra a fome. Durante sua vida, publicou diversos livros e pesquisas que lhe conferiram destaque mundial. Geografia da Fome, seu mais conhecido livro, já traduzido em 25 idiomas, denuncia a fome como efeito dos processos de colonização ao redor do mundo.

– José de Castro tocou na questão essencial: a fome, a desnutrição e os efeitos que a fome gera na sociedade.  Mas viu que a fome não é só uma fatalidade de algum determinismo: é uma estrutura social, é resultado da desigualdade que marca este país – disse o reitor da UFRJ professor Aloísio Teixeira.

Nascido em Recife e tendo iniciado seus estudos na Faculdade de Medicina da Bahia, Josué de Castro concluiu o curso, aos 21 anos, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que viria mais tarde a se transformar na UFRJ. Na universidade manteve seu caminho de pesquisador e, em 13 de maio de 1946, fundou o Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (INUB) que resultou da incorporação do Instituto de Tecnologia Alimentar (ITA) à então Universidade do Brasil.

– Nosso homenageado foi o primeiro a denunciar o flagelo da fome e a defender que ele era resultado de um modelo econômico perverso do capital internacional. Pregava que a fome era resultado da ação do ser humano contra seu semelhante – lembrou Elizabeth Accioly, diretora do Instituto de Nutrição da UFRJ que em 1996, ao completar 50 anos, passou a levar o nome de Josué de Castro, seu fundador.

O homenageado foi três vezes indicado ao prêmio Nobel da paz e em 1952 tornou-se presidente do Conselho da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO).  Em 1967 passou a integrar o grupo Cidadãos do Mundo _ treze personalidades de reputação internacional reunidas para discutir a formação de instituições mundiais que exprimissem as reivindicações de todos os povos. Entre os membros do grupo estavam Lord Boyd Orr, Alfred Kastler, Linus Pauling, Rajan Nehru e Bertrand Russell.

Devido a suas idéias revolucionárias, teve seus direitos políticos cassados em 1964, quando era embaixador do Brasil junto aos Órgãos das Nações Unidas, em Genebra, e foi obrigado pelo regime militar vigente a deixar o Brasil e mudar-se para a França, onde morreu no dia 24 de setembro de 1973, aos 65 anos de idade.

Durante a congregação a professora Ana Maria de Castro, filha de Josué, recordou outra professora da UFRJ recentemente falecida, Suelly de Souza Almeida, ex-diretora da Escola de Serviço Social e ex-decana do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, que havia proferido um discurso sobre Josué de Castro em 2003, durante a cerimônia na qual foi concedido a ele o título de Doutor honoris causa in memoriam.

– Josué de Castro sabia reunir teoria e política. Morreu no exílio e voltou ao país, a que dedicou toda a sua vida, sem vida. Deixou-nos um legado que se faz atual em programas do governo como o Fome Zero. Lutou para que se desenvolvessem grandes programas contra a fome que não se baseassem no assistencialismo – disse Ana Maria de Castro, citando o discurso da professora Suelly de Souza Almeida.

Legado da obra de Josué de Castro

 “Tem que saber para onde corre o rio, tem que saber seguir o leito, tem que estar informado, tem que saber quem é Josué de Castro, rapaz!". É assim que o cantor e compositor Chico Science demonstra a necessidade do resgate da memória do brasileiro que fez uma leitura crítica da realidade em que vivia a serviço da redução da desigualdade e do combate à fome. Na mesma linha, o cineasta Silvio Tendler que participou da primeira mesa, atentou para o ensino sobre Josué de Castro em escolas e universidades, afirmando: “já está na hora de os brasileiros conhecerem mais os brasileiros”. O motivo é notório: autor do livro “Geopolítica da Fome”, Josué de Castro analisou o problema da fome no mundo sob uma perspectiva diferenciada, sobre a qual afirmava que “a fome é a expressão biológica dos males sociológicos”. Pensar dessa forma significava se aprofundar na avaliação do problema, que antes considerava como causa da fome a incapacidade de produção de alimentos. Mas não se pode reduzir as causas a isso, pondera Francisco Menezes, pesquisador do IBASE.

– O Brasil é testemunha disso, pois é um país com grande capacidade de produção de alimentos. Mas tem dentro de sua história essa chaga da fome. O poder de compra das pessoas é uma das causas. Josué também denunciou o imperialismo e o esquema dentro do comércio internacional. Quando ele faz essa denúncia, ele introduz a questão do direito humano à alimentação. Não tem meio termo: ou tem-se um olhar sobre a alimentação como mera mercadoria da qual se extraem lucros avantajados ou então se pensa sob a perspectiva de que todo ser humano tem direito à alimentação como algo inegável – explica Menezes.

Com esse manifesto lado humano, os pensamentos de Josué de Castro tendem a ser comparados tanto às teorias marxistas, como ao catolicismo, de acordo com Rosana Magalhães, pesquisadora da Fiocruz, que prefere não fazer comparação alguma:

– É melhor não associá-lo a doutrinas. Ele dialoga com vários campos de saber. Isso é emblemático em sua obra. Ele foi médico, geógrafo, sociólogo. Essa formação muito ampla influencia suas reflexões, sem abdicar de trazer vivências empíricas sobre o problema analisado. Estuda fome na perspectiva da especulação filosófica, mas sob uma perspectiva distanciada e ao mesmo tempo engajada para fazer uma síntese, uma compreensão da realidade.

Os estudos de Josué de Castro tinham a característica marcante de não fazerem a separação entre natureza e cultura, meio ambiente e meio social. Por isso, o livro “Geopolítica da Fome”, de 1946, é ainda hoje um referencial internacional quando o assunto é segurança alimentar. Seu caráter universal também é verificado pelo envolvimento com personalidades que participaram do documentário “Josué de Castro, Cidadão do Mundo”, conforme Silvio Tendler expôs:

– Com o filme, tive a chance de entrevistar personagens fantásticos, todos apaixonados por Josué de Castro: Jorge Amado, Betinho, Dom Hélder Câmara, Julião, Raquel de Queiroz, Barbosa Lima Sobrinho. Todos demonstravam uma paixão enorme por Josué de Castro. Percebam com isso a história de toda uma geração num só filme que gira em torno de um só personagem.

Além disso, Silvio Tendler contou brevemente a história do acordo entre Josué de Castro e o cineasta italiano Roberto Rosselini para a realização de um filme. O sociólogo acreditava que o sucesso do cineasta o capacitaria para angariar os custos do projeto cinematográfico. No entanto, Rosselini também confiava os futuros gastos ao prestígio político de Josué de Castro no Brasil. Nesse jogo de impasses, infelizmente o filme não saiu. Grande perda, segundo Tendler.

Francisco Menezes ressaltou a importância da herança deste ator social para aqueles que pretendem promover as necessárias mudanças sociais: “outra contribuição que temos de Josué de Castro é saber articular os diferentes campos das políticas públicas a serviço da redução da desigualdade e do combate à fome. É outro desafio e um aspecto principal que precisamos levar à frente. Ele nos ensina muito sobre o que está acontecendo agora. Estamos numa crise do sistema alimentar mundial. Essa crise não é passageira, ela é estrutural. Temos que de imediato dar conta de seu enfrentamento. Nós, no Brasil, tivemos ganhos importantes em relação ao acesso à alimentação nos últimos anos. Precisamos estar atentos para que esses ganhos não sejam perdidos rapidamente na elevação do preço dos alimentos. Portanto, precisamos de medidas que assegurem o poder de compra, que elevem a capacidade de produzir e abastecer a população no plano local”.