• Edição 141
  • 28 de agosto de 2008

Ciência e Vida

Tratamento da tuberculose pode durar apenas dois meses

Cília Monteiro

A tuberculose é um grande problema de saúde pública que chega a causar dois milhões de óbitos no mundo, anualmente. Só no Brasil, são 90 mil casos por ano, o que corresponde ao dobro da lotação do Maracanã. O tratamento habitual da doença dura de seis a nove meses, tempo bastante longo, motivo pelo qual há uma baixa adesão dos pacientes. Na tentativa de reduzir esse tempo, Marcus Barreto Conde, coordenador do Laboratório de Pesquisa Clínica em Tuberculose do Instituto de Doenças do Tórax do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), estuda a possibilidade de realização do tratamento com uma combinação de medicamentos diferente da utilizada atualmente. O objetivo de sua pesquisa é que os seis meses sejam encurtados para dois.

De acordo com o especialista, a tuberculose mata mais do que a Aids, perdendo apenas para diarréia infecciosa infantil. “Nosso país é um dos 22 que concentra 80% dos casos do mundo. É o país que tem mais casos na América Latina inteira. O Rio de Janeiro é o estado que apresenta maior número de casos na federação, juntamente com São Paulo. A nossa cidade é uma das que tem mais casos no estado. Estamos no meio do caldeirão dos casos da tuberculose”, constata Marcus. Para o pesquisador, tais índices indicam uma má qualidade de vida e sistema de saúde pública deficiente.

Segundo Marcus, o tratamento habitual requer a ingestão de aproximadamente oito comprimidos por dia. Se todos tomassem os remédios corretamente, 95% dos doentes ficariam curados. Porém, no máximo 70% dos pacientes conseguem tomar as pílulas diariamente por seis meses. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu, há dez anos, uma estratégia que incluía a supervisão do tratamento, o que poderia render um sucesso muito grande. No entanto, se torna inviável monitorar 100 mil pessoas tomando seus medicamentos”, observa o especialista.

– Grupos de pesquisadores ao redor do mundo procuram desenvolver um tratamento da tuberculose que dure menos tempo. A idéia é que, ao invés de todos os dias, possa ser administrado duas ou três vezes por semana. Isso permitiria que muito mais pessoas obtivessem sucesso na recuperação. Meu grupo é um desses – relata Marcus Conde. O pesquisador revela que estudos realizados em cobaias mostraram que alguns medicamentos que já existem são muito úteis.

Estudo dos tratamentos

O grupo de pesquisadores da UFRJ, com a colaboração da Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e o financiamento de instituições públicas, desenvolveu alguns estudos. O primeiro a ser concluído foi o que comparava o tratamento habitual da tuberculose ao novo, que consiste na substituição de um dos medicamentos. De acordo com Marcus, ao invés de etambutol, utiliza-se a moxifloxacina.

Após a aprovação dos fóruns éticos do Brasil e dos Estados Unidos, o que levou cerca de dois anos, e ainda um treinamento específico, os pacientes com suspeita de tuberculose que chegavam ao HUCFF eram sorteados entre dois tratamentos: o habitual ou o novo, cujos resultados preliminares obtidos em laboratórios sugeriam que seria mais eficaz do que o outro. Foi feita a avaliação dos pacientes pela cultura do escarro, nas primeiras oito semanas, o que corresponde a um modelo clássico para se observar a resposta ao medicamento utilizado. “Verificamos que 68% dos pacientes submetidos à forma habitual, na oitava semana, já apresentavam a cultura negativa. E no grupo do novo esquema, que é o habitual com um dos medicamentos substituídos pela moxifloxacina, mais de 80% já estava com a cultura negativa. O estudo indicou que esse novo medicamento pode tornar negativa a cultura do maior número de pacientes mais rapidamente”, aponta Marcus.

Resultados e próximos passos

Segundo o especialista, é um estudo clínico muito demorado, pois necessita de inúmeros cuidados com a segurança dos pacientes. Foram dois anos para a aprovação, e cerca de mais dois anos para a condução do estudo. “Agora temos o resultado, que acabei de mandar esta semana para ser publicado numa revista. A partir desses resultados, começaremos, em conjunto com outros resultados de laboratório, a esquematizar um novo estudo, um novo tratamento, tentando sair dessa fase que chamamos de Fase II”, explica o pesquisador.

Para o novo estudo serão avaliados, ao invés de apenas uma nova droga, dois novos medicamentos juntos. Isto porque foram obtidas mais de 80% de culturas negativas ao final de oito semanas, mas a meta a se atingir é de 100%. “Por enquanto o estudo indica um caminho, mas ainda não podemos trilhá-lo na prática. Quando conseguirmos os 100%, seremos aptos a oferecer à sociedade um novo tratamento para a tuberculose, que ao invés de durar seis meses, durará dois”, conclui Marcus Barreto Conde.