• Edição 140
  • 21 de agosto de 2008

Faces e Interfaces

Contraceptivo pode interferir na escolha do par ideal?

Cília Monteiro e Luana Freitas

Desde sua invenção, na década de 1960, a pílula anticoncepcional vem sendo utilizada como um dos principais métodos para se evitar a gravidez. Recentemente, um estudo britânico publicado na revista “Proceedings of the Royal Society B” revelou que o contraceptivo pode atrapalhar a mulher a encontrar seu parceiro “ideal”, isto é, com genes distintos do seu.

De acordo com o realizador da pesquisa, Craig Roberts, os hormônios que compõem a pílula seriam capazes de interferir na habilidade instintiva do ser humano de encontrar, através do odor corporal, indivíduos geneticamente diferentes de si. Roberts revelou que mulheres que tomaram o contraceptivo passaram a se sentir atraídas pelo cheiro de homens com composição genética semelhante à delas.

Para falar do assunto, o Olhar Vital convidou Mariane Tauile, ginecologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e Mariano Zalis, chefe do Laboratório de Biologia Molecular também do HUCFF.

Mariane Tauile

Médica residente de Ginecologia, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

A ovulação não está condicionada apenas à existência ou não de hormônios no organismo feminino, uma vez que estes devem ser liberados de forma correta para que a liberação do óvulo aconteça. Na verdade, existem picos de hormônios e, quando esses picos acontecem no período certo, a mulher ovula. Portanto, o papel das pílulas anticoncepcionais é exatamente esse: dar hormônios às mulheres, manter sua taxa hormonal constante. Não existindo picos, também não há ovulação.

Existem diversos tipos e diferentes composições de pílulas anticoncepcionais. Geralmente são de estrogênio e progesterona. No caso do estrogênio, o mais freqüente é o etinilestradiol. Já a progesterona varia mais.

Cabe destacar que esse método contraceptivo pode causar diversos efeitos colaterais no organismo humano, porém não há forma de prever quais serão esses efeitos. Cada paciente reage de um modo distinto a um tipo de pílula. Não é à toa que, quando se indica anticoncepcional a uma mulher, essa indicação é completamente aleatória, o acerto e o erro são a prática até se achar uma pílula que melhor se adapte à paciente.

Além disso, existe o mito de que o anticoncepcional engorda. Esse mito é de origem antiga, da época em que as pílulas tinham alta dosagem. Não que engordassem a mulher, mas pela retenção de líquidos no corpo. Assim, por exemplo, as mamas ficavam túrgidas e os pés inchados. Atualmente, no entanto, as pílulas possuem baixa dosagem.

A pílula pode trazer também alguns benefícios para o sexo feminino, dependendo, principalmente, da progesterona, a maior variante entre os componentes. Algumas pessoas podem se beneficiar, de um modo geral, com um certo tipo de progesterona, indivíduos com acne ou com muitos pêlos no rosto. Na maioria das vezes, contudo, não é possível prever como a paciente responderá ao anticoncepcional.

Ainda se usa o anticoncepcional no tratamento de doenças, como a endometriose. Mulheres com esta doença sentem muitas dores durante o período menstrual. Como a pílula reduz o fluxo menstrual, nesses casos, geralmente, a ingestão do contraceptivo deve ser contínua para que a paciente não menstrue e não sinta dor.

Pela margem de segurança e segundo testes realizados em laboratórios, o anticoncepcional apresenta 98% de eficácia, aproximadamente. Porém, na prática, as pessoas tomam a pílula de forma inadequada, o que reduz sua eficiência. O fundamental para que funcione é tomá-la todos os dias no mesmo horário. É, portanto, um método que requer disciplina.

Dessa forma, acredito que qualquer medicação que interfira nos hormônios pode ter uma influência muito grande sobre o organismo, uma vez que são eles o princípio regulador do corpo humano. A interferência hormonal pode afetar a mulher de forma significativa.

Mariano Zalis

Chefe do Laboratório de Biologia Molecular do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

É muito importante, quando se pensa em filhos, fazer a concepção entre duas pessoas geneticamente diferentes. Aquela história de que irmãos e primos não devem se casar existe porque um casal geneticamente parecido pode ter uma incompatibilidade na junção de cromossomos. Isto gera defeitos dentro de todo o genoma, pode trazer até mesmo problemas genéticos ao bebê. Como exemplos, retardo mental e problemas congênitos. A própria natureza faz com que cromossomos muito parecidos geneticamente tenham problemas, pois o ser que se forma a partir dessa situação é geneticamente pobre.

Tais características se revelam em populações muito fechadas, como pequenos vilarejos afastados, pessoas que se casam na mesma religião, ocorrendo criação de nichos genéticos. Existem mutações dentro do genoma, relacionadas às doenças, que podem levar a câncer de mama e câncer de colo, além de outras doenças, todas hereditárias, que correm o risco de ficar muito restritas a uma população. Com isso, a tendência é que essa população acabe, pois sempre terá pessoas doentes. Por esta razão, é muito comum que populações como as judaicas, que viviam em guetos na Europa, tenham muitas doenças caracterizadas como doenças de judeus. Também existem doenças de árabes ou de populações em certas ilhas que não tiveram essa diversidade. Assim, é necessária uma diluição dos genes dentro de uma população maior.

É extremamente importante que a população mundial se misture, pois essa mistura aumenta a diversidade genética. Isto torna os genes mais fortes e resistentes. Porém, o ser humano às vezes contraria a natureza, tendendo a fechar grupos e realizar casamentos até mesmo entre parentes. A característica física é um caractere a partir da base genética. O ser humano, de certa maneira, muitas vezes não apresenta problemas em ter parceiros completamente diferentes. No entanto, algumas vezes, prefere se juntar a alguém do seu grupo racial, infelizmente. Isso não cria uma diversidade genética, cria algo contrário ao que a genética gosta.

Quanto ao estudo, pode ser que o geneticamente diferente tenha a ver com uma tendência natural de pessoas geneticamente próximas se afastarem, para que possa haver a diversidade. Acredito que o odor, quando exalado, tem um receptor. Provavelmente, quando há uma similaridade genética, esse receptor não é tão afim. A pesquisa propõe que genes do complexo maior de histocompatibilidade, ou MHC, influenciam nos odores individuais, e que as fêmeas preferem o odor não similar de MHC quando se trata do sexo oposto. No geral, o reconhecimento não precisa ser em relação à atração sexual, mas, por exemplo, a mãe e o bebê possuem identificação de odor, a mãe é capaz de identificar o seu bebê.

A utilização do anticoncepcional pode gerar um efeito contrário. Isso pode ser explicado porque a mulher fica infértil com o uso. A tendência, durante a fertilidade, é haver toda uma conexão pelo cheiro. Por isso, fora do período de fertilidade, não há o reconhecimento de odores ligados ao MHC. No entanto, acredito que existam muitos outros fatores envolvidos, como o fato de gostar mesmo da pessoa, de suas particularidades.