• Edição 140
  • 21 de agosto de 2008

Ciência e Vida

Superbactéria resistente a antibióticos é encontrada no Brasil

Causam infecções em pessoas que não tiveram contato com hospitais

Cília Monteiro

– De repente a pessoa aparece com febre, dores articulares, acaba indo ao hospital e sendo internada. Rapidamente uma pneumonia é diagnosticada, o paciente desenvolve osteomielites, ou seja, apresenta uma infecção disseminada por uma bactéria que os médicos, no momento, não sabem como tratar, pois até então os Staphylococcus aureus (CA-MRSA) na comunidade não eram resistentes a determinados antibióticos, como as penicilinas semi-sintéticas e as cefalosporinas –, assim explica os sintomas de quem está acometido da bactéria CA-MRSA a pesquisadora Agnes Figueiredo, diretora do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG) da UFRJ.

Será que uma bactéria poderia ser tão forte a ponto de resistir a antibióticos? A possibilidade não só existe, como casos já foram identificados no Brasil. Trata-se de uma nova forma de MRSA, um tipo de Staphylococcus aureus imune às drogas mais usadas em seus tratamentos.

– Em meu laboratório trabalhamos basicamente com Staphylococcus aureus resistentes à meticilina, corresponde a um grupo de bactérias predominante nas infecções hospitalares. Porém, recentemente, esses microorganismos transpassaram os muros dos hospitais e estão causando infecções na comunidade, em indivíduos saudáveis, sem contato prévio com hospitais – constata Agnes.

Segundo a pesquisadora, a bactéria foi identificada desde a década 1990, inicialmente na Austrália, posteriormente disseminada para vários países, fato que deixou a comunidade médico-científica bastante preocupada. “Ela é chamada de CA-MRSA, referindo-se a Staphylococcus aureus resistentes à meticilina, associados à comunidade. O Staphylococcus aureus sempre existiu, mas o CA-MRSA resistente é uma evolução dessa bactéria em resposta ao uso abusivo de antimicrobianos. Hoje o CA-MRSA é a grande novidade”, explica Agnes Figueiredo.

De acordo com a professora, a bactéria assusta em primeiro lugar porque é nova. Pode acometer crianças e adultos sadios, indivíduos saudáveis, sem diabetes ou problemas cardíacos, nem imunologicamente comprometidos. Além disso, a evolução das doenças causadas pela bactéria é bastante acelerada. A bactéria pode gerar pneumonias muitas vezes fulminantes. Também pode causar fascite necrosante, uma necrose de tecido cutâneo que pode ser fatal se não for tratada cirurgicamente e com antimicrobianos adequados. Ainda dentre as possíveis doenças, há a endocardite, quando a bactéria atinge o tecido cardíaco, e a osteomielite disseminada. Também existem casos de comprometimento de vasos que resultaram em gangrena.

Contaminação

Segundo Agnes, qualquer indivíduo normalmente possui Staphylococcus aureus na pele. No entanto, não é normal que apresente uma estirpe resistente à meticilina. Acredita-se que a contaminação e a disseminação dessa bactéria resistente ocorrem pelo contato, portanto a contaminação é maior em situações de aglomerações. Nos Estados Unidos o fato foi observado em presídios e creches.

Este estudo também constatou surto entre atletas, pois o esporte proporciona contato físico e fatalmente ocasiona lesões nos praticantes. Ainda considerou-se a hipótese da transmissão pelo sexo anal, uma vez que nos EUA também houve grande incidência entre homossexuais. “Creio que com relação à transmisão via sexo anal não existe nenhuma comprovação, é uma hipótese. Eu acredito que o principal é o contato, a proximidade. E o Staphylococcus aureus coloniza mucosas, sendo a anal uma delas, então isso é possível”, avalia a pesquisadora.

– Felizmente, na maioria das vezes, o quadro da doença é mais brando, há lesões na pele tipo furunculose ou celulite, mas eventualmente, pode haver disseminação na corrente sanguínea a partir da lesão – observa Agnes. 

Para a professora, os médicos se sentem inseguros ao tratar tais infecções, pois não há no Brasil um levantamento preciso sobre a incidência da bactéria. Sem os dados epidemiológicos, o tratamento empírico, que consiste na aplicação de antibióticos possivelmente adequados para tratar a infecção, não pode ser realizado com maior chance de acerto. “Eu acredito que, no Brasil, nossas taxas não devem ser tão baixas assim. No Rio Grande do Sul, por exemplo, onde detectamos as primeiras amostras, 8 casos surgiram sem que procurássemos. Então, se houver uma busca, acho que esse número vai aumentar. É fundamental fazermos um estudo envolvendo vários estados brasileiros, para podermos ter uma idéia mais realista do que está acontecendo no país”, propõe Agnes Figueiredo.

O agravante

A professora considera que a grande preocupação no momento é o fato das amostras da bactéria encontradas na comunidade, mais sensíveis aos medicamentos do que as estirpes hospitalares, estarem também invadindo os hospitais. “É possível que essas amostras venham a adquirir novos genes de resistência como conseqüência do uso intensivo de antimicrobianos nos hospitais e, depois disso, retornem ainda mais fortalecidas, resistentes, à comunidade. E isto  já está acontecendo, existem casos no Brasil e nos EUA”, afirma Agnes.

A especialista considera esta situação extremamente crítica, agravada pelos poucos recursos aplicados pelas indústrias farmacêuticas na descoberta de novas drogas antimicrobianas. “A cada novo antibiótico lançado no comércio, a bactéria desenvolve um novo mecanismo. É preocupante, pois no passado o Staphylococcus aureus já matou um grande número de indivíduos, quando a penicilina ainda não havia sido descoberta”, alerta Agnes.

A pesquisa

No laboratório, são utilizadas técnicas com metodologia que envolve DNA. “É extraído o DNA total da bactéria, cortado com enzimas de restrição. Posteriormente, é feita uma corrida de eletroforese para realizar a separação das bandas. Com isso, se pode analisar o padrão de corrida e os tamanhos dessas bandas, possibilitando uma comparação. Também utilizamos técnicas de seqüenciamento de DNA para observarmos pequenas mutações entre essas bactérias e compararmos os diferentes alelos. Através da análise do genoma, conseguimos distinguir uma cepa da outra”, explica a professora.

De acordo com Agnes, as técnicas são sofisticadas, porém importantes, pois revelam o tipo de clone bacteriano que está emergindo no país. Conhecendo o clone, pode-se freqüentemente saber qual é o comportamento da bactéria em relação aos antimicrobianos.

As providências

– Com nosso atual estudo, queremos entender por que alguns clones predominam em relação a outros, se eles apresentam uma característica de virulência diferenciada, que proporcionam um poder de disseminação maior. Procuramos analisar a capacidade da bactéria de invadir células epiteliais, de colonizar o tecido hospedeiro. Analisamos também a produção de biofilme, uma vez que muitos dos Staphylococcus aureus, principalmente os hospitalares, têm a capacidade de aderir a cateteres, próteses ortopédicas, válvulas cardíacas, o que pode resultar em infecção disseminada – finaliza Agnes Figueiredo.