• Edição 140
  • 21 de agosto de 2008

Por uma boa causa

Corte com sangramento, o que fazer?

Heryka Cilaberry

Sherlock Homes, Jane Marple, Hercule Poiroit. Não, o tema do Por uma boa causa não está nos clássicos personagens de mistério da literatura mundial, mas na curiosidade e inventividade que as crianças compartilham com os detetives da ficção: algumas vezes as características responsáveis pelos acidentes domésticos.  Então, para dar continuidade a série de reportagens “Medicina infantil: quando levar ao ponto-socorro?” nesta semana o Olhar Vital fala dos recorrentes cortes com sangramento, que levam famílias à loucura.

Basta rolarem as primeiras gotas de sangue do rebento para que os pais recorram a vizinhos, parentes e amigos em busca de remédios milagrosos, que curem a aflição das crianças e muitas vezes suas próprias. Extremamente preocupados, não vêem a dimensão do problema, tomando atitudes desesperadas e até desnecessárias.

Segundo a pediatra do serviço de emergência do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), Kátia Oliveira Machado, manter a calma é a primeira medida após o desagradável incidente.

– Em primeiro lugar, os acidentes têm que ser tratados sem desespero, sem pânico. Tranqüilizar a criança, tranqüilizar a si mesmo, ter atitudes firmes e seguras são fatores muito importantes para que a situação possa ser avaliada, para que possam ser identificados os possíveis riscos para a vida da criança. Afinal, elas crescem e se desenvolvem, querem e precisam descobrir o mundo, brincar, correr, pular, porém a imaturidade e inexperiência em explorar o ambiente aumentam as chances de quedas e ferimentos – alerta a pediatra.

Mais tranqüilos, os pais certamente conseguirão melhores resultados sobre seus filhos, afinal ainda que novinhas, as crianças conseguem perceber quando existe algo de errado. Com a situação sob controle, uma dúvida sempre aparece: será que é necessário levar ao pronto-socorro ou o corte pode ser tratado em casa?

– Se a criança apresenta um corte raso e bem pequeno ou se forem apenas escoriações, sem necessidade de suturar (dar pontos), as preocupações são bem menores e os cuidados são feitos em casa. Algumas vezes mesmo um corte menor, provoca um sangramento intenso. Ferimento no couro cabeludo é um tipo de acidente que costuma assustar a todos. Nesse caso aconselha-se procurar um médico para esclarecimentos – explica a médica.

O atendimento deve ser solicitado sempre que houver casos de emergência ou urgência, isto é, quando há o comprometimento geral da saúde da criança e sua vida corre perigo. Especificamente: quando não respira bem, apresenta comprometimento cardiocirculatório grave ou neurológico. Em geral, se o acidente ocorreu em ambiente doméstico e a criança não foi exposta a um perigo maior como altura ou acidente de trânsito, acredita-se não oferecer riscos, mas apenas um médico pode confirmar a gravidade.

– Em geral, se ela se machuca e chora, reagindo, sentando ou mexendo os braços e as pernas, conversando poderá receber assistência médica sem urgência. É importante sim, levá-la ao hospital caso haja um sangramento arterial, jorro de sangue da ferida ou quando o paciente parece arroxeado, respira de maneira anormal, tem a consciência alterada, sonolência, desorientação ou mesmo pulsação comprometida.

Passados os primeiros momentos de apreensão, o passo seguinte deve ser a limpeza adequada do ferimento. Para isso, é importante esquecer os conselhos passados de geração em geração e evitar produtos como: limão, álcool, pó de café e açúcar. “A ferida deve ser lavada com água e sabão (ou sabonete) para retirada de impurezas evitando assim a infecção. Produtos que sujam a ferida dificultam a avaliação e o tratamento da lesão”, aconselha Kátia.

Após a lavagem, há a necessidade de parar o sangramento e para isso, aconselha-se a compressão delicada da área com toalha ou panos limpos, preferencialmente gaze. Caso o sangramento seja intenso, esguichando sangue, pode surgir a necessidade do uso de torniquete ou elástico, por período curto de tempo, de forma a controlar a hemorragia. Nesse caso, ligar para o serviço de emergências (SAMU) pelo número 192 é uma boa dica, pelo telefone, os médicos orientarão as medidas a serem tomadas de acordo com cada tipo de acidente, até a chegada da equipe de atendimento.

Com o corte devidamente, limpo e medicado, os pais já podem respirar aliviados. Mas em geral, não é bem isso que acontece, preocupados com a cicatrização dos pequenos, sempre surgem dúvidas a respeito do uso de esparadrapos ou band-aids.

– Muitas vezes uma ferida mal lavada e coberta é mais perigosa que aquela deixada sem nenhuma proteção, já que pode haver maior proliferação de bactérias, gerando infecção. Portanto, insistimos que a lavagem deva ser feita adequadamente. Pode-se colocar band-aids, curativos com gaze limpa ou esparadrapos em áreas desprotegidas para evitar que insetos ou mesmo a criança contaminem o local. E claro, deve-se observar se há dificuldade na cicatrização, provável infecção local, evidente quando o machucado tem bordas vermelhas ou secreção purulenta. Uma avaliação médica é necessária e, constatada a infecção, deve ser tratada adequadamente com antibióticos, o que evitará complicações como celulite, artrite infecciosa ou infecção generalizada – explica a médica.

Para evitar acidentes, uma maneira é transformar a casa em um lugar mais seguro e adequado para o desenvolvimento de uma criança. Algumas medidas importantes devem ser seguidas pelos familiares de forma a prevenir incidentes desagradáveis:

– Manter crianças pequenas afastadas da cozinha, especialmente longe do fogão, é vital. Produtos de limpeza e medicamentos devem ser sempre bem guardados em lugares altos, preferencialmente trancados. Além disso, não se deve deixar objetos espelhados e lisos pela casa, onde as crianças podem escorregar. De acordo com a idade, algumas preocupações são mais específicas tanto em casa como nas escolas, por isso a colocação de grades nas janelas, o distanciamento entre elas e o sofá e, claro, manter supervisão constante.

Os brinquedos muitas vezes são responsáveis por pequenos acidentes, então é importante a conscientização dos parentes a respeito da qualidade dos mimos, como explica Kátia Machado:

– É importante que exista o selo de qualidade do Inmetro, especificando a faixa etária indicada. A criança é sempre muito curiosa. Os bebês, principalmente, tendem a brincar com qualquer coisa que o adulto dê para distraí-los como chaves e objetos pontiagudos que, claro, devem ser evitados, pois podem feri-los. É importante lembrar que crianças precisam brincar com brinquedos idealmente educativos, por exemplo, os construídos por ela, feitos de sucata e imaginação.

Tomando as devidas precauções, os acidentes muitas vezes podem ser evitados e sua criança poderá brincar tranqüila. Para os pais interessados fica uma última dica: a informação é vital para a prevenção de acidentes. Então, informem-se com o pediatra e divulguem as informações, de forma que um pequeno descuido não tome proporções inesperadas.

“A Sociedade Brasileira de Pediatria é uma ótima fonte de consultas e material educativo”, conclui a médica.