• Edição 139
  • 14 de agosto de 2008

Ciência e Vida

Alerta Vermelho nas cirurgias

Heryka Cilaberry

Os números são alarmantes e assustadores: já somam 2.025 os casos de contaminação registrados em todo o território nacional pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ironicamente, a causadora de todo esse caos na saúde brasileira possui algarismos bem menos expressivos para medir seu tamanho: 0,2-0,6 a 1-10 µm, ou seja, o equivalente a 20 mil vezes menor que uma formiga ou 80 mil vezes mais miúda que um pernilongo. A comparação dá a noção da importância da Mycobacterium massiliense, bactéria da mesma família das causadoras de doenças como lepra e tuberculose. 

Ainda que o microorganismo só tenha ganhado destaque nas páginas dos jornais e revistas esse ano, o grande surto da chamada micobacteriose de pele ocorreu entre 2006 e 2007, quando cerca 1.051 pacientes apresentaram sintomas da doença logo após passarem por videolaparoscopias ou por cirurgias estéticas como lipoaspiração e implante de próteses de silicone. O Rio de Janeiro foi o estado mais atingido. Esse ano é o Espírito Santo que lidera a lista de locais com a maior incidência de pessoas infectadas, levando inclusive à decisão extrema da Secretaria de Estado da Saúde de suspender intervenções estéticas em todas as clínicas e hospitais do estado. 

O aparecimento

Anterior ao primeiro surto no Brasil, o surgimento da micobactéria não pode ser datado com precisão. Assim explica Rafael Silva Duarte, professor e chefe do laboratório de micobactérias do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo Goés da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde estão sendo realizadas extensas pesquisas sobre a Mycobacterium massiliense.

– É uma espécie nova, descrita apenas em 2004, que provavelmente já existia anteriormente sem ter sido bem caracterizada. Em 2003, por exemplo, houve uma infecção relacionada à bactéria, o que quer dizer que antes mesmo dela ser publicada com tal nome, já fora detectada.

Ainda que não se possua o registro exato do aparecimento do microorganismo, nem se consiga entender como ele penetrou no ambiente hospitalar, muito já se sabe a respeito de seu comportamento no organismo humano. “Ele vive no ambiente, é oportunista e, havendo qualquer quebra da barreira epitelial, como uma incisão por um instrumento cirúrgico ou por administração de alguma solução contaminada, ele pode acabar infectando seres humanos e causando granulomas na superfície (lesão histopatológica significativa), que muitas vezes progride para o espaço subcutâneo e órgãos adjacentes, podendo também se disseminar pelo corpo. Há ainda alguns casos raros associados à infecção no trato respiratório inferior”, explica Rafael. 

Fatores que propiciam a doença 

Em busca de uma conclusão para o que estava desencadeando tantos casos de micobacteriose, uma equipe do Ministério da Saúde, realizou um estudo, para o qual foram visitados hospitais e centros de esterilização de material. Constatou-se, a partir da visita, que o processo de limpeza e desinfecção não era validado, o que em parte pode ser explicado pela inexistência de protocolos de esterilização, fazendo com que cada lugar estabelecesse seu próprio método. É claro, isso tornou visível a deficiência de alguns estabelecimentos e conseqüentemente foi admitida assim, a hipótese de que um dos fatores associados ao surto seja a inadequação da limpeza.

Entretanto, o Instituto de Microbiologia levanta outra suposição, baseada em resultados divulgados recentemente em congresso. Alguns exemplares de M. massiliense isolados durante o surto no RJ foram colocados em contato com a substância comumente usada para fazer esterilização, o glutaraldeído a 2%, pelos seguintes períodos: 30 minutos, 1, 6 e 10 horas. Foram usadas algumas marcas comerciais diferentes e teste foi repetido três vezes. Reparou-se que elas continuavam viáveis.

– Os resultados sugerem que a micobactéria pode ser tolerante ao glutaraldeído a 2%, então mesmo se fossem seguidos os procedimentos de limpeza corretos, a infecção não seria evitada. É claro que ainda são necessários mais testes, que já estão sendo desenvolvidos em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz e com um grupo de São Paulo. É importante ressaltar também que esses resultados não indicam que o desinfetante não esteja funcionando, mas que o protocolo oficial do Teste da Eficácia Micobactericida de Desinfetantes não permite inferir os resultados para todas as micobactérias, provavelmente as propriedades biológicas estão variando de espécie para espécie – assegurou o professor.  

Quem está indeciso a respeito de uma cirurgia em tempos de surto pode se tranqüilizar, a Mycobacterium massiliense não é resistente ao calor, logo se a temperatura ultrapassar 121 ºC por, pelo menos, 15 minutos no processo de esterilização ela é completamente exterminada. Então, pergunte ao seu cirurgião como será feita a limpeza do material cirúrgico e prefira a esterilização térmica à química (feita com o glutaraldeído a 2%) sempre que pertinente. É um direito do paciente saber o que acontece na cirurgia. 

Sintomas 

Após uma cirurgia há o processo de recuperação, que é agilizado pela retirada dos pontos, dali até um mês, haverá a cicatrização integral das feridas. Se algo de errado aconteceu, é válido ficar alerta para os sintomas da infecção. 

– Quando há a infecção, mesmo após a cicatrização, pode aparecer uma secreção ou um nódulo inflamatório exatamente na região da cicatriz. Esse nódulo vai progredindo na região subcutânea, apalpando pode-se sentir uma área endurecida e dolorida – aponta o pesquisador. 

O que fazer? 

Se a confirmação dos sintomas ocorrer, retorne ao cirurgião. Mas não se precipite, apenas com um exame mais completo em mãos poderá haver total certeza que se trata da doença. 

– Se a pessoa não estiver fazendo uso de nenhum antibiótico é indicada uma biópsia, para a confirmação do quadro infeccioso, pois assim com o diagnóstico preciso em mãos fica mais fácil ser tratado. Há vários laboratórios que são bem capacitados nessa análise da biópsia como o Laboratório Sérgio Franco, o próprio laboratório do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ e o IPEC da Fiocruz. 

Caso as suspeitas sejam confirmadas, é importante que a secretaria de saúde do seu estado seja notificada, procedimento que pode ser feito através de preenchimento de ficha pela internet.