• Edição 137
  • 31 de julho de 2008

Ciência e Vida

Descoberta de uma nova família do bacilo da tuberculose

Cília Monteiro

Pesquisadores da UFRJ, em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fiocruz, e a Universidade Cornell, em Nova Iorque, identificaram uma nova família do Mycobacterium tuberculosis, agente causador da tuberculose. Iniciada em 2002, a pesquisa analisou cerca de 400 culturas deste bacilo.

Luiz Lazzarini, professor de Pneumologia da Unidade de Pesquisa em Tuberculose do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da UFRJ, explicou ao Olhar Vital sobre o trabalho desenvolvido. “Existem vários tipos de bacilos, cada um com suas particularidades. Para facilitar a investigação, eles são agrupados em famílias, para que se possa identificar algumas características próprias e observar se há alguma particularidade maior nas denominadas famílias do Mycobacterium tuberculosis”, relata o professor.

A pesquisa

O primeiro passo da pesquisa foi a percepção da ausência de pedaços dos genes no bacilo. “Os estudos começaram no Rio de Janeiro, quando detectamos que havia um determinado grupo das bactérias e que faltava um pedaço desse grupo, ao avaliarmos pelo método genético. O bacilo pode perder pedaços dos seus genes, isso faz parte da dinâmica normal da bactéria. Então fomos investigar a perda do pedaço desse gene, e descobrimos que não era pequena. Percebemos que o pedaço que ele perdeu é o maior já descrito sobre uma bactéria na literatura de Microbiologia”, explica Lazzarini.

A bactéria recebeu o nome de RDRIO. “RD significa Região de Deleição, o que faz alusão à perda do gene, e RIO por ter sido descoberta no Rio de Janeiro”, esclarece Luiz.

Segundo o professor, apesar da perda de um grande pedaço do gene, que normalmente é ruim para a bactéria, aparentemente o RDRIO levou uma vantagem. “Fomos estudar o que estava dentro do pedaço que foi perdido, pois indícios apontavam que poderia ser algo importante. Era necessário saber o quão freqüente a bactéria está por aí”, lembrou Lazzarini.

Pacientes do HUCFF foram acompanhados durante os estudos. “Percebemos que um em cada três pacientes, nas áreas mais diversas do Rio de Janeiro, estava infectado por essa bactéria. No início pensávamos que a bactéria era apenas uma descoberta, mas vimos que era muito freqüente. Nenhuma outra família de bactérias tuberculosas é tão freqüente quanto a que encontramos”, observa o pesquisador.

O próximo passo foi investigar se esse índice era característico apenas do Rio de Janeiro, ou se o RDRIO estava presente também em outras localidades. “Testamos amostras de culturas de bactérias tuberculosas por todo o Brasil, e percebemos que esta bactéria estava presente no país inteiro. Depois, começamos a ver em outros países, continentes, até concluirmos que ela se apresenta em todo o globo terrestre. Encontramos a bactéria na América do Norte, América Central, América do Sul, Europa, África e Ásia. Não achamos na Oceania, mas não testamos lá. Porém, existem dados indiretos que indicam que a bactéria também está presente na Oceania. Algo que me chamou atenção foi que essa bactéria não é rara, pelo contrário, ela aparentemente é muito importante para a epidemia global de tuberculose”, explica Lazzarini.

Foram realizados estudos tanto no Rio de Janeiro quanto em Belo Horizonte, e ambos mostraram que pacientes infectados por esta bactéria tinham mais cavitação no pulmão. “A cavitação é um buraco aberto no pulmão, e uma estratégia que a bactéria utiliza para se proliferar. Então, em quem possui cavitações, crescem mais bactérias que são transmitidas mais facilmente. Ou seja, para a bactéria, fazer cavitação no pulmão é uma vantagem. No estudo do Rio de Janeiro, achamos ainda outras características, como mais febre e emagrecimento, o que não apareceu no de Minas Gerais. De forma geral, constatou-se que a clínica do paciente infectado por essa bactéria é diferente, forma-se um quadro mais grave”, esclarece o professor.

– Posteriormente, foi feito um estudo em Nova York, reproduzindo estes achados. Lá eram quase dez por cento de infecções causadas pelo RDRIO. Isto também chama a atenção, já que os Estados Unidos recebem fluxo de vários países, inclusive da região da Ásia. Não esperávamos, uma vez que dez por cento é uma porcentagem bem alta. E lá, também achamos a característica de mais cavitação nos pulmões – afirma o pesquisador.

Fácil proliferação

Embora tenha perdido um pedaço grande de seu gene, aparentemente o RDRIO causa uma doença que se transmite mais. Por isso, ele está se espalhando pelo mundo. De acordo com Lazzarini, o que ainda não foi constatado é uma diferença em relação ao tratamento. Sendo assim, a infecção pelo RDRIO é tratada de uma maneira similar a de infecções por outras bactérias.

Segundo o professor, existem alguns indícios de que, ao perder esse pedaço de gene, o bacilo se tornou mais escondido do sistema imunológico do ser humano. Ele constata que este pode ser um dos mecanismos pelo qual o RDRIO está se espalhando tanto. “Ele deixou de ser muito identificado, esta é uma das hipóteses que estamos elaborando. Não está confirmada, necessita de mais estudos, mas aparentemente o bacilo aprendeu, ao perder esse gene, a se esconder melhor”, afirma Luiz.

De acordo com o pesquisador, a estratégia da bactéria para se espalhar não foi ser resistente ao antibiótico, mas transmitir-se mais facilmente. “Isto abre perspectiva de descoberta de novas drogas e de novas medicinas. Os passos seguintes serão avaliar esses genes que foram perdidos e de que maneira isso ajudou o bacilo a sobreviver”, relata Luiz.