• Edição 133
  • 03 de julho de 2008

Faces e Interfaces

Camisinha nas escolas: proteção ou estímulo ao sexo?

Priscila Biancovilli, Jefferson Carrasco e Rodrigo Lois

No último dia 26 de julho, o Ministério da Saúde anunciou a produção de 400 máquinas de camisinhas, que serão distribuídas em escolas públicas de todo o país. Similar a uma “máquina de refrigerantes”, o equipamento será instalado a partir de 2009 apenas em escolas que já desenvolvam programas de prevenção a Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e que promovam discussões sobre saúde reprodutiva.

Pesquisa da Unesco realizada em cerca de cem escolas brasileiras mostrou que 63% dos pais consideram positiva a idéia de oferecer preservativos aos jovens. Porém, muitas famílias são levadas a acreditar que tanto a educação sexual quanto a disponibilidade de camisinhas nas escolas são um estímulo ao início prematuro da vida sexual e, portanto, reprovam a iniciativa. Afinal, este projeto do governo federal é correto ou não? Para discutir esta polêmica, convidamos Maurício Tostes e Maria Albina Catellani.

Maurício Tostes

Psiquiatra do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).

“O que eu considero mais importante é que essa iniciativa esteja ligada a outras que a complementem. Se ela for isolada, não será muito eficaz. Ela deve estar ligada a discussões sobre diversos assuntos, como por exemplo, o sexo seguro, o início da vida sexual, as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), gravidez na adolescência e suas conseqüências. Enfim, sobre aspectos da saúde ligados ao cuidado de si. Portanto, deveríamos nos preocupar com uma estratégia mais abrangente, como já foi feito no exterior, por exemplo. Havia máquinas de preservativos em banheiros públicos. Porém, como já foi dito antes, essas iniciativas, implantadas de maneira isolada, podem parecer um incentivo à prática do sexo, o que não seria um bom desfecho.

Como podemos notar, a questão da sexualidade vem preocupando muito profissionais e pessoas da área da saúde no Brasil, principalmente devido aos altos índices de gravidez na adolescência. Essa precocidade está relacionada em muito à programação e ao conteúdo dos meios de comunicação, que estimulam a sexualidade dos jovens. Seja nas músicas, novelas ou programas de televisão, a mídia não debate essa questão de forma equilibrada.

Além disso, os profissionais de educação e de saúde, de uma maneira geral, não têm uma formação adequada para abordar a questão da sexualidade, seja com o jovem ou com outra faixa etária, o que é uma falha grave. Nesse sentido, o Ministério da Saúde e o da Educação deveriam atuar em parceria, desenvolvendo programas para melhorar essa abordagem. Sou testemunha da precariedade com que o tema é tratado pelo profissional de saúde. Em geral, as pessoas usam sua intuição e experiência, o que comprova a deficiência na discussão da sexualidade.

Esses programas deveriam ser de treinamento em curto prazo e de baixo custo – o que os tornaria viáveis – por favorecer, assim, ações mais consistentes do ponto de vista da prevenção e da educação.

Adquirir uma camisinha, seja na farmácia ou num posto de saúde, não é, por incrível que pareça, uma ação muito simples. Muitas pessoas, em especial os jovens, têm muita vergonha de entrar em um estabelecimento e pedir um preservativo. Logo, facilitar o acesso não deixa de ser uma iniciativa interessante. No entanto, não devemos esquecer de discutir como a camisinha é inserida na vida sexual dos jovens que não praticam o ‘sexo seguro’.

Com isso em mente, a campanha também deveria defender a existência de fóruns de orientação e espaços para os jovens discutirem sobre sexo responsável e iniciação sexual precoce. Ademais, os pais também precisam ser um dos alvos dessa ação governamental, já que eles têm papel fundamental na orientação dos filhos em relação à sexualidade. Eles devem ser capazes de conversar com os jovens sobre questões como as DSTs, gravidez precoce e aborto clandestino.

A respeito dos índices desfavoráveis à campanha, acredito que não se trata de uma questão de negação, mas de posição. Alguns subgrupos sociais, devido à sua cultura, não aceitam esse tipo de iniciativa. Porém, não podemos condená-los, devemos respeitá-los, já que nesse tema não existe certo ou errado; o que funciona para alguns pode não funcionar para outros. Mesmo correspondendo à minoria da população, não se pode ignorar esse grupo, todos devem ser atendidos e entendidos pelo governo.

Contrapondo os papéis dos profissionais de saúde e das máquinas na distribuição de preservativos, destaco que, enquanto as máquinas apresentam menos chances de inibição no momento de obter a camisinha, a presença de alguém bem treinado nessa função possibilita assistência e orientação.

Então, não podemos dizer que uma abordagem é melhor que a outra, na verdade, elas deveriam ser complementares. Eu sou a favor dessa iniciativa, desde que ela se insira num conjunto de outras ações.

Um último aspecto que eu queria destacar é que qualquer iniciativa na área de saúde precisa ser constantemente avaliada, para que suas vantagens e desvantagens possam ser entendidas, permitindo o aperfeiçoamento da iniciativa.”.

Maria Albina Catellani

Ginecologista do Serviço de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Acredito que esta proposta do Ministério da Saúde seja muito positiva, porque a instalação das máquinas não acontece como um processo isolado. Haverá uma prática educativa nas escolas atendidas, e o aluno só poderá buscar a camisinha após passar por ela, pegando uma senha de acesso. Esta medida facilitará bastante a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), e, é claro, a gravidez indesejada na adolescência.

Sobre a opinião de alguns pais de que esta medida promove um contato prematuro com a sexualidade, tenho a dizer que esta é uma visão totalmente equivocada. Este conhecimento sobre sexo, se não vier da escola, acabará vindo por outros meios, como os amigos e a mídia. Desta forma, é muito melhor que a escola aborde este tema com seus alunos, pois tratará o sexo de uma maneira mais pedagógica e correta, ao contrário dos outros meios, que podem passar uma mensagem equivocada, levando a comportamentos errados.

Na minha experiência em consultórios, percebo que as adolescentes iniciam a vida sexual entre 15 e 19 anos, de modo geral. Elas acham que sabem tudo, mas através de uma boa conversa consigo passar algumas informações importantes, que podem servir para a prevenção de doenças graves. Algumas meninas podem ceder à tentação do namorado e praticar sexo sem camisinha, pois estão tomando a pílula de modo correto e não existe o risco de engravidar. Este é o problema, afinal o remédio previne apenas a gravidez, mas não as DSTs. Quando elas descobrem que doenças como clamídia e gonorréia podem provocar esterilidade, começam a tomar mais cuidado. A camisinha é de longe o melhor meio de prevenção de doenças e gravidez.

Não posso prever se o governo manterá este projeto a longo prazo, seja desvalorizando a prática educativa, seja abandonando as máquinas de camisinhas. Porém, o que posso frisar é que, neste início, trata-se de algo extremamente positivo. Espero e gostaria de acreditar que esta idéia consiga se manter ao longo dos futuros governos.

Entretanto, mesmo que haja uma deterioração com o tempo, esta máquina continuará sendo algo positivo. Suponhamos que as aulas de educação sexual tendam a diminuir com o tempo. Claro que isto é ruim, o ideal seria que continuassem com qualidade. Porém, julgo a simples possibilidade de um aluno poder buscar sua camisinha a qualquer momento como algo bom. O que pode haver é um desperdício de verbas públicas, pois sem um processo educativo muitas camisinhas podem ser usadas como ‘brinquedos’ na escola, jogadas no lixo, utilizadas de forma errada, entre muitos outros riscos. A prática está amarrada ao processo educativo.”