• Edição 133
  • 03 de julho de 2008

Medicina 200 anos

A Faculdade de Medicina e a geração de 68

Marcello Henrique Corrêa e Seiji Nomura

A edição de julho do Olhar Vital continua a série de matérias sobre os 200 anos de Medicina, trazendo à tona um momento que muitos gostariam de esquecer. Em 2008, as mobilizações em torno dos 40 anos dos eventos de 1968 relembram os idos das lutas contra a ditadura no Brasil. Nesse mesmo período, o mundo viveu um ano conturbado, marcado pela repressão às vozes dos jovens que exigiam mudanças. É nesse cenário que o leitor se insere, para entender melhor como andava a Faculdade de Medicina, nos chamadso 'anos de chumbo'.

Em sua trajetória, a Faculdade de Medicina da UFRJ marcou quem se envolveu com sua história. Seu alcance vai além do institucional e se alça às vidas privadas dos estudantes e funcionários, ajudando a trançar os fios que as compõem integrados aos do ambiente universitário.

Essa forte ligação foi vital durante a Ditadura Militar, um dos períodos mais duros enfrentados pela sociedade brasileira. “Muitos dos líderes que estavam envolvidos na organização da passeata dos 100 mil e do Movimento Estudantil eram alunos da Faculdade de Medicina da UFRJ”, lembrou Alexandre Cardoso, diretor do Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF), professor da Faculdade e estudante de medicina durante essa etapa da história do país.

— Eram comuns as manifestações no centro da cidade, que eram acusadas de cunho subversivo. Era uma reação da sociedade civil, dos estudantes ao golpe autoritário que tomou o poder em 1964. Ele atingiu a todos de modo geral, mas a nosso grupo em particular. A sede da UNE (União Nacional dos Estudantes) foi dominada pela ditadura e mais tarde foi incendiada. O seu centro popular de cultura foi tomado também —, explicou, lembrando da violência exercida pelo regime.

Para o entrevistado, as condições para a eclosão das revoltas de 1968 aqui no Brasil já estavam dadas. “Estávamos lutando por questões absolutamente brasileiras que tomavam forma. Coincidentemente, 1968 foi um ano de lutas pela liberdade em vários lugares no mundo. Mas é evidente que esses movimentos se solidarizavam no plano internacional, com a juventude entrando em novos espaços” destacou.

Em 1966, o ano da invasão do prédio do Curso de Medicina na Praia Vermelha coincidiu com a entrada do agora diretor do HUCFF na UFRJ. “Os estudantes estavam reunidos em assembléias dentro da universidade; existiam ali lideranças de outras áreas também, como economia, direito e química. A Universidade estava cercada e foi então invadida. Com essa violência, a ditadura deu fim ao Centro Acadêmico Carlos Chagas. Nem todos os diretores concordavam com o fim do prédio. Um professor da biofísica chegou a ser preso por participar das discussões estudantis”, lembrou o diretor, ao repudiar a decisão autoritária.

— Era muito rico o convívio universitário. Os estudantes sentiam um imenso orgulho de serem estudantes e estarem sustentando todo esse movimento e isso contribuía muito para a sua formação. Embora hoje vejamos esse aspecto com certo romantismo —, recorda.

A repressão do governo da época foi uma das causas do enfraquecimento do vínculo do estudante com a Universidade. “Eles queriam levar o aluno a só estudar. A universidade é um espaço plural, de reflexão de todas as formas, os governantes queriam segmentá-lo”, afirma o professor.

Com o AI-5, essas práticas passaram a ser reprimidas de modo mais organizado. “Eram difíceis as manifestações, pois as pessoas eram presas. Houve um recolhimento, mas muita gente continuou com suas idéias. As expressões da resistência passaram a acontecer de outras maneiras”, declarou Alexandre.

Sobre a mobilização dos estudantes de hoje, o professor julgou melhor fugir da comparação literal. Para ele, as condições de hoje são diferentes e o debate é outro. “Continua a existir quem está ligado nos problemas que afetam a Universidade, o país e quem não está. A diferença maior é que hoje estamos em um espaço mais democrático”, concluiu Alexandre.