• Edição 132
  • 26 de junho de 2008

Faces e Interfaces

Semelhanças cerebrais relativas ao sexo em destaque

Daniel Mazza, Jefferson Carrasco e Seiji Nomura

Esta semana, a editoria Faces e Interfaces trás para pauta uma recente pesquisa sueca publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, de 16 de junho de 2008. De acordo com o estudo, o cérebro de homossexuais apresenta semelhanças estruturais com o do sexo oposto; o de homens homossexuais estaria igualado em alguns aspectos ao de mulheres heterossexuais e, de outro lado, o de homens heterossexuais com o de mulheres homossexuais.

Para tanto, os pesquisadores Ivanka Savic e Per Lindstrôm argumentaram, a partir da comparação dos hemisférios cerebrais, e apontaram um aumento do hemisfério esquerdo em relação ao direito em lésbicas e homens heterossexuais; e da amídala cerebral, – em relação paralela, gays e mulheres heterossexuais – cuja conexão é a mesma em relação aos homossexuais e seu sexo oposto.

Como tal pesquisa levanta assuntos relevantes em caráter social, político e midiático, o Olhar Vital convida Miguel Chalub, professor associado do departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ e José Leonídio, professor adjunto da Faculdade de Medicina da UFRJ, para um debate abrangente com relação à importância científica do estudo e aos aspectos decorrentes.

Miguel Chalub

Professor associado do departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ

“A idéia de que o comportamento humano pode infringir alterações no cérebro foi muito importante nos séculos XIX e XX. Buscou-se muito explicar tal comportamento através das estruturas do cérebro, como se as alterações de sua forma pudessem explicar isso. Por exemplo, sentimentos como ódio, raiva e amor corresponderiam às áreas cerebrais. Depois essa idéia perdeu força e se viu que o cérebro trabalha como um todo e não existem partes isoladas ligadas a sentimentos humanos, motivações e atitudes. Esse movimento se deu principalmente quando a psicanálise passou a ser relevante para explicar o comportamento humano – não por base da forma do cérebro, mas sim, por uma análise da infância do indivíduo e das relações que ele estabeleceu com a família nessa fase da vida.

Dos últimos anos pra cá, como a investigação do cérebro começou a se intensificar, porque hoje nós temos recursos, como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética para visualizá-lo melhor. Antes, você chegava a uma conclusão sem ver o órgão, a não ser em casos excepcionais como os cirúrgicos, nos quais eram permitidas algumas experiências feitas em animais.

Essas invenções realimentaram a antiga idéia de explicar o comportamento humano através de alterações no cérebro. É claro que tudo depende dele, mas fazer essa correlação é outra questão.

Em relação à pesquisa, pode ser uma tentativa de retomar essa noção, mas não mais como antes, em pedaços do cérebro. Agora a formação desses sentimentos é atribuída a circuitos, dentro dos bilhões de células cerebrais (axônios). Esse estudo está sendo dirigido no sentido de delegar a opção sexual a essa fisiologia, talvez porque esta está muito badalada na mídia. Eu considero que isso não conta com bases científicas consistentes. Alguns experimentos apontam algo e depois repetem e não conseguem provar o que tinham dito antes; outros mostram que não é bem assim.

A questão da sexualidade está ligada ao hipotálamo – ligada a emoções e sentimentos. Mas essa relação exagerada, comparando os cérebros de homens heterossexuais e mulheres homossexuais, assim como de homens homossexuais e mulheres heterossexuais, não se confirma; é forçar um pouco.

No meu entender, são conclusões muito ideológicas, porque depende muito do que o pesquisador quer encontrar. Ele acaba montando experimentos que, por fim, confirmam o que ele já acreditava antes. E já quando outra pessoa, que não tem uma crença e somente discorda da recente pesquisa, conduz o experimento, acaba desmentindo a antiga. Não estou negando que, no futuro, tal pesquisa possa ter sua veracidade comprovada, mas, no momento, acredito que seja dotada de um caráter ideológico muito forte.

Por isso, acho que o pesquisador quer dizer que o homossexual tem um defeito no cérebro e por isso apresenta um comportamento anômalo. A partir daí você legitima a correção no cérebro das pessoas que são consideradas anormais, porque não é normal um homem gay ter um cérebro parecido com o de uma mulher e, de outro lado, uma mulher homossexual ter cérebro parecido com o de homem. De acordo com esse ponto de vista, não há opção sexual ou inclinação; seria um defeito que deverá ser corrigido. A homossexualidade apareceria como um quadro a ser tratado, o que hoje não é assim, visto que temos dois tipos de homossexualismo, ego sincrônico e o ego distômico– o primeiro – que não precisa de tratamento – ocorre quando o individuo está satisfeito com sua opção e bem integrado consigo e com a sociedade, já o segundo é um caso com sofrimento, de insatisfação o que demanda uma ajuda (é um tratamento psicológico e não médico ou farmacológico).

A psicologia pode interferir no cérebro dos indivíduos através da palavra. Os circuitos cerebrais são ligações entre as células. Através das palavras, pode haver interferências nesse circuito, bloqueando um ou estimulando o surgimento de outro. Isso pode ser feito não porque você tem uma anomalia, mas porque eu quero. Agora, assim como eu não acredito nessa mudança na constituição dos hemisférios celebrais a partir da ciência (como está na pesquisa), eu também não acredito que a psicologia seja capaz de fazê-lo. O que pode ser mudado seria a funcionalidade, mas não a morfologia.

Em casos de pessoas bissexuais, não se pode provar e nem dizer nada em relação à estrutura cerebral, nem mesmo baseado por essa pesquisa, na qual eu não confio muito. Mas sob viés psicológico, com certeza, porque alguma coisa houve na vida desse indivíduo que fez com que ele gostasse e optasse por se relacionar com ambos os sexos. Novamente, não é um caso de doença, somente tenta-se descobrir qual foi a motivação.

A tendência da pesquisa é excluir o caráter psicológico no desenvolvimento da opção sexual e apontar a problematização para o cérebro. É uma linha de raciocínio perigosa, porque autoriza o Estado a intervir, terminando em questões políticas. Capacita-se o Estado a intervir com medicamentos ou cirurgias para normalizar aquela suposta patologia (o homossexualismo). Agora se eu acredito que é de caráter psicológico, a intervenção é outra e por outros agentes.

Eu sou totalmente contra a esse tipo de pesquisa, porque eu acredito que ela não tem fundamentação científica e já apresenta uma metodologia parcial.”

José Leonídio

Professor adjunto da Faculdade de Medicina da UFRJ

“Nessa pesquisa, os cientistas analisaram um grupo de pessoas adultas com opções sexuais constituídas e descobriram certas características cerebrais entre homossexuais e membros do sexo oposto, como o tamanho das amídalas, semelhantes. Só se pode afirmar que o cérebro do gay é igual ao da mulher e o da lésbica ao do homem, a partir do momento em que se fizer o mesmo tipo de exame em fetos dentro do útero, continuar após o nascimento, com um ano e assim por diante. Se você chegar até a fase adulta e ainda conseguir provar que a amídala manteve o mesmo padrão, aí você poderia vir a público e afirmar que os cérebros são semelhantes. O que foi mostrado ali é que os indivíduos na pesquisa apresentavam essa semelhança, naquele momento.

Em termos de reprodução, a base é fêmea, ao contrário da Igreja, que diz que o primeiro indivíduo foi Adão e Eva surgiu a partir dele. Para gerar um macho, temos que ter o cromossomo Y, que leva a formação de testículos. Isso faz com que o cérebro do feto seja banhado por testosterona para que ele responda, na fase adulta como indivíduo masculino. Estruturalmente, já se criaria uma formação macho e fêmea, que tem conotação de reprodução. Ela não é de escolha sexual, mas de caráter reprodutivo. Sobre a ótica da reprodução, ela continua reproduzindo espermatozóides ou óvulos.

Você nasce com o cérebro como um computador que vem com um processador com uma capacidade de armazenamento muito grande. Desde o útero até mais ou menos 10 anos é algo que se parece com o processo de copiar e colar. Quando se ativa a área de reprodução, você tem aquele computador repleto e começa a desfragmentação desse cérebro com alterações comportamentais.

A cognição é um dos arquivos gerados pelo procedimento. O psicológico e o social estão entre os fatores que vão atuar na formação da sua personalidade e, eu acredito, vai atuar na opção sexual daquele indivíduo.

Você nasce com cinco órgãos cognitivos, essas informações obtidas vão formar o conteúdo que vai fazer com que gêmeos sejam diferentes, por exemplo. As tendências, a não ser que sejam coisas muito claras geneticamente, vão ser construídas durante a vida. Os fetos não apresentam essa diferença. Indivíduos que trabalham mais a área direita a aumentam, assim como os que usam mais a área esquerda. E isso não necessariamente é ligado à opção sexual.

Foi liberada uma pesquisa dizendo que mulheres extremamente férteis, pelo banho de hormônios, levariam os filhos a nascerem homossexuais. São estudos sem consistência. Tenta-se arrumar uma explicação biológica, quando é preciso estudos mais profundos para isso. Essas informações podem confundir a cabeça das pessoas.

As mudanças no cérebro são constituídas pelo ambiente que o indivíduo vive. É o contexto que contribui para essa personalidade.

Acho que a psicologia não muda a constituição cerebral. O que você faz é tentar corrigir caminhos, senão Hitler tentaria mudar toda uma conceituação de homem ideal. É proibido pelo Conselho de Psicologia considerar a homossexualidade uma doença. E mesmo quando a pessoa procura espontaneamente o psicólogo querendo deixar de ser homossexual, ela acaba aprendendo a lidar com isso.

Nos casos em que a pessoa tem uma opção bissexual. Ela conflitua com duas atrações. Você vê muitas vezes um homem bissexual que mantem seu padrão sexual masculino e exerce, em suas escapadas, comportamento homossexual. Ele não permite à família o risco de seu relacionamento homossexual, ele não o leva para dentro de sua casa. Já uma mulher com comportamento bissexual geralmente não tem tanta restrição de exteriorizar sua homossexualidade.

Como pesquisa focal, o estudo dos cientistas suecos é válido, já que mostra que aqueles indivíduos, naquele momento, apresentavam essas características. Agora, extrapolar o alcance da pesquisa e tratá-la como verdade é perigoso.

Dentro do programa ‘Papo-cabeça’, que coordeno, trabalhamos com o projeto de diversidade sexual, no qual discutimos essas opções dentro da liberdade do indivíduo, na escolha da sua opção e não tentando criar estereótipos biológicos que tentam explicar as opções sexuais.”