• Edição 131
  • 19 de junho de 2008

Ciência e Vida

Impacto de anabolizantes na tireóide

Marcello Henrique Corrêa

O uso indiscriminado de esteróides anabolizantes pode ser relacionado a uma extensa lista de efeitos colaterais. Apesar de já existir uma série de estudos indicando conseqüências como infertilidade, insuficiência renal e até alguns tipos de câncer, pesquisadores continuam a investigar outros possíveis sistemas afetados pela administração dessas substâncias. Esse recorrente costume entre atletas e não-atletas motivou o grupo do qual faz parte Denise Pires de Carvalho, pesquisadora do Laboratório de Fisiologia Endócrina do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) a estudar o impacto dessas drogas na glândula tireóide, responsável pela produção de importantes hormônios. A pesquisa foi tema da tese de doutorado de Rodrigo Soares Fortunato, apresentada esse ano, sob orientação de Denise Carvalho.

De acordo com os principais autores, os esteróides anabólico-androgênicos (EAA) são hormônios sexuais masculinos, como os derivados da testosterona. Em condições normais, são responsáveis por manter as características sexuais associadas ao sexo masculino. Normalmente, os efeitos dos EAA são divididos em androgênicos e anabólicos. Os primeiros estão relacionados às características sexuais: aumento de libido e desenvolvimento da genitália, são alguns deles. Os efeitos desejados relacionam-se principalmente aos anabólicos: aumento da massa muscular e diminuição da gordura corporal são os principais.

Denise Carvalho afirma que a função tireoidiana é fundamental para a manutenção do metabolismo. “A glândula tireóide é responsável pela síntese dos hormônios T3 e T4, que interferem em diversos aspectos do funcionamento do organismo, como a capacidade intelectual. Os hipotireóideos, indivíduos que têm diminuição de hormônio tireoidiano, apresentam lentidão de pensamento, além de possibilidade de depressão. Podem apresentar também intolerância ao frio, por causa do metabolismo diminuído”, explica a professora. O excesso da produção hormonal também causa efeitos indesejáveis, como agitação, intolerância ao calor e perda de peso.

A pesquisa

— Há vários efeitos colaterais do uso de esteróides anabolizantes, mas sobre a função tireoidiana, havia poucos estudos —, explica a professora. De acordo com ela, além de raros, esses estudos são baseados em experiências com humanos, o que permite que certos fatores possam interferir no resultado da pesquisa. “Resolvemos fazer estudos em modelos animais, para excluir todos os outros possíveis interferentes, como uso de outras drogas concomitantes, as diferentes populações e diferentes idades”, justifica a pesquisadora.

Depois de serem submetidos durante oito semanas a doses de 10 mg/kg de peso corporal de decanoato de nandrolona (DECA), um dos anabolizantes mais utilizados, os ratos apresentaram diminuição dos níveis de hormônio tireoidiano, além do aumento das dimensões da própria glândula. “O que o anabolizante promove é a redução da função tireoidiana, diminuindo a produção de T3 e T4. Então, os indivíduos que fazem uso crônico dessas substâncias estão sujeitos a efeitos semelhantes aos causados pelo hipotireoidismo”, esclarece a professora.

Apesar da diminuição da função tireoidiana, a pesquisadora afirma que não foram observados quadros clinicamente graves nos modelos animais. “Ocorreu o que costuma acontecer em seres humanos. Houve atrofia testicular, o que podemos relacionar com a esterilidade descrita como efeito colateral do uso prolongado em humanos”, relata Carvalho. Segundo ela, esse efeito está relacionado à deficiência da função da hipófise, também prejudicada pelo uso crônico das substâncias.

Além de avaliar o funcionamento da tireóide, a observação dos ratos possibilitou apontar outras características dos efeitos dos esteróides. Por exemplo, a suposta diminuição da gordura corporal propiciada pelas drogas foi contestada pela análise do modelo animal. “Foi observado, nos animais, certa diminuição da gordura abdominal e nada mais. Não sabemos se o anabolizante é capaz de diminuir a gordura corporal ou se ele somente a redistribui: retira a gordura de um lugar e deposita em outro”, especula Denise Carvalho.

O impacto sobre o coração também foi estudado nos animais. “Em outro estudo do grupo, mostramos que ratos treinados que fazem uso de anabolizantes perdem o benefício do treinamento sobre o sistema cardiovascular. O infarto, nesses ratos, fica mais extenso, mostrando o efeito maléfico, também, sobre o coração”, afirma a professora. Ela não descarta uma possível relação entre os efeitos no coração e a função da tireóide, mas ressalta que o assunto deve ser mais estudado.

Para Denise Carvalho, a pesquisa reforça o perigo do uso dessas drogas. Segundo ela, não há um limite saudável para o uso de anabolizantes. “Na verdade, essas substâncias só devem ser usadas para quem tem deficiência de androgênio, em pacientes que não conseguem produzir testosterona. Nesse caso, o uso é feito em caráter de reposição hormonal”, observa a pesquisadora. “Contudo, não há benefício desse uso, a não ser em casos clínicos comprovados. Portanto, a indicação é de que indivíduos saudáveis não usem esse tipo de artifício, em dose nenhuma”, orienta.

Próximos passos

No momento, a pesquisa se prepara para dar o próximo passo: verificar a função tireoidiana em ratos em treinamento. “Essa fase da pesquisa poderia ser relacionada mais diretamente à situação do praticante de exercício físico regular”, explica a professora. O primeiro grupo já está sendo preparado, com colaboração de professores da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD).