• Edição 131
  • 19 de junho de 2008

Por uma boa causa

Fetichismo: dependência na satisfação sexual

Fernanda Fernandes - AgN/PV

Para dar seqüência à série de matérias deste mês sobre parafilias (antigamente chamadas perversões sexuais, ou simplesmente anormalidades), trataremos hoje do fetichismo. Vale lembrar, no entanto, que as considerações com respeito ao comportamento considerado parafílico dependem em um grau muito elevado das convenções sociais reinantes em um momento e lugar determinados: práticas que já foram consideradas parafilias, como a homossexualidade ou a masturbação, hoje em dia são vistas como uma variação normal e aceitável do comportamento sexual.

O Fetichismo envolve o uso de objetos inanimados como condição de gozo sexual. Segundo Giselle Falbo Kosovski, doutora em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o fetichismo não caracteriza necessariamente uma patologia.

− Vamos entender o fetichismo como patologia quando ele cria uma condição necessária para se ter uma satisfação sexual, com a dependência de determinados elementos. Quando você só consegue ter satisfação sexual a partir desses elementos, aí você tem um aspecto mais próximo da patologia – explica a psicanalista.

De acordo com Giselle, a apropriação que cada um vai fazer do fetiche, é muito singular, pode ser algo que a pessoa usa na relação com o outro, ou que usa para ela mesma. “Por exemplo, o homem pode ter uma tara por calcinha. Então ele pega, cheira, e se masturba, algo totalmente solitário”.

Segundo a doutora, fala-se mais do fetichismo do lado do homem em relação à mulher, em que o objeto de fetiche auxilia o homem  a ter acesso à mulher. Giselle acredita ainda que para se pensar o fetichismo, é necessário se considerar que o campo de satisfações sexuais humanas é muito mais vasto do que o animal. Por conta disso, a sexualidade humana não é linear, e acontece em dois momentos distintos: tem a sexualidade infantil, que depois é interrompida por um período de latência; e tem o retorno da sexualidade, na adolescência.

A percepção da sexualidade

Giselle afirma que o fetichismo, de uma maneira ou de outra, está sempre presente dentro da sexualidade humana. Então, o que acontece, segundo ela, é um processo que vem desde a infância.

− Num primeiro momento, a criança conhece um sexo só, que seria regido pelo falo. Aí quando o menino se confronta com a menina, com a diferença sexual, ele vai achar que aquilo não é um outro sexo, e sim que o clitóris é um pênis pequenininho. Só que num determinado momento ele percebe que não é bem assim. Então como ele carece ainda dos recursos simbólicos para apreender as diferenças, ou seja, um sexo efetivamente como diferente do outro, ele vai pensar que falta aquilo que ele tem: então ele vai entender o outro sexo como algo que está desprovido do falo. Vai entender que se esse sexo não tem, é porque perdeu. Isso gera uma angústia no menino, que passa a achar que também pode “perder”. Para poder lidar com o feminino, ele renega esse fato que existe uma diferença, e no lugar dessa ausência ele vai colocar um objeto qualquer – explica a especialista.

Dessa forma, o fetiche remeteria à primeira infância, onde o sujeito coloca no lugar dessa ausência, uma imagem qualquer, que vai edificar o fetiche.

De acordo com Giselle, há muitos fetichismos associado ao uso de peles (uma versão para os pelos pubianos), à sedas e calcinhas pretas, elementos que “ estão um pouquinho antes de uma coisa que você não entende o que é”, pela falta do recurso simbólico. Ainda há casos como fetiches por sapatos ou dos próprios pés, taxando a visão do sexo feminino para essa parte do corpo.

Tratamento

De acordo com a psicanalista, na vida adulta o homem sabe que a mulher é um sexo diferente do dele, mas no inconsciente todas essas coisas convivem lado a lado, não há discordâncias, e tudo permanece atual. Então embora se tenha uma compreensão consciente de determinadas coisas, a conduta é movida por questões inconscientes que não revelam a menor idéia.

− O tratamento será uma construção dessa fantasia, para poder ir desmontando toda ela, fazendo com que o sujeito fique menos refém desse objeto que condiciona a satisfação social dele. Ele poder ir pouco a pouco abrindo mão disso, e tendo a possibilidade de uma vida social mais fluida. É um processo de análise – enfatiza.

Giselle alerta que o indivíduo só será passível de análise se fizer alguma questão disso, por algum motivo, e que a condição de tratamento também vai ser de ele interrogar essa montagem, essa cena fantasmática que ele constrói para dar consistência a esse objeto. A direção do tratamento, assim, seria interrogar essa cena.

Segundo ela, as pessoas estranham o comportamento, mas como aquilo favorece a satisfação, não procuram ajuda, elas podem vir por uma outra questão, e no próprio tratamento o psicanalista vai situando o fetichismo.

− É mais difícil um fetichista vir se tratar para abrir mão disso, do que um neurótico vir se tratar por conta de um sintoma, porque no sintoma o neurótico sofre com aquilo, e o fetichista não. É interessante a gente ver que o sujeito geralmente não se queixa da questão, porque para ele, o objeto de fetiche dá acesso à satisfação sexual − justifica.

Da perspectiva da psicanálise, Giselle aproximaria o fetichismo às outras parafilias tratadas pela relação com a castração difícil, e por uma fixação da sexualidade numa determinada posição mais infantil.