• Edição 130
  • 12 de junho de 2008

Ciência e Vida

Promessa no combate à doenca de Alzheimer

Priscila Biancovilli

Uma substância comum, presente de forma natural no cérebro humano, pode se transformar em heroína no controle da evolução da doenca de Alzheimer. Um estudo iniciado em 2003 por cientistas da UFRJ descobriu que a taurina, famosa componente de bebidas energéticas, ajudou a retardar a degeneração de neurônios de rato mantidos em cultura. O próximo passo, agora, é confirmar a eficiência desta substância em humanos.

- Há cinco anos, iniciamos um modelo experimental de toxicidade de neurônios. Trabalhávamos com uma agressão a eles, promovida pelo peptídeo beta-amilóide. Trata-se de uma pequena proteína, que hoje sabemos ser a maior vilã na doença de Alzheimer -, explica Sérgio Ferreira, professor titular do Laboratório de Doenças Neurodegenerativas do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e coordenador da pesquisa. Esta substância está presente em todos os cérebros saudáveis, mas em quantidades controladas. Quando os níveis dela sobem, os neurônios sofrem disfunções. “Em um primeiro momento, há a degeneração das sinapses, que fazem a comunicação entre os neurônios. Isso leva a uma diminuição da memória, atenção e capacidade de aprendizado, para citar alguns exemplos. Em um momento mais tardio, o peptídeo continua o ataque aos neurônios, podendo causar até mesmo a morte deles”, continua o professor.

Ação da taurina

Junto com outros grupos de estudo no exterior, estes pesquisadores descobriram que a morte provocada pelo peptídeo beta-amilóide envolvia um aminoácido chamado glutamato. Esse é o principal neurotransmissor excitatório do cérebro humano. Fazendo uma analogia, significa que quando os neurônios recebem uma carga desta substância, eles “acordam” e vão “trabalhar”. “Entretanto, o excesso de glutamato passa a ser tóxico. Esta substância é liberada pelos neurônios em resposta ao beta-amilóide, excitando os neurônios em excesso e provocando sua degeneração. Queríamos, então, encontrar uma substância que pudesse controlar estes efeitos negativos. Nossos alunos testaram várias hipóteses e, finalmente, descobriram a taurina”, esclarece Sérgio.

Esta é uma pequena molécula normalmente presente no nosso cérebro e adquirida pela dieta (peixes e aves são ricos em taurina). Existem alguns estudos mostrando que os níveis desta substância caem com a idade, em indivíduos saudáveis, mas também naqueles que sofrem com o mal de Alzheimer. “Talvez essa taurina possa oferecer uma proteção fisiológica que diminui com a idade, favorecendo a ação tóxica do peptídeo beta-amilóide e prejudicando os neurônios”, explica o pesquisador.

Inúmeras drogas protegem neurônios contra vários tipos de agressões, de acordo com experimentos em laboratorio. A dificuldade é que nem sempre uma droga testada em laboratório pode funcionar em animais e humanos de forma eficiente. A vantagem da taurina é que, como se trata de uma substância presente normalmente em nosso cérebro, pode ser testada de forma direta em humanos. “Queremos fazer os testes com animais ainda assim, para avaliar a reação do cérebro deles à substância”, esclarece Sérgio.

Testes

Futuramente, serão realizados testes em idosos saudáveis, mas que apresentem queixas de falta de memória. “Vamos avaliar se a taurina exercerá algum efeito benéfico no cérebro destes voluntários. Se tudo der certo, em um segundo momento podemos partir para testes com portadores de Alzheimer”, afirma Sérgio. Um possível resultado positivo nestes experimentos não significa a cura desta doença, afinal a beta-amilóide não será diretamente atacada, mas apenas o glutamato. A maior conquista, nesse caso, será a diminuição da evolução da doença e o aumento da qualidade de vida do paciente. A média de sobrevida de portadores da doença de Alzheimer, do momento do diagnóstico até o óbito, é de oito a dez anos. “Nesse tempo, a perda das capacidades do cérebro é muito rápida. Um mecanismo que pudesse retardar este processo, então, se revelaria de grande valor”, continua.

Chegada às prateleiras

Quando se fala sobre a possível comercialização de um medicamento composto por taurina, deve-se pensar em alguns problemas. “Se tudo der certo, concluiremos a primeira bateria de testes com pacientes em dois anos. A partir daí, é possível que estes resultados levem a outras questões que necessitem ser analisadas também. Um problema relevante é que a taurina não é um composto patenteável, por não se tratar de uma droga nova. Estamos propondo um uso para uma doença específica. Caso alguma empresa farmacêutica se interesse por produzir cápsulas de taurina, ela vai enfrentar uma concorrência feroz, pois todos poderão produzir o mesmo medicamento”, pondera o professor.

Pode ser que, no futuro, esta questão exija uma intervenção governamental que regule a distribuição destes medicamentos. Porém, uma futura aplicação terapêutica da taurina depende dos resultados positivos de testes com humanos, o que levará no mínimo dois anos. Portanto, ainda não se pode afirmar com categoria que a taurina representa uma salvação para os portadores desta doença tão severa.