• Edição 129
  • 05 de junho de 2008

Faces e Interfaces

Pesquisa com células-tronco embrionárias: um grande avanço?


Priscila Biancovilli e Tatiane Leal

No último dia 30 de maio foi aprovada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. No entanto, o caminho trilhado foi tortuoso, marcado por diversos embates entre o discurso científico e o religioso. Falta definir, entretanto, como será o perfil de regulamentação ética para a utilização.

Para discutir esta decisão do STF, convidamos duas pesquisadoras diretamente relacionadas a esta questão. A primeira é Rosalia Mendez-Otero, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, e a segunda é Cláudia Batista, do departamento de Histologia e Embriologia da UFRJ.

Rosalia Mendez-Otero

Professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho

“Na verdade, estamos falando de uma conquista que se iniciou em 2005, quando a Câmara dos Deputados aprovou a pesquisa com células-tronco embrionárias em nosso país. Mas por que, três anos depois, ainda não a realizamos de fato? Isso acontece porque, ainda naquela época, uma ação de inconstitucionalidade pediu a exclusão do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que autorizava o uso de células-tronco embrionárias. Na verdade, aquilo que muitas pessoas pensam ser uma discussão recente já comove a comunidade científica há muitos anos. O que o Supremo Tribunal Federal votou nesta última semana foi apenas esta ação, e não a lei.

Na minha opinião, a Lei de Biossegurança é plenamente constitucional. Ela pode oferecer a nós, pesquisadores, oportunidades de desenvolver terapias celulares para combater doenças que hoje não possuem alternativas de cura, como mal de Parkinson, Alzheimer e o infarto do miocárdio. Óbvio, não falamos de conquistas que surgirão da noite para o dia, pois necessitamos ainda de muitos anos de trabalho árduo em pesquisa para chegar a um benefício palpável, porém o primeiro passo já foi dado.

Agora, devemos correr muito com as pesquisas para alcançar o patamar dos países desenvolvidos, anos à frente do Brasil. Nosso país possui centros de pesquisa, cientistas e universidades de qualidade, mas não trabalhamos isoladamente. Dependemos também dos estudos feitos em outras partes do mundo, que agregarão conhecimento aos nossos.

Nosso laboratório de Neurobiologia Celular e Molecular, no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), será bastante beneficiado com esta nova vitória. Trabalhamos atualmente com células-tronco embrionárias e adultas, usadas em modelos animais. Nosso único estudo clínico envolve células-tronco adultas, em pacientes que sofreram acidente vascular cerebral (AVC), doença que acomete uma ou mais artérias que irrigam o cérebro, podendo gerar seqüelas permanentes nos pacientes.

Mais uma vez, julgo esta Lei de Biossegurança extremamente válida e não concordo com a opinião colocada no passado de que ela seria inconstitucional. A possibilidade de utilizar células-tronco embrionárias nos permitirá ampliar nosso trabalho e atingir novos resultados nas pesquisas, algo muito relevante para todos”.

Cláudia Batista

Professora do departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ

“Houve uma grande manipulação da mídia que não só formou a opinião pública de uma forma errada, já que não foram passadas todas as informações, como também o foram de maneira parcial. E a opinião pública pesa muitíssimo para uma decisão. Muitos votos se baseavam em reportagens de revistas. E, abriu-se um precedente histórico no Brasil de não respeitar a vida desde o primeiro momento da sua existência. De repente, não se sabe quando se começa a vida humana, ignorando tudo o que já foi definido pelos cientistas. O Supremo Tribunal Federal atestou que não se sabe direito quando começa a vida. Isso vai abrir as portas para o aborto de anencéfalos e do próprio aborto, além de abrir precedentes perigosos, inclusive da manipulação da espécie humana. A opinião pública vai mudando, em questão de poucos anos. Em séculos passados, os escravos eram tratados como se não fossem pessoas, mas como propriedades e tinham péssimas condições de vida. Depois, eles conquistaram o status de humanos e aí mudou tudo. Com o embrião foi o contrário: ele tinha status de humano. E agora vai se formar uma opinião pública no sentido de que ele não é humano. Se não é vida humana, é o que? Vai contra o bom senso. Eu acho lastimável.

As células tronco adultas, por serem adultas, se entendem quimicamente com as outras células do receptor, já que todas são adultas. Assim, ela se adapta ao ambiente. Enquanto se uma célula embrionária é colocada em um organismo adulto, elas não conversam, têm uma linguagem química como se fossem duas línguas diferentes. O ambiente diz à célula transplantada onde ela deve ir, quanto ela pode proliferar, o que ela tem que regenerar. Mas, a célula embrionária não tem receptores pra esse tipo de reconhecimento. Há o risco de essa célula crescer o quanto quiser. Por mais que se garanta in vitro que ela já está diferenciada, quando se põe dentro de um organismo vivo, passa-se de um ambiente determinístico para um caótico, onde um pequeno fator pode ser amplificado e dar um efeito totalmente inesperado e imprevisível. Então, ela é totalmente caótica dentro de um organismo vivo. Isso faz com que muitos cientistas invalidem uma terapia celular em humanos, porque pode ter efeito letal. É certo que elas melhoraram a motilidade em animais de laboratório que tiveram lesão medular. Só que esses animais transplantados são acompanhados por, no máximo, dez semanas. Agora, esse comportamento caótico tem um tempo imprevisível. Ninguém garante que daqui a dez anos o receptor do transplante vai morrer de câncer. Não existe nenhuma segurança pra esse tipo de terapia.

Existe um projeto de lei que restringe o número de embriões a serem fertilizados por casal, assim como países da Europa. Então, a tendência é que não haja excedentes congelados. Na Alemanha, cada casal só pode ter um embrião fertilizado, não há congelados. Então, no Brasil a prática tende a morrer nos próximos cinco anos, porque não haverá facilidade para aquisição de embriões. Além disso, a grande maioria dos países desenvolvidos estão abandonando a pesquisa com células tronco embrionárias humanas. Foi gasto muito dinheiro e tempo investindo nisso e não houve nenhum retorno em termos de terapia. O orçamento do Canadá para ciência, em 2008, é voltado totalmente para células tronco, adultas ou adultas induzidas. Há cerca de 400 terapias sendo testadas no mundo inteiro com células tronco adultas e com adultas induzidas. Não há previsão de quando se terá alguma terapia com embrionárias, sendo que com adultas há 400 em andamento, 80 são aplicadas. E o Brasil será o primeiro país a partir do ano que vem a oferecer o tratamento para cardiopatas com transplante de células tronco adultas na rede pública.

Existe sim, uma grande importância de estudar células tronco embrionárias, isso é absolutamente necessário para se estudar o desenvolvimento e a sinalização química entre células tronco. Porém, não necessariamente elas têm que ser humanas. Só se optou por fazer com humanas porque havia um excedente. Se não houvesse, nunca teria passado pela cabeça de ninguém formular semelhante idéia. Porque a sinalização é idêntica às das células tronco embrionárias do chimpanzé e 95% idêntica às do camundongo. Existem diversas alternativa de substituir muito bem a pesquisa com células tronco embrionárias humanas.”