• Edição 127
  • 21 de maio de 2008

Argumento

Instituto Deolindo Couto: obras clássicas contam a história

“O Instituto de Neurologia da UFRJ, fundado em 1946 pelo professor Deolindo Couto, possui a biblioteca com o maior e mais antigo acervo de livros e revistas sobre Neurologia Clássica do Brasil”. Assim José Luis de Sá, atual diretor do Instituto, inicia a entrevista para o Olhar Vital.


Cinthia Pascueto - AgN/PV

Quem chega ao Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC), no campus da Praia Vermelha, não imagina a história que sua biblioteca guarda. Fundado em 1946 pelo professor e ex-diretor que empresta o nome à instituição, o INDC conta hoje com o maior e mais antigo acervo de obras clássicas sobre neurologia e doenças do sistema nervoso, estudo este iniciado no final do século XIX, pelo Hospital de Salpètriére, na França. Além da vasta e preciosa coleção que guarda, o Instituto de Neurologia da UFRJ esconde um tesouro histórico: o Livro de Ouro, com a assinatura de grandes personalidades políticas e da ciência, como a dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek, Emílio Garrastazu Médici e Getúlio Vargas, que deixou uma dedicatória enaltecedora ao Instituto de Neurologia: “Uma Instituição que honra ao Brasil e a quem a dirige”. Alexander Fleming, cientista escocês que descobriu a penicilina, também faz parte do livro de ouro, além de tantos outros pesquisadores reconhecidos em seu trabalho, que visitaram e ajudaram a fazer a história do Instituto ao longo de todos estes anos.

José Luis de Sá, neurologista e diretor do INDC, conta que quando esta biblioteca foi montada, Deolindo Couto juntou todas as grandes revistas que chegavam ao Brasil entre seis meses e um ano depois de publicadas. “Era muito difícil ter acesso a uma biblioteca que abordasse esse assunto, até porque a neurologia clínica começou a se desenvolver apenas no século XIX, na França. Parte desse material inclusive, chegava ao país de navio. Apesar de toda essa dificuldade que existiu, encontramos hoje em nossa instituição muitas dessas obras raras. É o caso da revista francesa de Salpètriére, datada de 1878, ou da coleção completa, com 69 obras publicadas, do Handbook of Clinic Neurology, de 1960, considerado o maior tratado de neurologia do século XX”, aponta o professor.

Muitos dos livros mais antigos que podiam ser encontrados no Instituto, foram transferidos pelo Sistema de Bibliotecas e Informação da UFRJ (SiBI) para a Biblioteca do Centro de Ciências da Saúde (CCS), na ilha da Cidade Universitária, no Fundão. “O SiBI tem nos ajudado na preservação e recuperação do acervo de livros clássicos, não-neurológicos, muito antigos. Acredito, entretanto, que precisamos de um projeto maior de recuperação desses livros. Algumas obras do início do século já estão muito deterioradas, a capa já está ficando solta, tudo passível de recuperação. Mas a unidade não tem condições para isso, nem o próprio SiBI possui recursos disponíveis para esta biblioteca”, lamenta o diretor do INDC, afirmando que, ainda assim, o Instituto tem feito o possível para a manutenção de seu acervo: “nós tomamos certas medidas para sua preservação, como combater cupins, evitar infiltrações, entre outras atitudes básicas para se manter uma biblioteca. Isso porém não basta, pois a própria poeira e a manipulação dos livros deterioram o material”, conta José Luiz.

Para a sorte dos estudiosos e ao contrário de algumas obras clássicas da biblioteca do INDC, o Livro de Ouro, que representa a história da instituição através da marca deixada por seus ilustres visitantes, deve ser restaurado em breve. “Quando abrimos o livro, a primeira assinatura é de Alexander Fleming, em 1950, seguido pelo registro deixado por uma série de professores e especialistas em neurologia de diversas origens, reconhecidos internacionalmente. O mais recente é de 2007, deixado por um grande fisioterapeuta, especialista em recuperação de pacientes com paralisia nos quatro membros”, descreve o diretor.

Atualmente, o Instituto de Neurologia conta também com a informatização de sua biblioteca, que possui três computadores ligados à rede de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes–MEC), através da qual é possível a pesquisadores e alunos o acesso às revistas mais modernas em neurologia. “Além do acesso remoto, mantemos o acesso a algumas revistas além da rede Capes, através de doações em convênios com indústrias farmacêuticas, o acervo único de livros antigos, clássicos do século XX, e livros didáticos de neurologia, sobre doença de Parkinson, diagnósticos neuro-radiológicos, entre outros. Temos aqui, portanto, um acervo para todas as finalidades”, lista o médico.

Um pouco de história

Segundo José Luiz de Sá, a cátedra de Neurologia na então Universidade do Brasil, existe desde o século XX. Antônio Austragésio foi o primeiro professor nesta especialidade, “quando se aposentou na década de 40, foram abertos concursos públicos para a Faculdade de Medicina, naquela época muito prestigiados, contando inclusive com o comparecimento do presidente da República – sem esquecer que o Rio de Janeiro era então a capital do Brasil. Nessa ocasião, o professor Deolindo Couto, que completou parte de sua formação acadêmica em Paris, concorreu ao concurso e assumiu a Cátedra, que funcionava inicialmente em uma pequena instalação, não a atual. Deolindo percebeu que deveria construir esse prédio aqui na Praia Vermelha, próximo de onde existia a Faculdade de Medicina, com a intenção de criar aqui um núcleo de hospitais da Universidade”, relata o diretor.

- A obra foi realizada sem nenhuma verba da Universidade. Ele conseguiu junto aos políticos que fosse votada na Câmara dos Deputados e no Senado uma verba especial para fundar o Instituto de Neurologia com o intuito de ser o mais moderno da América do Sul, equipado com tudo que havia de mais moderno na ocasião. Deolindo Couto assumiu a cátedra com muito prestígio e recursos financeiros, o que lhe permitiu convidar professores estrangeiros e realizar inúmeras pesquisas científicas aqui no Instituto de Neurologia. Ele permaneceu no INDC até 1972, quando completou 70 anos e foi aposentado –, rememora José de Sá, afirmando que em seguida o irmão de Deolindo, Bernardo Couto, também professor titular de Neurologia do INDC, assumiu a cadeira até 1988, quando, então, começaram a ocorrer eleições de diretores pela Comunidade Acadêmica.

Neste período, segundo o diretor, o Instituto de Neurologia começou a decair, pelo tempo decorrido e pelo esvaziamento financeiro, com a criação de outros hospitais que passaram a obter mais a assistência do SUS, e por mudanças no lado acadêmico, como a criação do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF). O professor conta que desde então ele é o primeiro diretor a ser indicado ao cargo. “Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ, fez essa indicação para que eu assumisse uma reforma no Instituto, em mútua colaboração, com o objetivo de inserir o INDC de maneira mais adequada tanto no contexto do Ensino, quanto da Pesquisa e Assistência”, declara José Luiz, esclarecendo que, nesse contexto, se destaca o papel do INDC junto à comunidade.

Ele explica que o Instituto de Neurologia é, atualmente, um órgão suplementar e um dos hospitais do CCS. Pedagogicamente, está vinculado à Faculdade de Medicina, é campo de treinamento de seus alunos e de outros campos da saúde. “Temos aqui estudantes da Escola de Serviço Social, de programas do Instituto de Psicologia, alunos de medicina, fisioterapia e fonoaudiologia, sendo os dois últimos os cursos de maior representatividade, além da residência médica. Então esse é o lado acadêmico do INDC. Além disso, está sendo desenvolvido para o próximo ano um curso de pós-graduação lato sensu multiprofissional”, afirma José de Sá.

– Em relação ao lado assistencial do INDC, é um hospital de 40 leitos, inserido na área programática da Zona Sul do Rio de Janeiro, mas atende toda a população, é referência em neurologia para todo o estado. Cerca de 80% dos pacientes vêm de outras cidades que não a capital fluminense, como Nova Iguaçu, Belford Roxo, Caxias, São Gonçalo, pois não existe outro grande centro neurológico no Rio de Janeiro – disse o professor, contando que o Instituto oferece não apenas a clínica, como também a parte cirúrgica. “É claro que sofremos uma série de limitações, porque, desde a criação do Hospital Universitário há 30 anos, esta unidade foi deixada de lado. Ela então foi se deteriorando em termos de equipamento, de instalações, e apenas agora, na atual Reitoria, que está sendo renovada”, denuncia, destacando: “estamos em obras, teremos novas unidades de tratamento e salas de aula, a partir de recursos provenientes da Universidade para que tenhamos aqui uma unidade mais inserida em seu contexto, no qual o papel da biblioteca é de grande relevância.”

José Luiz lembra que a biblioteca não é apenas uma tradição. “Num ambiente hospitalar, a biblioteca estimula o aprendizado porque, além de ser um recurso, é um estímulo. Hoje ela pode ter mudado, com a modernização pela informática necessária pelo volume de publicações que tornaria impossível ter uma biblioteca com todas as revistas e livros mais importantes de qualquer área. Embora essa informatização contribua para a descaracterização de uma biblioteca, a simples existência do espaço em si é fundamental para dizer o seguinte: “Aqui a gente estuda.” Temos um lugar onde estudar à vontade. A gente pode acabar com tudo, mas não pode acabar com a biblioteca. Ela é uma fonte de história, da tradição que é a Universidade do Brasil, e não apenas da UFRJ”,  finaliza o diretor.