• Edição 125
  • 08 de maio de 2008

Saúde e Prevenção

A síndrome da fome oculta

De difícil diagnóstico, problema é desafio para nutricionistas

Marcello Henrique Corrêa

É fácil saber quando a fome chega. Fraqueza e estômago roncando são os primeiros sinais de que é hora de procurar uma refeição. Nesse caso, não há dificuldade para resolver a situação. Porém, quando a carência se dá no nível dos micronutrientes, o quadro já passa a chamar a atenção dos nutricionistas. Essa carência ficou conhecida como fome oculta. Intimamente ligada com o mau hábito alimentar, o número de pacientes com a síndrome, que, como o nome sugere, não apresenta sintomas claros, cresce intensamente a cada ano.

É o que afirma Andréa Ramalho, professora titular do Instituto de Nutrição Josué de Castro e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Micronutrientes (NPqM) da UFRJ. Pela definição da especialista, fome oculta é uma carência não explícita de um ou mais micronutrientes (vitaminas e a maioria dos minerais). “A fome oculta pode passar despercebida em uma avaliação clínica, mesmo que o indivíduo já esteja com um quadro de alterações metabólicas”, explica Ramalho. “Nesse caso, é preciso estar atento a sinais subclínicos”, completa a nutricionista.

Para a professora, a mudança do padrão alimentar tem total associação com o aumento da prevalência da fome oculta. A síndrome, que passou a ser estudada mais de perto a partir do início da década de 1990 graças a indicadores mais sensíveis, atualmente ganha atenção dos especialistas. “Hoje em dia, a fome oculta se caracteriza como o problema nutricional mais impactante e mais prevalente do mundo”, afirma Andréa Ramalho, lembrando que um em cada quatro indivíduos no mundo sofre da síndrome.

Fome oculta, segundo a especialista, não tem relação alguma com desnutrição. Entretanto, por muito tempo se pensou dessa maneira. “Houve um retardo muito grande da definição dos fatores determinantes da fome oculta, porque sempre se pensou que o problema estava relacionado aos fatores determinantes da desnutrição, em que há uma relação com a pobreza e com a baixa escolaridade”, destaca Ramalho. “Como prova disso, na contramão da queda da desnutrição que pode ser observada no mundo, há um aumento da fome oculta”, complementa.

Segundo ela, por isso, a síndrome pode ocorrer em qualquer classe social e em qualquer faixa etária. Entretanto, algumas faixas de idade representam grupos de risco, por estarem em momentos biológicos que exigem maior demanda nutricional. As fases da adolescência, gestação e lactação se destacam.

O que há de errado

A carência de qualquer micronutriente caracteriza a fome oculta, contudo, a carência de algumas vitaminas e outras substâncias se destaca, seja porque são mais estudadas, seja porque o impacto no organismo é mais intenso. “Há carências que saltam aos olhos, pelo impacto causado. Entre elas, a do ferro, das vitaminas A e D, do folato e do zinco”, exemplifica a professora. Segundo ela, essas carências trazem um quadro de problema de saúde pública.

De acordo com a nutricionista, a preferência por alimentos ricos em carboidratos, açúcares simples e gorduras saturadas, associada ao baixo consumo de frutas e hortaliças, tem um papel fundamental no desenvolvimento da fome oculta. “Há algumas dificuldades de convencer a população a consumir esse tipo de alimento. As pessoas fazem um consumo muito baixo, principalmente de hortaliças”, avalia a professora. Como alternativa às folhas, há o fígado, também fonte de vitaminas e ferro, mas, também, não desfruta da preferência nacional.

A professora lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a pessoa consuma, no mínimo, quatro porções de frutas e hortaliças por dia, dependendo do seu perfil. “De acordo com o estilo de vida, esse número pode chegar a nove porções”, acrescente Andréa Ramalho.

— A população precisa saber as conseqüências do consumo sistemático do arroz, feijão, bife e batata frita. A variedade de nutrientes é fundamental —, afirma. A especialista alerta para o costume de optar pelo alimento saboroso nem sempre é a melhor opção. O sabor agradável está relacionado, muitas vezes, à presença de gordura e açúcares, que contribuem para um quadro de obesidade e desequilíbrio do metabolismo. “Os alimentos se tornaram baratos e saborosos. Só que esse barato e saboroso acaba saindo por um preço muito alto, pois para ele ser barato, a qualidade é muito comprometida”, considera a professora.

O que a síndrome pode causar

Além dos problemas relacionados à obesidade e à síndrome metabólica, agravadas pela fome oculta, algumas conseqüências podem não estar associadas ao excesso de peso. Entre estas, Andréa Ramalho cita a baixa criatividade, dificuldade de concentração e alterações de humor. Segundo a professora, esses sintomas são dificilmente relacionados a um déficit nutricional, mas ficar atento a eles é fundamental. “Com isso, o indivíduo não exibe suas potencialidades e fica à margem das atividades sociais”, comenta.

A recomendação da especialista é para que o acompanhamento nutricional seja buscado. “Independentemente da presença dos sintomas, a prevenção é tudo”, finaliza a nutricionista.