• Edição 125
  • 08 de maio de 2008

Ciência e Vida

Degradação de enzima heme pelo Aedes aegypti


Priscila Biancovilli

Uma pesquisa do Instituto de Bioquímica Médica, apresentada recentemente pela estudante de doutorado Luiza de Oliveira Ramos Pereira, cerca um ponto bastante peculiar dentro dos modelos de insetos hematófagos. Seu trabalho busca analisar como o mosquito da espécie Aedes aegypti, conhecido transmissor da dengue, lida com a digestão do sangue ingerido. Sua tese de doutorado “A degradação de heme em Aedes aegypti e os papéis desta via no intestino médio” originou-se de um longo trabalho inciado em 2003, envolvendo vários problemas e perguntas associadas.

- O Aedes aegypti ingere uma quantidade de sangue muito grande para se alimentar, e eles têm o problema, ainda, de serem percebidos e mortos durante a ingesta. Uma das maneiras de evitar este risco é tentar conseguir o máximo de sangue de uma vez só, ingerindo muitas vezes mais que o próprio peso. Uma das proteínas mais abundantes no sangue é a hemoglobina, que pode ser tóxica ao mosquito caso ingerida em grande quantidade. Acontece que a digestão da hemoglobina produz uma substância chamada heme. Claro, é através da alimentação sanguínea que os mosquitos obtêm os nutrientes para se reproduzirem, mas, por outro lado, isso representa um problema, pela produção desta molécula potencialmente tóxica -, explica Luiza.

Ao longo da evolução, estes insetos desenvolveram uma série de mecanismos de defesa, alguns deles até redundantes. Um  é a degradação enzimática do heme, que produz uma molécula menos tóxica para eles. Esse mecanismo já foi identificado em vários outros organismos, não só no mosquito da dengue.

Barbeiro

O trabalho desenvolvido anteriormente pela professora Gabriela Paiva e Silva, com o barbeiro (vetor da Doença de Chagas), mostrou que este inseto hematófago é capaz de degradar o heme, mas através de um método diferente dos que já haviam sido descritos anteriormente. Se por um lado a estratégia fisiológica era parecida, por outro, o jeito pelo qual ele fez isso foi completamente diferente de qualquer outro organismo já descrito: plantas, mamíferos, bactérias, entre outros. “Isso está associado a um processo de evolução diferente. Esta peculiaridade revela a existência de uma via bioquímica distinta, que pode propiciar o desenvolvimento de drogas específicas que ataquem o barbeiro, por exemplo”, esclarece a professora.

Foi neste contexto que a pesquisa de Luiza teve início. “Tentamos ver se o Aedes aegypti fazia isso, como fazia e que conseqüências gerava no contexto da digestão”, continua Gabriela.

A pesquisa da Luiza no mestrado começou em 2003, e com o barbeiro teve início em 2000. “De 2000 a 2004 trabalhamos bem intensamente com o barbeiro, mas ainda não conhecíamos a enzima. Com o Aedes foi um pouco mais fácil, pois já tínhamos referências do trabalho anterior, nele o mosquito teve seu genoma seqüenciado e publicado, o que facilitou nosso trabalho. Recentemente, o genoma do barbeiro também começou a ser seqüenciado e estamos participando desta iniciativa”, explica.

Complexidade

Na verdade, não é uma única enzima que quebra o heme em moléculas menos tóxicas. “Provavelmente existem muitos outros passos, caracterizando uma via um pouco mais complexa, ainda mais se considerarmos o mosquito barbeiro. Com relação ao Aedes, observamos que a molécula do heme é bastante parecida com a biliverdina produzida pelos mamíferos. Em resumo, os dois insetos quebram o heme, mas executam isso de formas diferentes. Isto sugere que evoluíram de formas diferentes, mas encontraram maneiras interessantes de metabolizar esta substância”, afirma Luiza.

Os próximos passos a partir de agora são interferir na produção desta enzima pelo inseto e tentar ver o quão menos adaptável ele ficaria ao hábito sanguíneo. “Será que os mosquitos que expressam menos estas enzimas terão uma resistência menor? Esta é uma das questões que buscaremos responder em breve. A partir daí esperamos que surja alguma possibilidade de controle destes insetos. Nosso grupo de pesquisa não tem interesse em desenvolver algo diretamente aplicável a esta intervenção, mas é clara a perspectiva de que, se descobrirmos que enzima é essa que quebra o heme, poderemos desenhar drogas que sejam específicas (por exemplo, inseticidas), usadas para controlar a população destes vetores. Uma outra possibilidade é a produção de vacinas, usadas para imunizar os seres humanos”, enumera a professora.

Pesquisa

Este trabalho surgiu como derivação de um outro, desenvolvido pelo professor Pedro Lagerbad de Oliveira, titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ. A pesquisa de sua equipe consistia em estudar os mecanismos de defesa anti-oxidante nestes vetores. Foi ele, portanto, que iniciou a pesquisa geral, de entender como o inseto consegue lidar e se proteger contra o desafio gerado pelo heme.

- Interessante é que estes insetos, por serem hematófagos são os vetores das doenças. Entender como estes animais lidam com o sangue e com os produtos de sua digestão é essencial para saber também como estes parasitas (transmitidos pelo mosquito ao homem) se defendem. Apesar de olharmos apenas o inseto, isto nos permite conhecer esta interação complexa entre o hospedeiro vertebrado (homem), o mosquito e os vírus transmitidos por eles -, finaliza a professora.