• Edição 122
  • 17 de abril de 2008

Ciência e Vida

Rações contaminadas prejudicam viveiros de camarões

Priscila Biancovilli

O Brasil é um dos maiores produtores de camarão em viveiros. Nos últimos dez anos, as exportações brasileiras acompanharam a tendência mundial e cresceram de forma considerável. De 1997 a 2003, a renda gerada pela carcinicultura no Brasil passou de 2,8 milhões para 142 milhões de dólares. Apesar da euforia do início da década, atualmente a indústria vem sofrendo com a estagnação. Diversos motivos competem para explicar a crise: o crescimento acelerado na produção de outros países, que gera maior competitividade, diminuição dos preços e, consequentemente, do lucro; a maior concentração de camarões nos viveiros (se antes havia cinco litros de água por camarão, hoje existe apenas cerca de um litro), fato que gera doenças e pode prejudicar o crescimento dos animais e, por fim, a contaminação das rações com metais pesados.

Como surgiu

Um grupo de pesquisadores da UFRJ e da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrantes do Recarcine (Rede de Carcinicultura do Nordeste), trabalha analisando diversos tipos de rações utilizadas nos viveiros. Dentre suas descobertas está a de que todas elas, em maior ou menor grau, estão contaminadas por cobre e mercúrio, dentre outros metais. “Iniciamos nossos trabalhos por volta de 2005, quando fomos procurados por um pesquisador de Fortaleza, Luiz Drude de Lacerda, que estava orientando a tese de mestrado de uma aluna que trabalhava com camarões no Ceará. Observou-se que havia contaminação por cobre nestes animais. Mais do que isso, eles descobriram que a ração dos camarões também continha esta substância, entre outros metais pesados”, explica Mauro Rebelo, professor do Laboratório de Radioisótopos Eduardo Penna França, que faz parte do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ. Os dados destes pesquisadores sugeriam uma relação entre a diminuição do crescimento dos animais e o contato com o cobre. No laboratório da UFRJ, utilizam-se proteínas e uma série de outros mecanismos bioquímicos e moleculares que mostram o efeito dos metais pesados nos invertebrados. Daí o interesse dos pesquisadores no Ceará em se unir ao laboratório carioca.

A idéia inicial da pesquisa, desenvolvida pelo mestrando Diogo Azevedo Coutinho, era estudar a detoxificação de metais pesados no camarão, ou seja, que métodos estes animais utilizam para liberar o material tóxico de seus organismos. “O mercúrio é um metal não-essencial. Significa que qualquer concentração desta substância será prejudicial ao organismo. O mercúrio adere à gordura do corpo e não é eliminado com facilidade”, afirma Diogo.

Descobertas

Em um primeiro momento, o estudo buscou investigar se as metalotioneínas (proteínas de baixo peso molecular utilizadas por quase todos os invertebrados para eliminar metais pesados do organismo) realmente ajudam a detoxificar este metal pesado nos camarões. Descobriu-se, curiosamente, que os camarões não fazem uso deste método. “Apesar de não termos, ainda, uma definição do mecanismo de detoxificação do camarão, sabemos com certeza que o animal, em viveiros, é exposto de forma contínua ao mercúrio. Por enquanto, estas concentrações estão bastante abaixo do limite permitido para consumo humano (500 nanogramas por grama, enquanto os níveis observados atualmente chegam a no máximo 40 nanogramas por grama de camarão)”, esclarece Mauro.

Desta forma, o prejuízo recai não sobre os consumidores finais, mas sim sobre o próprio camarão, que gasta muita energia para se livrar destas substâncias e tem seu crescimento prejudicado. “Como já sabemos que eles não liberam este material pelas metalotioneínas, resta descobrir quais são as outras possibilidades. Por enquanto temos apenas hipóteses, não há nada provado. Temos dados da existência de mercúrio no músculo, no epatopâncreas (órgão correspondente ao fígado, estômago e pâncreas no animal) e na carapaça. Como esta substância vem da ração, sabemos que ela passa pelo trato digestivo, pelo músculo e é, em seguida, expelida junto com a carapaça”, complementa Diogo.

Quem contamina a ração?

Este material é produzido através de farinha de peixes menos valorizados comercialmente. “Existem duas hipóteses: ou a contaminação ocorre durante o beneficiamento (dentro da indústria), ou, a mais provável, os próprios peixes já vêm com mercúrio em seus organismos”, atesta o estudante. “Procurei saber se as fábricas de ração eram obrigadas a indicar algum dado relativo à possível contaminação do alimento e descobri que isto não existe. Ou seja, o produtor já compra uma ração contaminada, às vezes sem saber”, complementa. A não especificação pode levar o produtor a crer que determinado produto não afeta a saúde dos camarões, o que não corresponde à verdade.

O grupo busca investigar, neste momento, as formas de detoxificação do camarão. Esta descoberta facilitará o entendimento sobre os métodos utilizados pelo animal para se livrar do metal pesado, como o mercúrio prejudica seu organismo e de que forma o produtor pode gerenciar seu cultivo de modo mais eficaz. “É importante que o produtor exija, agora, um controle de qualidade maior destes fabricantes, antes inexistente. No entanto, independente disso, o teor nutricional da ração também é fundamental para determinar o crescimento dos camarões. A quantidade de proteínas, vitaminas, lipídeos e carboidratos também conta para a saúde e o crescimento dos animais. O mercúrio não é o único fator determinante”, explica Mauro.

Cerca de 70% do custo da criação vem da ração. Se este custo não propicia um crescimento adequado aos animais, devido à contaminação, gera um prejuízo enorme ao produtor. “É dinheiro jogado no rio. No final do cultivo, o camarão já tem muito mercúrio acumulado, porque sua concentração no músculo vai aumentando ao longo do tempo. Assim, o gasto de energia do camarão para se livrar daquele material compromete seu crescimento e gera prejuízos inestimáveis. Nosso maior objetivo é oferecer informações decisivas ao produtor”, finaliza o professor.