• Edição 120
  • 3 de abril de 2008

Faces e Interfaces

Os jovens e as comunidades on-line

Seiji Nomura e Aline Polillo

Com o advento das novas tecnologias, sobretudo a Internet, novas formas de interação se tornaram possíveis. Nesses espaços, habitados predominantemente por jovens, as distâncias perdem significado - é possível conversar com diversas pessoas de diversas partes do mundo sem sair da frente da tela do computador.

Por vezes, entretanto, casos como o jovem Vinícius Gageiro Marques, que foi estimulado ao suicídio por anônimos na Internet, nos levam à reflexão sobre o papel das redes sociais. Em uma tentativa de alimentar a discussão, o Olhar Vital consultou dois especialistas no assunto.

Amana Mattos

Psicóloga e mestra em psicologia pela UFRJ

“A sociedade do ‘consumo’ tem tecnologias avançadas capazes de colocar em prática determinados desejos antes apenas idéias. Como falar com alguém à distância, vê-la através da internet e poder circular por espaços múltiplos de informação. Esses avanços atualizam os desejos do sujeito moderno, o que nos faz perguntar: que subjetividade é essa que utiliza o Orkut para suas relações pessoais e utiliza o Google para procurar qualquer informação, se desvinculando da idéia de consultar uma biblioteca. Isso está ligado a minha pesquisa de doutorado que pensa a maneira como sujeito contemporâneo, em interação com essa nova liberdade, exercita certas idéias e noções, muito ligadas ao mundo privado.

Em geral, o que importa para o sujeito contemporâneo é o mundo privado, das relações afetivas. Nessa visão, a esfera pública se torna muito desinteressante. Essas redes de sociabilidade, todos os sites em que você pode acrescentar sua visão, atualizam a demanda de relações privadas, como mostra o próprio slogan do Orkut ‘quem você conhece’. Isso pode inflacionar a idéia de sujeito que você quer mostrar. É uma tecnologia, uma concepção de relacionamento compatível com o que se pensa no mundo atual.

A escola se torna um lugar cada vez mais desmerecido como transmissor de conhecimento. A família perde espaço para outras sociabilidades dos jovens. Talvez a religião tenha perdido há mais tempo esse valor.  Lidar com as novas tecnologias é um saber que o jovem e a criança têm. A escola e a família não têm. As crianças, que estariam em um espaço de total aprendizagem e formação do que elas serão, podem dominar algo sobre o que seus pais e a escola não têm tanto controle. É também uma forma de transgressão; estar conectado é não estar no espaço da escola ou da família, é não receber orientações. Na internet você faz seu caminho através dos links. Não é uma trajetória linear, não faz parte da lógica tradicional. É um espaço de experimentação.

Na escola, é preciso aprender certos conteúdos para depois ir avançando para conceitos mais complexos, em qualquer disciplina. Com a aprendizagem do espaço virtual, você não tem necessariamente um começo. Não necessariamente há um vínculo entre uma etapa e outra. O adulto pensa de outra maneira. Quem é formado em um sistema que tem a expectativa de um aprendizado em longo prazo, contínuo. É um projeto de desdobramento muito diferente da experiência virtual.

Apesar de nunca ter feito nenhum estudo sobre isso, como curiosa sobre o assunto, não dá para se falar de um corte social tão determinante na utilização desses fóruns, pelo menos no espaço urbano. Nas comunidades, as lan-houses são um fenômeno. Há bastante uso de internet, nas metrópoles em geral. Pelo barateamento da tecnologia e a presença desses espaços, há mais acesso. Passou a ser um modo de se expressar.

São coisas muito valorizadas hoje, mas que o adolescente tem que esperar. Tem que esperar ser adulto para ter um trabalho bacana. Tem que esperar para falar de coisas sérias. O adolescentes têm o desejo de se realizar, falar de si, mas sem esse lastro garantido pela sociedade. A internet abre a possibilidade de falar sobre as coisas. Eu acho que isso está mais ligado a histórias pessoais que a um perfil.

Em um mundo em que o emprego é difícil, a competição é acirrada, constante e a sobrevivência se torna uma batalha diária, as pessoas cada vez mais pensam em si. É preciso pensar o papel do capitalismo nisso, a idéia tomada como natural, a de não haver lugar para todos no mundo produtivo. Quando falamos das relações virtuais, elas põem em prática o que já acontece no cotidiano. As relações que aparecem são relações de muita afirmação de si. No momento em que a situação com o outro se estremece e causa algum mal-estar, é muito fácil se desligar. Não acho que essa efemeridade, porém, seja só do espaço virtual. Ele potencializa isso, mas a causa não está na Internet e sim na sociedade em que vivemos.

Em nosso cotidiano, ignoramos o que não nos interessa. Ignoramos os meninos nos sinais de trânsito. Quando as pessoas pedem ajuda, estamos ocupados no trabalho. Na internet, você pode simplesmente descartar as ligações. É uma fantasia sempre presente, mas que na vida ‘real’ tem empecilhos que não estão tão presentes na internet.

Nesses espaços, a tensão a respeito do ‘é verdade ou não’ é maior porque os indícios do outro podem ser forjados. Você pode montar quem você quer ser. Mas será que é realmente falsa uma identidade assim construída? Será que as noções de falso e verdadeiro conseguem descrever essa situação? Quando monto o perfil ‘fake’ no Orkut, exercito a liberdade de expressão, de criação e exercito a individualidade. Talvez ele seja o que há de mais verdadeiro nessa maneira de se pensar.

Perguntar se é verdade ou não o que se vê lá está um pouco fora de contexto. Aquilo não é uma extensão do e-mail ou caderno de contatos. É uma maneira diferente de se relacionar. Tudo é meio uma brincadeira, quem usa muito não encara a sério seus limites.

Há um ônus desse superinvestimento na esfera privada. Há um afastamento, uma desobrigação ao mal-estar que faz parte da relação com o outro. Ter com o diferente vai ser, de algum modo, incômodo. Valores diferentes que vão se chocar, conflitar e questionar a posição do outro. As pessoas estão menos dispostas a sustentar esse mal-estar. Isso é o outro lado da moeda dos valores da atualidade.

De vez em quando, se vê nessas situações algo de catastrófico no que era apenas uma brincadeira virtual. Não dá só para pensar na dimensão prazerosa, feliz, experimental da internet, de encontros, de ampliação das redes. Tudo tem um custo, este é não estarmos dispostos a ser afetados pelo outro. Não sou nostálgica a ponto de achar que a juventude está perdida. Há coisas muito criativas em prática. Me assusta essa aposta tão convicta de que só é possível ter prazer em uma relação. A abdicação de uma educação em longo prazo torna o sujeito afetivamente despreparado para situações em que é preciso esperar a reação do outro. O tempo pode dizer mais que aquele momento com o outro. Acho que, nesse sentido, há um despreparo social das pessoas em geral de lidar com situações de incômodo.

Essa exaltação do aspecto prazeroso da cultura do consumo, deixa as pessoas muito perdidas quando as coisas desobedecem suas regras, quando não se enquadram nessa lógica do prazer. Estamos desprovidos de mecanismos para lidar com isso. As pessoas que estão tão imersas em sim mesmas talvez possam dar um espaço para aceitar o diferente, abrir mão de certas conquistas privadas para lidar com o outro.”

Cristina Rego Monteiro da Luz

Coordenadora do ciclo básico do curso de Comunicação Social da UFRJ

“Uma pessoa que tenha um equilíbrio emocional e uma saúde razoável em termos de organização da sua própria vida, da sua psiqué, não fica presa a nenhum fórum como aqueles sobre suicídio. Agora, é inquestionável estímulos piorem e agravem a situação de quem já tem uma tendência.

Hoje se utiliza a web para fazer amizades virtualmente e isso pode influenciar as relações interpessoais no futuro. Um estudo vem sendo desenvolvido desde o início do acesso mais amplo à internet, há pessoas que desenvolvem relações carentes de elementos de troca físicos, energéticos, o cenário, a ambientação, tudo isso o que cria uma informação na hora da gente contextualizar o contato, se perde. Então há uma distorção, por enquanto, sem um estudo que diga exatamente qual é a melhor maneira de se utilizar esse espaço e o que deve ser evitado. Acontece que algumas pessoas que têm dificuldades em algum aspecto, entretanto conseguem compensar as dificuldades através do trabalho ou das relações desenvolvidas pela internet. Casamentos estão acontecendo pela internet e nós não podemos dizer que vão fracassar, pelo único motivo do primeiro contato ser feito por ali. Ao mesmo tempo a tendência à individualização, ao isolamento não é uma coisa positiva em termos gerais. Então, como a presença de um veículo que veio para ficar vai influenciar o relacionamento da sociedade ainda é uma incógnita.

Se a dificuldade do jovem é a superação de algumas barreiras psicológicas ou pessoais, isso não vai ser tocado, vai ser contornado. O essencial é o que determina a qualidade de vida da pessoa, seja em qual for o seu âmbito, na boa condição afetiva dentro da família, no sentimento de integração no ambiente em que foi criada, no local onde estuda.

Então essas coisas como a afetividade, a amorosidade, a questão do pertencimento dessa pessoa é o que faz com ela se sinta mais feliz, porque existem pessoas de vidas muito difíceis, são pessoas alegres. Entretanto, há também quem viva em fartura, com boa situação para se desenvolver, contudo são pessoas com problemas de auto-estima, de infelicidade.

O ser humano precisa basicamente sentir-se participante, amado, com um mínimo de saúde na troca. Então o problema não é exatamente do veículo, é como a gente dizer que o rádio é culpado pela qualidade do programa que ele está transmitindo. O problema está no ser humano por detrás do aparelho. Ele também é responsável pela programação da internet. O que ele faz com isso vai determinar a qualidade dessa inserção tecnológica na vida da gente.

As pessoas mais tímidas que utilizam os fóruns como única fonte de comunicação podem ser mais vulneráveis às suas influências. Isso porque se a pessoa tem outra esfera de troca ela faz uma comparação, uma equivalência, ela tem condição múltipla de leitura, se ela só tem uma leitura que afasta o ser humano dela, talvez isso a fragilize.

A falta de amor atrai jovens para essas comunidades. A ausência de amor, para mim, congrega muitos dos problemas que nós vivemos hoje em relação às questões comportamentais pouco equilibradas, seja de jovens ou de adultos. Uma pessoa precisar aprender e se comunicar através de chat, site, fórum ou de uma comunidade sobre suicídio, isso é a ponta do icerberg. Esse menino que se matou não poderia estar integrado em atividades de grupo, não poderia ter demonstração comportamental de alegria. Então quem vive com uma pessoa dessas e não chega perto e não conversa, não procura saber o que está acontecendo com esta pessoa, que está só?

Não é exterminando os sites que as coisas vão se resolver, não é aplaudindo um site sobre suicídio ou violência, também; mas a origem e a raiz do problema é anterior ao momento. O jovem fica muito tempo na internet, buscando pessoas em sua linguagem, na que ele acredita compreender, e ter compreendidos os seus sentimentos. O problema está antes. Então, toda uma organização que envolve quem vive, hoje em dia, em grandes centros urbanos e de uma forma muito impessoal, leva a distorções. Essa é uma das muitas.

Precisamos perceber nossas próprias vidas, olhar para o que a gente gosta e para o que a gente quer, buscar o outro, auxiliá-lo. Dentro dessa roda viva estabelecida por gerações, em busca de melhores formas de viver, batendo nas contradições e batendo nas coisas com as quais a gente não concorda, também capazes de nos levar a coisas boas. Por isso, não necessariamente o novo traz em si, sempre, alguma coisa ruim, pode trazer muita coisa boa.

A internet trouxe rapidez de comunicação, informação disponível. Agora nada traz em si a solução plena, nunca houve tanta informação e há muito tempo não se vê tanta gente desinformada com tanta coisa à sua disposição. Quantas pessoas podem acessar hoje uma rede mundial e entrar nas bibliotecas sofisticadas. Elas têm acesso a informações que nunca nós teríamos, 20 ou 30 anos atrás, dentro de casa, em um clique no computador e, no entanto, as pessoas não estão mais felizes ou compreendendo mais as coisas por conta disso. Não é só a acessibilidade que dará contextualização. Precisamos do contexto, da informação, mas tudo forma um conjunto que deve ser regido pelo espírito humano.

Os jovens usam mais a internet por causa do momento de vida que estão construindo os seus valores, querendo uma autonomia e querendo se sentir plenos nela. Hoje, a internet sendo um instrumento de busca por excelência, não iria ficar fora desse quadro. Ela é muito útil do ponto de vista da “varredura” que um adolescente faz na sua busca por semelhantes, por falas emocionadas, por valores significativos.

Com relação às chamadas identidades falsas, acho que a sociedade criou tantos padrões de excelência destoantes da realidade, que as pessoas têm muita dificuldade de olhar para si e gostar do que vêem. Então, blogs como os de bulimia e anorexia são tentativas desesperadas de se encaixarem nesse padrão ditado pela sociedade industrial. As características físicas de quem não se encaixa nesse perfil, fazem com que se sintam constrangidas em uma sociedade na qual as pessoas vão aos lugares buscando aprovação, a partir dos parâmetros de beleza física ou padrões comportamentais. Os jovens têm uma necessidade de se sentirem em grupo. Cada um vai procurando e a internet, instrumento de busca por excelência, naturalmente estaria na ordem do dia.

A sociedade necessita de ampla discussão em relação aos padrões considerados suportáveis. Quando esses padrões forem ultrapassados, deveria haver uma forma de contenção. Eu não sou a favor da censura como uma prática constante, mas não acho que a gente deva admitir tudo. Acho, ainda, que algumas coisas devem ter seus âmbitos limitados; aquelas excessivamente agressivas à própria vida não podem ter espaço dentro de uma rede livre mas não totalmente independente de controles. Se existe controle para algumas coisas, por que não evitar determinadas mensagens contrárias à essência da vida.”