• Edição 114
  • 31 de janeiro de 2008

Por uma boa causa

Lagartas que queimam

Clarissa Lima

Insetos causam temor a muitas pessoas. Mulheres se atormentam com baratas, outras pessoas têm verdadeira fobia a aranhas e sapos… De fato, a aparência destes bichos não é nada agradável além de oferecer motivos para se tomar cuidado. Por exemplo, as lagartas dos gêneros Lonomia e Podalia, comuns no Brasil, causam queimaduras na pele e podem ocasionar problemas ainda mais sérios. Conhecidas popularmente como lagartas de fogo ou taturanas, estas larvas têm diversas especificidades importantes.

Ednildo de Alcântara Machado, professor do Departamento de Entomologia Médica do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ, explica que esse tipo de inseto atinge outra fase da vida ao se transformar em lagarta. “A lagarta de fogo é a fase larval da mariposa. O ciclo de vida da mariposa é formado por quatro etapas: ovo; larva ou lagarta (período no qual ela come muito e fica cerca de 20 ou 30 vezes maior do que era no momento da eclosão do ovo); pupa (fase parecida com o casulo da borboleta); e, finalmente, inseto adulto, que não oferece perigo”, esclarece.

Atualmente, o Sudeste é a região brasileira que apresenta maior incidência de acidentes com taturanas. Elas também são encontradas no norte do Paraná e no Mato Grosso. Seu ambiente de vida é tipicamente rural, pois elas se alimentam de folhas, e, nesta fase da vida, precisam de muito alimento para se desenvolver.

Causa das queimaduras

Lagartas que oferecem risco de queimaduras normalmente apresentam em seus corpos estruturas externas que podem se assemelhar a pinheiros natalinos ou pêlos. De acordo com o professor, estas estruturas contêm toxinas que causam as feridas na pele.

- Normalmente, estas lesões se caracterizam por resposta inflamatória imediata. A dor é intensa, havendo também inchaço, vermelhidão e formação de edema no local onde houve o contato entre a pessoa e o animal. A intensidade da queimadura depende da espécie envolvida – explica Ednildo.

A maioria desses insetos vive solitário. A Podalia, por exemplo, faz parte do grupo de lagartas de fogo que não se aglomera. Por isso, normalmente, o contato com ela não é grave. O gênero Lonomia, cuja espécie mais comum no Brasil é a obliqua, é responsável pelo maior número de notificações, devido à sua gravidade.

- A Lonomia apresenta maior periculosidade porque, além de viver em grupos, gera um quadro hemorrágico que se agrava se não for tratado corretamente. O contato com muitas lagartas deste gênero pode levar à morte, alerta o professor.

Por causa disso, a toxina deste tipo de lagarta já é mais compreendida no Brasil. Segundo Ednildo, o Instituto Butantan, especializado em pesquisas com venenos de animais, já desenvolveu um soro contra o veneno da Lonomia.

- Certamente, não se pode comparar estas lagartas a cobras, as quais são o foco dos estudos do Instituto Butantan. Há uma diferenciação entre animais peçonhentos e venenosos. Os peçonhentos, como cobras e escorpiões, são capazes de lançar seu veneno contra uma presa ou quando se sentem ameaçadas. O grupo de animais venenosos, no qual se enquadram as lagartas de fogo, simplesmente apresenta as toxinas, mas não pode liberá-las contra ninguém – ressalta o professor.

A confecção do soro anti-Lonomia foi necessária devido ao aumento do número de notificações e à gravidade do quadro dos pacientes. “O desequilíbrio ecológico causado pelas atividades humanas trouxe conseqüências graves. Uma delas é o aumento da população de lagartas. Uma vez que o homem reduz, em suas investidas contra a natureza, a quantidade de predadores destes insetos, a tendência é que eles continuem a se reproduzir e a se espalhar. Como se tornam insetos voadores na fase adulta, sua capacidade de dispersão é alta, o que torna ainda mais difícil o controle”, afirma Ednildo.

Para mensurar a gravidade dos acidentes causados por Lonomia, o entomologista diz que o procedimento mais usado é a coleta de sangue.

- O tempo de coagulação do sangue indica o grau do problema. Geralmente, quando retiramos sangue de uma pessoa e o armazenamos em um recipiente, logo este sangue está completamente coagulado. Quando a contaminação com as toxinas da Lonomia é grave, o sangue não coagula, pois o veneno da lagarta inibe o processo. Isso pode resultar em hemorragias. As mucosas nasal e oral são muito sensíveis e acabam sendo suscetíveis a sangramentos intensos, que podem ser impulsionados por uma pequena ferida. Além disso, a não-coagulação sangüínea também pode ocasionar falência renal – informa o professor.

Reumatismo dos seringueiros

A Pararama é um tipo de lagarta de fogo que aparece com mais freqüência na Região Norte do país, em especial no Acre e no Pará. O professor tem interesse especial nestes animais que causam o mal chamado “reumatismo dos seringueiros”.

- Este problema pode ser classificado como doença ocupacional. Os trabalhadores dos seringais se expõem repetidas vezes ao contato com estas lagartas para realizar seu serviço. E, por alguma razão ainda desconhecida, as toxinas das Pararamas, além de dor e inflamação típicos, causam processo de artrose progressiva. Assim, após muitas queimaduras, os seringueiros perdem o movimento das mãos e ficam impossibilitados de trabalhar – esclarece o especialista.

Ednildo destaca também que este caso ainda é pouco estudado, pois ocorre em regiões mais remotas e o número de notificações é baixo. Ele alerta, entretanto, que tal assunto é digno de atenção, em especial devido às condições da população atingida por este mal.

Tratamento das feridas

Queimaduras causadas por lagartas do gênero Lonomia são tratados com soroterapia em ambiente hospitalar. No caso de feridas por contato com Podalia, uma boa medida inicial é lavar a área inflamada com água, sem fazer uso de produto químico. Se houver agravamento do quadro do acidentado, deve-se procurar um médico.

- São feridas que causam dor bastante intensa, por isso as pessoas vão ao hospital. Administra-se para estes pacientes medicamentos como anti-inflamatórios, e, algumas vezes, anti-histamínicos (devido à semelhança das lesões com reações alérgicas) e analgésicos (para acalmar o paciente). Não há soro específico para outras lagartas além da Lonomia –  informa o professor.

O cuidado das feridas com Pararamas é puramente sintomático e paliativo, pois pouco se sabe sobre suas toxinas, o que impede a reversão do quadro.

Enfim, é bom prestar atenção a locais de condições favoráveis às taturanas. Em caso de acidente, é aconselhável coletar o animal, com auxílio de luva grossa, colocando-o dentro de um recipiente de vidro. Isso pode facilitar o diagnóstico se houver agravamento do problema e indicar espécies que estejam se desenvolvendo na localidade. Assim, é possível prevenir-se contra acidentes.