• Edição 111
  • 13 de dezembro de 2007

Ciência e Vida

O soropositivo e sua relação com a doença

Seiji Nomura

A AIDS é uma das doenças mais em foco na mídia atualmente. Descoberta nos anos 80, a doença, que já foi sinônimo de morte iminente, hoje em dia já pode ser tratada de modo que seus portadores possam ter qualidade de vida praticamente normal durante vários anos. Isso se deve ao chamado coquetel anti-retroviral, que permite uma recuperação da resistência imunológica do indivíduo.

Gisela Cardoso, psicóloga do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), destaca, mesmo que o tratamento exista, muitos enfermos acabam não o seguindo. “É importante frisar que não é a maioria dos pacientes, mas ainda assim são muitos os que não aderem a essa rotina; aqui no Hospital Universitário, são cerca de 15%”, esclarece a médica.

Para entender porque tantos portadores do vírus não utilizam o coquetel e outras formas de tratamento, a psicóloga conduziu a pesquisa “As representações sociais da soropositividade e sua relação com a observância terapêutica. Em geral, os pacientes que aderem ao tratamento não tiveram dificuldades de falar e gravar entrevistas sobre a doença. Os que não aderem, por outro lado, nem sempre falaram tão abertamente. Para eles o assunto é mais delicado”, declara Gisela.

De acordo com ela, uma das maiores dificuldades enfrentadas é que o próprio indivíduo se aceite soropositivo. “O mais confortável psicologicamente é fingir que você não tem a doença. O próprio portador acaba sendo preconceituoso com esta condição e se nega a aceitar que tenha contraído a AIDS”, diz ela.

— Embora pareça fácil, adaptar-se a essa rotina de medicação exige muito das pessoas. Alguns remédios têm horários rígidos, outros exigem jejum. Os efeitos colaterais, como a lipodistrofia, por exemplo, são outro problema. O paciente começa a ter mudanças físicas. Ele acaba nem se reconhecendo, começa a se achar feio e magro demais. Nessa situação, eles querem largar seu tratamento –, afirmou a pesquisadora.

A médica também ressalta a importância da família no processo. “Muitas pessoas acabam largando o tratamento porque a família não dá muito apoio. Faz muita falta o suporte que ela pode dar, mesmo o de sempre lembrar do horário dos remédios”, observa ela.

A religião pode ser outro fator relevante. A psicóloga afirma que na maioria das vezes, a fé serve para dar sentido para a vida e tranqüilizar os portadores. Mas também destacou que alguns indivíduos estabelecem uma relação religiosa perigosa por colocarem todas as suas esperanças pela cura em milagres e deixarem o tratamento.

Em sua pesquisa, a doutora observou diferenças importantes entre homens e mulheres na relação com o HIV. “Elas me relatavam que compartilhavam o diagnóstico, mas se sentiam muito discriminadas nos meios familiar e social. O homem se sentia acolhido, não sentia que ser soropositivo o colocasse de lado, o discriminasse. As pessoas não entendiam as mulheres ou até não acreditavam. Outra coisa que percebi é que a mulher muitas vezes fica muito preocupada com a família dela. Desloca toda a atenção dela para os outros e quando vai tomar conta de si mesma já está exausta. Por isso, é preciso uma atenção especial com pacientes do sexo feminino”, declara a médica.

A psicóloga ainda destacou que o preconceito da sociedade ainda é muito grande, embora tenha melhorado. “Já fizemos avanços na educação. Ainda há muito a fazer, mas agora já há um menor grau de discriminação. A doença está muito próxima de nós, é difícil alguém não conhecer alguém que foi infectado pelo HIV”, diz a especialista.

— Um dado importante é que alguns deles resolveram voltar para o tratamento. Muitas vezes, eles abandonam o tratamento e se sentem covardes ou ficam com vergonha de voltar. É importante que o hospital não desista desses pacientes. O profissional tem que acolher, saber ouvir. Quando a instituição de saúde é um apoio para o paciente, isso facilita muito – concluiu Gisela.