• Edição 111
  • 13 de dezembro de 2007

Por uma boa causa

A síndrome do coração partido

Marcello Henrique Corrêa

Comum para referir desastres amorosos ou algo do gênero, a expressão “coração partido” representa um forte choque emocional. Entretanto, a famosa metáfora serviu para dar nome a uma síndrome. Também conhecida como Takotsubo, por causa da semelhança entre a morfologia do ventrículo nesses casos e um dispositivo de pesca que recebe esse nome em japonês, a síndrome é caracterizada por sinais muito semelhantes ao infarto, como forte dor no peito.

Por causa dessa semelhança, a síndrome do coração partido é o assunto da segunda série de reportagens do Por uma boa causa sobre doenças que simulam outras. Quem explica os detalhes dessa ainda obscura doença é o médico do serviço de cardiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Ronaldo Franklin Miranda.

Causas

– Na verdade, não temos uma etiologia definida. O que a gente sabe é que, em geral, existe um forte quadro emocional que precede isso, mas o quanto isso é causa e efeito a gente não tem ainda bem definido – esclarece o cardiologista. A doença ainda é pouco conhecida. Os primeiros relatos registrados datam do início dos anos 90 no Japão. Apenas em 2001, um primeiro estudo foi publicado pela Revista do Colégio Americano de Cardiologia, em que foram analisados 88 pacientes.

O médico lembra, há autores que acreditam existir distúrbios endócrinos que levem a uma hiperatividade do sistema adrenérgico, e, por conta disso, essas pessoas reagiriam com uma intensa atividade das artérias coronarianas, dificultando a irrigação do músculo cardíaco. Mas Ronaldo Franklin deixa claro que são apenas hipóteses fisiopatológicas.

Mortalidade

Apesar de pouco conhecida, a síndrome pode levar à morte. Contudo, a taxa se apresenta baixíssima e, a maneira como a doença se comporta ainda é muito variável. “Na verdade, varia muito conforme a resposta do paciente. Não é uma resposta generalizada”, explica o cardiologista, lembrando que existem pessoas que vão a óbito.

Segundo Ronaldo Franklin, o que acontece, nos casos de morte, tanto na síndrome de Takotsubo quanto no infarto do miocárdio, é uma dificuldade do coração de desempenhar as funções necessárias e fundamentais para o funcionamento do organismo. “Acreditamos que, nessa síndrome, existe uma dificuldade de irrigação transitória”, afirma o médico. A diferença fica por conta da morte celular, o caso do infarto. Caracterizado por uma dificuldade de irrigação. Nessa síndrome, essa dificuldade parece que é reversível”, esclarece o cardiologista.

Takotsubo e mulheres

A doença ainda não apresenta causas confirmadas e também não representa um ponto de discussão importante no meio cardiológico. Nesse contexto, há uma característica que chama a atenção e que permanece no campo das especulações. Os estudos feitos até agora apontam uma significativa prevalência da síndrome em mulheres, em geral a partir da quinta década. Essa particularidade trouxe à tona discussões a respeito da suposta sensibilidade maior das mulheres e termos como “sexo frágil”.

Para o médico, contudo, ainda não é possível explicar essa prevalência e o que ocorre é apenas especulação. “O que acontece, na verdade, é que as mulheres, progressivamente, foram mudando de papel social. Por exemplo, antigamente, não se ouvia falar em câncer de pulmão em mulheres, pois elas realmente fumavam menos”, lembra o médico. A ciência, contudo, parece apontar na direção oposta. Segundo Ronaldo Franklin, as mulheres, em geral, vivem mais que os homens, além de, em geral, serem protegidas pelos hormônios. “Talvez elas sejam mesmo é o sexo forte”, considerou o médico, lembrando que também há casos de Takotsubo em homens.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico da síndrome do coração partido está relacionado principalmente ao quadro clínico e à característica morfológica do ventrículo, semelhante ao dispositivo de pesca que dá o nome à doença. É comum, contudo, a reversibilidade do quadro. “A possibilidade de reversão, contudo, varia de acordo com o tempo de contração do vaso”, explica o médico.

Para Ronaldo Franklin, não há problema em tratar da síndrome do coração partido como se fosse um infarto. “Normalmente, muitos dos indivíduos com takotsubo foram tratados como se estivessem sofrendo um infarto”, conta o médico. Segundo ele, a estratégia usada atualmente consiste em recanalizar o vaso o mais precocemente possível. “A população precisa saber se tem um sintoma que parece com um infarto, devemos pensar que é um infarto e levá-lo para a emergência como se fosse um infarto”, orienta o cardiologista.

A síndrome do coração partido ainda é um terreno bastante desconhecido para a comunidade médica. Como foi descoberta no Japão, o Brasil ainda não percebe mais claramente a doença. Para Ronaldo Franklin, contudo, não vai demorar muito para se ter, no país, informações mais detalhadas sobre a Takotsubo. “Acho que os estudos estão chegando ao Brasil e, nos próximos 15 anos, vamos fazer mais diagnósticos e o problema vai ganhar mais destaque” finaliza o médico.

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