• Edição 110
  • 06 de dezembro de 2007

Faces e Interfaces

A AIDS mudou?

Priscila Biancovilli

Nos últimos anos, avanços significativos no tratamento de AIDS aumentaram a expectativa e qualidade de vida dos portadores da doença. Se antes o diagnóstico da AIDS era interpretado como uma sentença de morte, hoje não assusta tanto. Afinal, é mais do que comum vermos portadores do HIV levarem uma vida saudável e independente, sem qualquer sinal de fraqueza.

Uma pesquisa realizada em nove países pelo MAC AIDS Fund, pertencente ao grupo de cosméticos Estée Lauder, revelou que mais de 40% das pessoas não considera a AIDS fatal. Apesar disso, a maioria ainda não se sente confortável para interagir com os portadores da doença e imagina que boa parte deles recebe tratamento médico adequado. A realidade, no entanto, passa a léguas de distância desta percepção. Hoje a AIDS ainda é uma das maiores causas de morte no mundo e, no ano passado, apenas uma em cada cinco pessoas que necessitava teve acesso ao tratamento.

Para discutir a percepção da doença nos dias de hoje, convidamos os professores Paulo Feijó Barroso, professor adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ, e Mônica Barbosa, coordenadora de Educação Comunitária do projeto de Vacinas anti-HIV do projeto Praça Onze-UFRJ.

 

Paulo Feijó Barroso

Professor adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ

"Quando falamos sobre o preconceito contra os portadores de HIV hoje em dia, é difícil avaliar se ele diminuiu ou se aumentou nas últimas décadas. É minha impressão que há uma melhora com as campanhas esclarecedoras. Entretanto há uma parcela da população que ainda considera que a  AIDS é doença mais comum em determinados grupos com comportamentos de maior risco (exemplo, homens homossexuais que não se protegem). Como ainda há, infelizmente, preconceito na sociedade contra algumas orientações sexuais, este eventualmente se volta contra a doença. 

Ainda assim, apesar de menor, ainda vejo um certo preconceito em pessoas que convivem com portadores de HIV. Que fique claro, o contato com copos, garfos, facas, privadas, cadeiras e quaisquer outros objetos compartilhados por portadores da doença não irá transmitir o vírus. O HIV tem uma sobrevida muito pequena fora do organismo.

Por sua vez, a visão que os portadores de HIV têm sobre a própria doença é muito variável. Embora existam tratamentos eficazes para conter a progressão da infecção, as pessoas que necessitam tomar os medicamentos aprendem (ao menos na maioria) que manter-se bem exige uma disciplina extrema. Não é tarefa fácil. Em contrapartida, a imagem da falta de expectativa não é mais tão presente. Antes, o portador da doença deveria tomar de 12 a 14 comprimidos, 3 ou 4 vezes por dia, e os efeitos colaterais eram bastante perversos. Hoje, ingere-se apenas 3 comprimidos, duas vezes ao dia, ou 4, apenas uma vez. É claro que ainda existem alguns efeitos colaterais. Por exemplo, alguns pacientes podem apresentar anemia, alterações no fígado, lipodistrofia (alteração na distribuição da gordura do corpo) que pode gerar um afinamento de braços, pernas e rosto, e um aumento de concentração de gordura no tórax, por exemplo. Mas isso não impede que se leve uma vida saudável e praticamente normal.

Na UFRJ, dentro do projeto Praça Onze, está em estudo o desenvolvimento de quatro tipos de vacinas anti-HIV, para prevenir a doença. No entanto, estas pesquisas ainda estão num estágio inicial e não existe sequer perspectiva de quando será concretizado o desenvolvimento destas vacinas.

Os profissionais que trabalharam com a AIDS desde os tempos em que pouco ou nada de medicamentos poderia ser oferecido acreditam que a cura da doença ainda será possível um dia (e aí me incluo). Mas, no entanto, não sei se veremos isto nas próximas décadas. A notícia boa é que a cada ano novos medicamentos, com menor toxicidade, com posologia mais cômoda e com ação em diversas etapas da replicação do HIV são desenvolvidos. O futuro é promissor."

Mônica Barbosa

Coordenadora de Educação Comunitária do Projeto de Vacinas anti-HIV do projeto Praça Onze da UFRJ

“A AIDS ainda é uma doença extremamente estigmatizante, porque envolve transmissão pelo contato sexual. Ainda há preconceito contra as pessoas soropositivas, em parte devido ao medo da contaminação, em parte devido ao moralismo que faz com que as pessoas com AIDS tenham sua conduta questionada. Quando o tratamento contra a AIDS era menos eficaz e as pessoas adoeciam e morriam mais de AIDS, o preconceito era maior. O acesso ao tratamento ajudou a diminuir o preconceito porque as pessoas começam a considerar a doença como algo crônico e não fatal, e por isso menos assustador. Outro aspecto que ajudou a diminuir o preconceito foi o fato de a epidemia ter se ampliado para grupos menos marginalizados, como as mulheres com parceiros fixos e os homens heterossexuais. Enquanto a AIDS estava restrita a grupos já estigmatizados (como os gays), o preconceito era maior.

O primeiro impacto do teste com resultado positivo ainda é muito difícil para a maioria das pessoas. Na maioria dos casos as pessoas ficam deprimidas, desanimadas e com pensamentos pessimistas com relação a adoecimento e morte. No entanto, com a orientação apropriada e o tratamento correto, as pessoas soropositivas voltam a se animar e passam a levar uma vida normal para quem tem uma doença crônica. Ter AIDS hoje ainda não é fácil. Os soropositivos precisam fazer acompanhamento médico regular, a partir de um determinado momento precisam iniciar a tomada diária de medicamentos, precisam aprender a conviver com os efeitos colaterais dos medicamentos, além de lidar com os aspectos subjetivos de estar infectado pelo HIV. É uma rotina difícil, mas aqueles que conseguem ter uma boa aceitação da condição de soropositivos, têm um bom ambiente familiar, têm suporte de amigos, têm um médico atualizado e que se tratam corretamente conseguem levar uma vida produtiva e com qualidade.

O público em geral confunde tratamento com cura. No momento, os pesquisadores não falam em cura. Não há perspectiva de se desenvolver um medicamento que faça com que uma pessoa infectada pelo HIV venha a se livrar do vírus para sempre. No entanto, existem enormes avanços no tratamento do HIV. Hoje em dia existem medicamentos muito eficazes que, usados no momento certo, fazem os soropositivos se manterem saudáveis por muitos e muito anos, trabalhando, fazendo seus planos. Há também um esforço muito grande no sentido de transformar o tratamento em um processo mais fácil, sem tantos efeitos colaterais e com mais conforto para o paciente. Por exemplo, há dez anos atrás um soropositivo precisava tomar 20 cápsulas de medicamentos por dia. Hoje, dependendo do tratamento, o paciente pode tomar quatro cápsulas por dia com o mesmo efeito.

Outra grande esperança é o desenvolvimento de uma vacina preventiva contra o HIV. Essa vacina faria com que pessoas saudáveis, após vacinadas, não viessem a se contaminar pelo HIV, ou caso se contaminassem não viessem a adoecer. As pesquisas de vacinas vêm sendo desenvolvidas há mais de dez anos, mais ainda não há previsão de quando se descobrirá uma vacina efetiva.”