• Edição 108
  • 22 de novembro de 2007

Ciência e Vida

O vírus de mil faces

Marcello Henrique Corrêa

Os anos 80 marcaram a descoberta da talvez mais temida doença contemporânea. A AIDS já fez muitas vítimas e continua se espalhando, principalmente nas áreas mais devastadas pela miséria e falta de recursos. O causador da doença, o temido vírus HIV, se apresenta de diferentes formas, todas nomeadas por letras do alfabeto (de A a K); todos os tipos são distribuídos pelo planeta. Entretanto, o tipo C apresenta prevalência em regiões como a África subsaariana e a Índia.

Esses dados levaram Marcelo Soares, professor adjunto do Departamento de Genética da UFRJ e chefe do Laboratório de Virologia Humana, a entender mais a fundo como se comporta esse subtipo. Em parceria com instituições do Sul do Brasil, onde esse tipo é prevalente, a pesquisa foi iniciada há anos. “Nós temos uma colaboração estabelecida com grupos do Rio Grande do Sul já há uns sete anos. Desde 2001, trabalhamos com eles do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e da Universidade do Rio Grande; começamos a nos interessar pelo tipo C endêmico regional”, relata o professor. Segundo ele, esse tipo ainda é pouco distribuído pelo país; de modo geral, há mais o tipo B, tal como o restante das Américas e a Europa Ocidental.

A prevalência do tipo C no Sul permitiu o aprofundamento de pesquisas com pacientes em tratamento na região. As análises apontavam que os pacientes infectados com tipo C reagiam de maneira diferente. “Observamos indivíduos infectados com tipo C, percebemos que eles tinham poucas mutações de vírus resistentes. Ao contrario do tipo B”, explica Marcelo. “Isso nos estimulou a fazer uma análise mais elaborada dessa aquisição de resistência nos dois vírus”, completa.

Segundo o pesquisador, em termos de patogênese da doença, os dois vírus, aparentemente, causam o mesmo nível de doença. Isto é, ambos causam efeitos semelhantes. Ele explica que a diferença entre eles é na seqüência genética do vírus. “Esses tipos do HIV que recebem essas letras do alfabeto são diferenciados, basicamente, pela seqüência gênica ao longo do genoma desses vírus. Mas, em termos de evolução da doença e estrutura mesmo do vírus, os tipos não diferem muito”, esclarece.

Apesar dessas diferenças genéticas, até hoje, não se indica tratamentos diferenciados de acordo com o tipo de vírus. Existem cerca de 20 drogas para combater o HIV e, segundo o professor, todas funcionam aparentemente bem. “Não parece existir diferença. Na verdade, esse foi um primeiro estudo que tentou detalhar a resposta desses deferentes tipos virais às drogas”, conta Marcelo. Ele explica que até o momento, sabia-se que eles respondiam de maneira semelhante. O pesquisador afirma que o objetivo da pesquisa é demonstrar que o tipo C adquire a resistência às drogas muito mais lentamente.

O tipo C, embora seja menos predominante nos países desenvolvidos, é o mais prevalente no mundo. Esse é o tipo encontrado em países da África Subssaariana e países superpopulosos como a Índia. As infecções encontradas nessas regiões correspondem a quase 2/3 do total. “Em números absolutos de infecções, o tipo C é muito mais prevalente do que o B”, afirma o professor.

Políticas internacionais e futuro

Por ser o tipo mais prevalente nos países mais ricos, há uma atenção maior para o tipo B nas pesquisas internacionais. Entretanto, Marcelo Soares é otimista em relação às políticas de controle da AIDS nos países mais pobres. Esforços da Organização Mundial da Saúde e da Organização das Nações Unidas, além de um plano liderado pelos EUA, estão tentando fazer com que nos próximos anos, boa parte da população tenha o tratamento garantido. “Isso indica que, nos próximos anos, vamos ter esse número crescente de infecções sendo tratadas com dinheiro internacional. Aos poucos, isso já está acontecendo”, afirma o professor. “A meu ver, certamente, a indústria farmacêutica vai se interessar, conforme apresentarmos a eficácia do tratamento”, completa.

Entre os objetivos para o próximo passo da pesquisa está a análise de novas drogas. “Essa pesquisa começou anos atrás. Logo, algumas das drogas mais novas ainda não foram avaliadas em nossa pesquisa. Precisamos avaliar essas drogas mais potentes, que vêm sendo utilizadas na terapêutica contra a infecção”, relata Marcelo.

Além disso, o acompanhamento de pacientes por um período mais longo representa também um possível avanço no estudo das terapêuticas da AIDS. “A combinação de drogas contra AIDS, o famoso coquetel, tem ainda 13 anos. Ainda não sabemos quais são as perspectivas a longo prazo”, afirma o pesquisador. Para ele, é fundamental aprender com o avanço da terapêutica e das pesquisas.

Um terceiro objetivo, ainda, é desenvolver pesquisas mais voltadas para o subtipo C. Segundo o professor, toda a parte de avaliação de resistência a drogas é feita com base no subtipo B. “Com o desenvolvimento de laboratório do subtipo C, podemos avaliar melhor o estudo de suscetibilidade a drogas”, conclui Marcelo Soares.