• Edição 107
  • 14 de novembro de 2007

Faces e Interfaces

A fórmula da juventude

Marcello Henrique Corrêa e Priscila Biancovilli

O medo de envelhecer ganha mais força a cada dia e técnicas se multiplicam, procurando encontrar um meio de afastar as doenças e “esticar” a juventude. Com a proposta de estabelecer o equilíbrio químico, a medicina ortomolecular consiste na reposição de substâncias e elementos naturais, como vitaminas, minerais, ou aminoácidos. A proposta da técnica é, além de proporcionarem um reequilíbrio bioquímico, combater os radicais livres.

Com origem nas idéias do premiado químico Linus Pauling, a técnica ganhou visibilidade e virou moda entre artistas e celebridades, principalmente quando o objetivo é manter a saúde e a boa forma. Revistas e programas de TV estampam exemplos, atestando resultados excelentes.

A medicina ortomolecular ainda gera divergências entre especialistas e ganha espaço, sob críticas dos mais conservadores. Para tentar esclarecer o sucesso da especialidade no aumento da longevidade, o Olhar Vital ouviu especialistas dos dois lados desse debate.

Carlos Montes Paixão Júnior

Coordenador do serviço de geriatria do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e professor da Faculdade de Medicina (FM/UFRJ)

“A medicina ortomolecular, como especialidade, não é reconhecida. Em local nenhum. Em 1998 o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma norma, dizendo que, em geral, qualquer especialidade que se proponha a atender as pessoas precisa primeiro estabelecer suas bases e atestar que realmente as medidas e técnicas usadas possuem algum valor científico. A Associação Médica Brasileira e o Conselho de Medicina não reconhecem a medicina ortomolecular como modalidade médica.

“Na verdade, essa idéia surgiu, ainda no século XX, a partir do químico Linus Pauling, prêmio Nobel de Química. Ou seja, ele não era médico. A idéia consistia no pressuposto de que se usássemos doses muito altas de alguns anti-oxidantes como vitaminas C e E, poríamos, com isso, diminuir o risco de câncer. Essa idéia nunca foi comprovada. Por acaso, ele morreu de câncer, apesar de usar doses muito altas dessas medicações.

“Vitamina não é simplesmente um complemento alimentar. Nas doses usadas pela Medicina, trata-se realmente de uma medicação, com uma série de efeitos colaterais importantes. Sistematicamente, ao longo dos anos, os anti-oxidantes usados dessa forma, como comprimidos, e as vitaminas não têm mostrado benefícios na prevenção de doenças de várias ordens: degenerativas, cardiovasculares, câncer, entre outros. Muito pelo contrário, alguns estudos muito importantes colocam o uso de algumas dessas substâncias como risco para câncer.

“Os princípios da medicina ortomolecular até hoje não foram comprovados. Ela não tem base sólida universitária. Não há treinamento em universidade nenhuma no mundo de medicina ortomolecular. Ela surgiu, a partir do Linus Pauling, e alguns médicos sem ligação com universidades resolveram encampar essa idéia. Na Europa, a técnica é desconhecida. Não se sabe o que ela é, exatamente porque ela não tem valor científico algum.

“O envelhecimento da população no mundo se deu, durante um bom tempo, independente dos avanços médicos. Os países mais ricos envelheceram devido à melhoria das condições de vida dos próprios países. Não dependeram da área médica. No caso dos países mais pobres, uma parte é devido à melhoria das condições de vida da população, que mudou comportamentos e se urbanizou. A cidade confere mais proteção, em termos de saúde e bem-estar, do que o campo. De algum tempo pra cá, a medicina teve, de fato, alguma influência na expectativa de vida de países subdesenvolvidos, principalmente por conta dos antibióticos, das vacinas e, mais tarde, por conta do tratamento de doenças cardiovasculares e de problemas que contribuíam para a alta mortalidade de mulheres, no parto.

“A medicina ortomolecular, nos moldes iniciais, não tem absolutamente nenhuma influência sobre o aumento da expectativa de vida das pessoas. Tem a ver, sim, com a melhora das condições de vida delas. Se considerarmos melhoria de condições sanitárias como avanço médico, podemos relacioná-las ao aumento da expectativa de vida das populações.

“A proposta da medicina ortomolecular ainda não encontrou bases científicas sólidas que fizessem com que alguém sério pudesse apoiar. É muito difícil para um médico dizer que algo não funciona. A expectativa do médico é de que haja, sempre, descobertas novas para que possamos garantir melhores condições para as populações.

“Temos que tomar muito cuidado para saber se aquela área de atividade profissional não é reconhecida pela comunidade científica, não tem publicações importantes nos grandes jornais médicos, por que isso acontece? A medicina ortomolecular ainda não disse ao que veio”.

Alexandre Mehreb

Mestrado em Nutrologia na UFRJ, especialista em medicina desportiva e com formação na área ortomolecular

“Podemos definir medicina ortomolecular como uma modalidade médico-filosófica que visa o reequilíbrio do perfil mineral no organismo, com o objetivo de melhorar a saúde do indivíduo. Perfil mineral é o percentual de todos os sais minerais existentes no corpo, como ferro, cálcio, fósforo, iodo, entre outros.

“Para iniciar o tratamento, precisamos fazer uma avaliação deste perfil. Alguns sintomas podem supor determinada necessidade, e não dependem apenas dos resultados de exames clínicos. O histórico familiar e hábitos de vida do paciente dizem muito.

“Existem alguns exames possíveis de serem realizados, como por exemplo o de cabelo (mineralograma). Os fios de cabelo podem indicar se determinada pessoa possui falta ou excesso de algum mineral. O exame de sangue também será útil para analisar o grau de stress oxidativo, cuja variação depende da quantidade de radicais livres no nosso organismo. Quanto maior a quantidade destas substâncias, mais nosso corpo será levado a consumir alguns minerais essenciais, como selênio, cálcio e manganês.

“Entretanto, estes exames são caros e ainda não muito confiáveis. Por este motivo, preferimos analisar o paciente através do histórico familiar e seus hábitos de vida. Este primeiro passo nos permitirá partir para o planejamento de reposição. Este reequilíbrio é feito por diversas frentes. Primeiro promovemos uma análise do sistema de vida daquela pessoa, avaliando seus níveis de stress emocional e ambiental, entre outros. Depois disso, buscamos formas de reduzir estas cargas de stress, utilizando métodos que buscam uma melhoria da qualidade de vida, como disciplinar horários, controlar o relógio biológico e organizar a parte nutricional (reposição de forma natural ou artificial os nutrientes do organismo).

“Os anti-oxidantes são substâncias que bloqueiam os radicais livres, como por exemplo a  vitamina C, bioflavonóides extraídos de frutas e vinho tinto, que devem ser consumidos para complementar o tratamento. Quando se promovem estas mudanças nos hábitos de vida, normalmente uma das conseqüências é o emagrecimento. Isto, no entanto, não é uma das premissas da medicina ortomolecular. Controlar a alimentação e praticar exercícios físicos naturalmente provoca a perda de peso.

“Lembro ainda que este tipo de medicina é mais uma tentativa de prevenção de doenças, e não de tratamento e cura. Por que fazemos um trabalho voltado para a diminuição do stress? Porque 90% das doenças são causadas por este motivo. Gripes, resfriados, viroses e até cálculo renal contam com o componente do stress em seu desencadeamento. Teoricamente o ser humano é imune a todas as doenças, e o desequilíbrio de seu organismo faz com que surjam os problemas.

“A medicina ortomolecular jamais vai substituir a medicina tradicional, como opção alternativa. Nunca se deve cancelar um tratamento com antibióticos e reposição hormonal, por exemplo, para apelar apenas a este método.

“Outro ponto importante é que, apesar do nome, este método não é reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina, pois não se trata ainda de uma ciência comprovada, testada e de eficácia garantida. Por isso não me considero um especialista ortomolecular, simplesmente porque isto ainda não faz parte das especialidades da medicina. Digo apenas que tenho formação nesta área.”