• Edição 106
  • 08 de novembro de 2007

Ciência e Vida

Células-tronco no tratamento de doenças respiratórias

Priscila Biancovilli

Há cerca de quatro anos, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolve pesquisas com células-tronco para o tratamento de doenças pulmonares. Os responsáveis são os professores Walter Zim, Patrícia Rocco e Marcelo Morales, todos do Laboratório de Fisiologia Celular e Molecular, dentro do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. No último mês de outubro, Marcelo ministrou o XIII Seminário Protecel: resultado das pesquisas básicas de terapia celular em doenças do aparelho respiratório, em que apresentou os últimos avanços nesta área.

Silicose

As pesquisas mais desenvolvidas são aquelas relacionadas ao tratamento da silicose, uma doença grave e incurável. “Costuma vitimar trabalhadores de pedreiras, marcenarias e até artistas plásticos que trabalham com cerâmica, porque o pó de sílica é inalado e causa uma lesão pulmonar grave (fibrose em forma de nódulos). Os pacientes sofrem muito”, afirma o professor Marcelo.

A sílica provoca uma inflamação permanente no organismo e, a partir do momento que é inspirada, não sai mais dos pulmões. Mesmo se a pessoa parar de inalar o pó, a doença não se minimizará, o processo inflamatório já foi iniciado. Por isso, qualquer melhoria neste quadro já é considerada de grande valor.

– Todos os nossos testes são feitos com animais; tivemos sucesso no tratamento da silicose pela da aplicação de células-tronco derivadas de medula óssea. A progressão da doença foi mais lenta e houve a melhora significativa destes animais –, explica o pesquisador.

Este avanço permitiu ao grupo solicitar um protocolo de tratamento de doentes com silicose, no Hospital Universitário. A princípio, apenas dez doentes serão atendidos. Caso haja sucesso, a técnica será aplicada de forma mais ampla.

– Na década de 1970, o Rio de Janeiro teve um grande desenvolvimento da indústria naval. Vários trabalhadores tiveram contato com a poeira de sílica durante muito tempo. Só para se ter uma idéia, os pacientes do Hospital Universitário são os que aspiraram esta substância ainda naquela época. Ela é de evolução bastante lenta porém sempre progressiva –, esclarece o professor.

Síndrome do desconforto respiratório e asma grave

Outra doença estudada é a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), causada principalmente por bactérias. “Esta é uma doença grave, que provoca o óbito de 50% de seus portadores”, explica o professor. A síndrome causa um quadro de insuficiência respiratória aguda, por uma intensa resposta inflamatória pulmonar. Segundo o especialista hoje em dia, ainda não existe tratamento adequado, apenas maneiras de amenizar os sintomas.

– Começamos também a estudar a asma grave. Esta doença provoca uma constrição das vias respiratórias e impede o ar de chegar aos pulmões. A causa deste problema é a hiperreatividade a qualquer alergeno, como poeira, ácaros e pólen de plantas –, explica Marcelo. Este é o diferencial da asma grave: a reação dos pacientes aos fatores provocadores da alergia é muito mais intensa e também pode levar à morte. Assim, o indivíduo precisa sempre carregar bombinhas que promovem a bronco-dilatação das vias respiratórias.

No início das pesquisas, acreditava-se que as células tronco atuavam substituindo as células daquele órgão, e restaurando seus tecidos. “Hoje sabemos que sua ação acontece pela liberação de fatores que fazem a resposta imunológica do organismo remodelar aquele tecido. No caso da silicose, o que as células fazem é liberar substâncias que diminuam a resposta inflamatória do pulmão, minimizando a gravidade da doença”, esclarece o professor.

Nenhum destes procedimentos foi aplicado em humanos, até o momento. Todos os testes foram feitos em animais. Os recursos para experimentação já foram aprovados pela Faperj. Mas, para este passo se concretizar deve haver a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Pesquisa com animais

Em relação à posição contrária à pesquisa com animais, de alguns setores da sociedade, Marcelo é categórico: “Sem animais não há pesquisa. Como é possível produzir vacinas? Antes de serem aplicadas em humanos, elas são testadas em animais. Até a pasta de dente que usamos foi testada em animais, para não nos causar nenhum problema. Hoje, temos uma expectativa de vida de 70, 80 ou 90 anos graças à experimentação animal”, afirma.

Para ele, proibir este tipo de experimentação é involuir. E, em raríssimos casos, podem ser aplicados métodos alternativos. “Imagine se tivéssemos que testar um antibiótico – talvez até tóxico – no próprio ser humano? A população precisa ter consciência que a utilização de medicamentos, sabonetes, vacinas, qualquer procedimento cirúrgico e até o tratamento do câncer, doença de Parkinson e Alzheimer foram feitos antes em animais. Apenas pessoas que conhecem e sabem como é responsável a utilização animal em experimentações pode afirmar com categoria se é contra ou a favor este tipo de prática”, finaliza.