• Edição 105
  • 01 de novembro de 2007

Por uma boa causa

Doença complicada e dispendiosa

Clarissa Lima

Durante o mês de novembro, Por uma boa causa vai apresentar reportagens sobre doenças degenerativas do sistema nervoso, falará de males conhecidos como o Parkinson e tanto quanto de patologias mais raras como pick, mal que acomete as regiões laterais e anterior do cérebro.  Para essa edição selecionamos a doença de Parkinson, que já afetou celebridades como o pintor Salvador Dali, o ex-pugilista Muhammad Ali, o ator Michael J. Fox e o músico Ozzy Osbourne.

A doença foi descrita pela primeira vez pelo médico inglês James Parkinson, em 1817. Originalmente chamada por ele de “paralisia agitante”, a patologia passou a ser conhecida como mal de Parkinson após sugestão do neurologista francês Jean Martin Charcot, considerado o “pai da neurologia”.

Marco Py, médico do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC/UFRJ), explica que as causas exatas do mal de Parkinson ainda são desconhecidas. “Conhece-se, porém, o mecanismo da doença. Ela ocasiona degeneração dos neurônios de uma região cerebral, a chamada substância negra. Estes neurônios são responsáveis pela produção de dopamina, um tipo de neutrotransmissor. Sua ação é facilitadora dos movimentos corporais e tem grande importância para a harmonia dos movimentos de todo o corpo. Sem dopamina suficiente, este equilíbrio se perde.”

Não há muitas informações a respeito do problema, mas o médico afirma que há probabilidade de o Parkinson envolver outras substâncias neurais. “Atualmente, sabemos que este mecanismo já proposto da doença não está completo. Outras regiões cerebrais também são acometidas, podem gerar sintomas de perda das funções cognitivas (memória, por exemplo), alucinações visuais e variações bruscas da pressão arterial, dentre outros.”

Com a redução das taxas de dopamina, surgem as conseqüências do Parkinson. O neurologista ressalta as mais comuns: “Ele causa tremor de repouso (ou seja, que são piores quando a pessoa não está se movimentando), bradicinesia (rigidez e lentidão) e hipocinesia (redução dos movimentos). Ocorre também alteração de postura (o corpo fica curvado e inclinado para a frente), o que pode ocasionar quedas freqüentes”.

Até mesmo os movimentos faciais sofrem alterações com esta doença. “Pode acontecer perda da mímica facial, ou seja, quando a pessoa fica sem expressão facial”, alerta Marco Py. A vagarosidade surge com este problema, graças à redução da marcha (chamada de marcha dos pequenos passos).

Alerta aos idosos

A doença de Parkinson afeta cerca de 1% da população acima dos 65 anos. Em sua maioria, os portadores do mal são homens brancos. Certamente, esta taxa de incidência não exclui a possibilidade de pessoas mais jovens, mulheres ou de outros grupos étnicos sofrerem deste problema.

Descobrir a existência do Parkinson, de acordo com o médico, não é difícil. “O diagnóstico é eminentemente clínico, depende de uma boa anamnese – entrevista em que o médico procura fazer com que o paciente relembre casos de doença aos quais já esteve relacionado – e exame clínico-neurológico. Exames complementares são necessários apenas para afastar outras causas mais raras de Parkinsonismo. Para o neurologista não é, geralmente, de complicada dedução. Por isso, é fundamental que o paciente seja avaliado por este tipo de especialista.”

Possíveis confusões referem-se a tremores essenciais, parkinsonismos causados por certos medicamentos (como anti-vertiginosos) e outras doenças mais raras. “Entretanto, com uma boa história clínica e um bom exame neurológico, esta diferenciação pode ser feita”, afirma o especialista.

Tratamento caro e indispensável

As formas de tratamento para a doença de Parkinson vêm avançando bastante nas últimas décadas. O método mais recente utiliza eletro-estimuladores cerebrais, segundo Marco Py, implantados cirurgicamente no cérebro, desativando determinadas estruturas cerebrais.

– Na verdade, o tratamento da doença sofreu uma revolução na década de 1960, com o advento da levodopa. Trata-se de um precursor da dopamina, que pode ser administrado por via oral e se transforma em dopamina no cérebro. Desta forma, pode-se repor a dopamina que não está sendo naturalmente produzida –, explicita o neurologista.

Existem também medicações alternativas (como agonistas dopaminérgicos, anti-colinérgicos e substâncias que prolongam a ação da levodopa), bem como há possibilidade de cirurgia estereotática, para lesar áreas específicas cerebrais, aliviando os sintomas da doença.

A população brasileira, entretanto, sofre para ter acesso a estas formas de tratamento devido ao seu custo elevado. Marco destaca que o problema é agravado pelo fato de se tratar de doença crônica, pela demanda de tratamento contínuo, por toda a vida. “Alguns medicamentos estão disponíveis na rede pública de saúde, mas não todos. A cirurgia é realizada em alguns hospitais públicos, como o INDC/UFRJ; já o implante de estimuladores é bem mais caro e pouco disponível no Brasil”, disse o professor.

Para piorar, ainda não há chance de cura para este mal. O médico adianta, no entanto, que a maior esperança vislumbrada no momento é o tratamento com células-tronco. “Teoricamente, elas poderiam tomar o lugar dos neurônios destruídos da substância negra. Isto, porém, ainda é experimental e carece de previsão de disponibilidade de resultados consistentes.”