Desde que foi descrita pela primeira vez, em 1906, a doença de Alzheimer tem sido alvo de várias controvérsias no meio científico. Agora, pesquisadores acrescentam mais uma peça a esse quebra-cabeça com uma nova tese: a de que a doença de Alzheimer é um tipo de diabetes.
Uma pesquisa recém-publicada no “Faseb Journal” (publicação da federação das sociedades americanas de biologia experimental) reforça essa idéia. O estudo, da Universidade de Northwestern (EUA), mostra que partículas tóxicas típicas da doença de Alzheimer (as ADDLs) deixam os neurônios resistentes à insulina e que isso prejudica a transmissão de dados entre eles.
"O estudo mostra que a doença de Alzheimer pode ser uma nova forma de diabetes que afeta especificamente o cérebro, o que a comunidade científica internacional está começando a chamar de diabetes tipo 3", afirma Fernanda De Felice, pesquisadora visitante da Universidade e co-autora do trabalho.
Segundo De Felice, que é professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o grupo pesquisa agora, in vitro, se as drogas para diabéticos podem prevenir o impacto das ADDLs. “Esses remédios são uma promissora abordagem terapêutica”, diz ela, ressaltando que ainda é cedo para saber se a terapia funcionará.
Paulo Caramelli, coordenador do departamento de neurologia cognitiva e do envelhecimento da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), acha a hipótese “interessante”. “Se confirmarem que a resistência à insulina nos neurônios está ligada ao surgimento da doença, isso pode ter um impacto enorme no tratamento.”
Mas, para Cybelle Diniz, diretora científica da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) - regional de São Paulo, as pesquisas ligadas à tese do diabetes tipo 3 ainda não são convincentes. “A deposição da proteína beta-amilóide por si só irrita os neurônios, gerando uma inflamação que pode matá-los. Isso afeta seu funcionamento como um todo, e não só seus receptores de insulina.”
Fator de risco
Já se sabe que quem tem diabetes tipo 2, especialmente quem não control a a glicemia, costuma sofrer leves alterações de memória e tem mais risco de desenvolver a doença de Alzheimer, diz Caramelli. "O cérebro é o maior consumidor de glicose do corpo. Se as células não internalizam a glicose, seu funcionamento fica comprometido", afirma o neurologista.
A hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue) pode levar à morte de neurônios, explica Rossana Russo Funari, geriatra do Hospital Edmundo Vasconcelos. "Repetidamente, isso leva à demência." Já a hiperglicemia lesiona os pequenos vasos sangüíneos, afetando a irrigação cerebral e matando neurônios.
Caramelli diz que a teoria do diabetes tipo 3 é, hoje, uma das áreas de pesquisa mais promissoras sobre Alzheimer, mas que há outras hipóteses.
Três grandes alvos de estudo na área são os processos inflamatórios no cérebro, o estrogênio e a nutrição - a incidência da doença é menor na região do Mediterrâneo, por exemplo, o que chamou a atenção para a dieta local. Mas esse viés também é controverso. "Provavelmente, não se trata de um fator, mas de todo o estilo de vida dessas pessoas", afirma Diniz.
GLOSSÁRIO
Entenda como as doenças se manifestam
Diabetes tipo 1
Doença auto-imune caracterizada pela destruição das células produtoras de insulina. Quando o organismo pára de produzir o hormônio ou o produz numa quantidade muito pequena, o paciente precisa receber insulina para metabolizar o açúcar. É mais comum antes dos 35 anos
Diabetes tipo 2
Ocorre quando o organismo produz insulina, mas as células musculares e adiposas se tornam resistentes a esse hormônio. Está relacionado à obesidade e ao sedentarismo e sua incidência é maior após os 40 anos. É de oito a dez vezes mais comum que o tipo 1 e pode ser tratado com dieta e exercícios, mas também podem ser necessários remédios por cia oral ou doses de insulina
Doença de Alzheimer
Acomete inicialmente a parte do cérebro que controla a memória, o raciocínio e a linguagem, mas também pode comprometer outras funções. A causa da doença é desconhecida e ainda não há cura. Apesar disso, há remédios e cuidados que podem ajudar a manter a qualidade de vida do paciente
Proteína beta-amilóide e ADDL
Essa proteína decorre de uma "quebra" anormal da APP, proteína normalmente presente no cérebro - ainda não se sabe o que causa essa fragmentação defeituosa. Uma vez criada, a beta-amilóide forma os ADDLs, que são partículas tóxicas. Esse processo está associado ao início da doença de Alzheimer
On-line Folha de São Paulo - SP, 18 de outubro, Editoria Equilíbrio
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