• Edição 103
  • 18 de outubro de 2007

Faces e Interfaces

Mulheres e saúde após os 50 anos


Priscila Biancovilli

Para manter (ou conquistar) a boa forma física e manter a saúde, muitos apostam na alimentação saudável, de baixo teor de gorduras. Uma pesquisa publicada na revista da Associação Médica Americana (JAMA), mostrou ser insignificante a relação entre a dieta, o risco de doenças cardiovasculares e o câncer em mulheres por volta de 50 anos. A pesquisa estudou 48.835 americanas no climatério ou menopausa. Aproximadamente 20 mil delas reduziram a ingestão de gorduras na alimentação. Destas, 655 desenvolveram tumores graves de mama e 27 morreram. No outro grupo de 30 mil mulheres – em dieta normal – foram 1.072 casos, com 53 mortes. Esta pequena diferença não se traduz em vantagem para o grupo das que consumiram menos gorduras. Outras pesquisas avaliaram a relação entre dieta e câncer de cólon e doenças cardíacas e também não trouxeram resultados animadores.

Será que esta pesquisa, baseada em evidências, pode trazer alguma alteração significativa na maneira como os médicos prescrevem tratamentos? Deve-se acreditar mesmo em suas conclusões? Convidamos os professores Edison Migowski e Wilza Arantes Ferreira Peres para avaliar esta questão.

Edison Migowski

Chefe da unidade coronariana do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“As doenças cardiovasculares resultam, em última análise, do desenvolvimento de placas de ateroma (gorduras) nas artérias. Essas placas de gordura se formam lentamente e são estimuladas por diversos fatores (chamados de risco) ainda não totalmente entendidos. Existem dezenas de fatores de risco descritos na literatura médica. Dentre eles, os mais estudados são fumo, obesidade, estresse, hipertensão, sedentarismo, diabetes, hiperlipidemia e herança familiar. Embora a formação destas placas de gordura se inicie ainda na adolescência, somente na idade madura suas conseqüências serão sentidas. O desenvolvimento destes ateromas precisa de tempo.

“A diferença na incidência de doenças do coração, em homens e mulheres, não é muito grande. Acontece, na verdade, a doença coronariana no homem se manifestar de maneira mais precoce que nas mulheres, e isso parece ocorrer por um possível efeito protetor do estrogênio – hormônio básico feminino –, que atrasaria o início da doença cardiovascular para depois da menopausa. Algumas doenças podem ocorrer mais em mulheres que em homens, como a febre reumática (doença imunológica que afeta articulações e o coração).

“Em relação ao tratamento de reposição hormonal, posso afirmar, ele não afeta em nada a incidência de doenças cardiovasculares. O uso rotineiro de reposição hormonal com a finalidade de prevenir doença coronariana foi abolido, pois ficou demonstrado um aumento inequívoco de mortalidade naquelas pacientes que usaram o hormônio.

“Para diminuir a incidência deste tipo de doença, as mulheres devem é combater os males da modernidade. Nas últimas décadas, ficou bem demonstrado o aumento de doença cardiovascular em mulheres, atribuído a hábitos masculinos adquiridos com o tempo, impostos pela ‘vida moderna’: fumo, estresse, sedentarismo, aumento de peso.

“Como a doença coronária é multi-fatorial, somente o controle integral e rigoroso de todos os fatores de risco envolvidos seria capaz de produzir um  resultado mais expressivo. O controle apenas do teor de gordura na dieta não foi suficiente para afetar a incidência de doença cardiovascular. O cuidado com o corpo e a saúde deve ser completo.”

Wilza Arantes Ferreira Peres

Professora de Nutrição Clínica do Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ

“Esta pesquisa tem lógica. O câncer possui três estágios: iniciação, promoção e progressão. O tempo de desenvolvimento da doença leva cerca de 10 a 20 anos, até a sua manifestação. Algumas mulheres que diminuíram a ingestão de gordura poderiam estar em um estágio desenvolvido do câncer, mesmo antes de descobrirem a doença. Desta forma, a menor ingestão de gorduras não produzirá efeitos.

“Os hábitos alimentares pouco saudáveis podem favorecer o desenvolvimento de diversas doenças, entre elas o câncer. Os cânceres de mama, vesícula e cólon são os mais relacionados à alimentação. A gordura está ligada ao aumento do nível de estrogênio circulante, na mulher. Além disso, altera o sistema enzimático, que regula o catabolismo (quebra) do hormônio. A maior parte dos tumores de mama possui receptores positivos de estrogênio e ter grandes quantidades dele estimula as células da mama a se duplicarem.

“Em relação ao câncer de cólon, podemos afirmar, o alto consumo de gordura aumenta a excreção de sais biliares no intestino. Quando metabolizados pelas bactérias intestinais, geram os ácidos biliares secundários. Esta substância estimula a atividade proliferativa descontrolada da mucosa do cólon intestinal, por isso é carcinogênica.

“No entanto, ninguém precisa parar de consumir gorduras. Deve haver um maior controle sobre a quantidade e a origem delas. Uma dieta com ácidos graxos N-3, muito presente em peixes e alguns óleos vegetais, não estimula o crescimento tumoral. Por outro lado, os ácidos graxos N-6 – bastante comuns em carnes e leites, por exemplo – facilitam o desenvolvimento dos tumores e a metástase (espalhamento do tumor maligno para outras partes do corpo). Os ácidos graxos N-9 (bastante comuns no azeite), por sua vez, parecem ter um efeito inibitório da carcinogênese da mama; junto a uma dieta saudável, contribui para a prevenção do câncer.

“As dietas prescritas por nutricionistas são diferentes para o sexo masculino e feminino. Existem diferentes demandas de energia, vitaminas e micronutrientes, entre homens e mulheres. De forma geral, para a mulher se prevenir contra o câncer, o ideal é ela evitar o alto consumo de gorduras e manter seu peso corporal dentro dos padrões. O tecido adiposo também produz estrogênio. Se levarmos em conta as mulheres já na menopausa e acima do peso ideal, podemos afirmar que elas têm um maior risco de desenvolver câncer de mama, porque continuam expostas ao estrogênio mesmo após a inativação dos ovários. O consumo de fibras também é fundamental para evitar o câncer de cólon, porque aumenta a excreção dos ácidos biliares secundários e outros carcinógenos da mucosa do cólon. Diversos alimentos são ricos em fibras, como aveia, farelo de trigo, feijão, todos os vegetais, frutas com casca, como maçã e pêra, laranja com bagaço, manga e mamão.

“Independente da idade, sempre é bom prevenir o câncer. Às vezes, até quando a doença já está instalada, é possível evitar metástase e recidiva (quando a doença volta algum tempo depois). Nunca é tarde para adquirir hábitos de vida mais saudáveis.”