• Edição 100
  • 28 de setembro de 2007

Por uma boa causa

Hemácias fora de controle

Flávia Fontinhas

Ao nos deslocarmos para regiões de elevadas altitudes, onde o ar é rarefeito; por hábitos como o fumo; mesmo devido à vida urbana, que traz consigo a poluição, em especial o gás carbônico (CO2); temos nossa capacidade de transporte de oxigênio para as células reduzida, o que força nosso organismo a produzir mais hemácias, gerando a policitemia.

A policitemia secundária é justamente esse excesso de origem fisiológica, e não traz maiores transtornos, uma vez que o organismo se encarrega de regular essa variação. Entretanto, existe um tipo de policitemia de difícil controle: a Policitemia Vera, tema abordado pela editoria “Por uma boa causa” dessa semana, encerrando o ciclo de matérias sobre Doenças Hematológicas.

A policitemia vera é uma doença de origem genética, caracterizada por um aumento do número de hemácias, também chamadas de eritrócitos ou glóbulos vermelhos. “Esse conhecimento de que a causa é genética é muito recente, data de quando foi encontrada finalmente a mutação nas células precursoras das hemácias, a causa dessa proliferação exacerbada de eritrócitos, chamada JAK-2”, afirma Nelson Spector, professor de Hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O sistema de produção de hemácias no organismo humano precisa ser muito controlado, uma vez que elas transportam oxigênio, e são, portanto, indispensáveis em sua distribuição para as células. O controle é feito nos rins, por um sensor de oxigênio; ele responde à queda no nível de O2 produzindo uma substância chamada eritropoietina, que, por sua vez, estimula a produção das hemácias. Então, toda vez que há uma baixa na produção de oxigênio, aumenta-se a produção de eritropoietina e, com isso, a medula óssea passa a fabricar mais hemácias.

– Não há uma causa estabelecida para a ocorrência da policitemia vera. A pessoa nasce sem o problema e, por razões ainda não exatamente claras aparece a mutação; por um mecanismo bastante complexo, essa alteração leva as hemácias a se proliferarem mais do que deveriam –, esclarece o professor.

Diagnóstico

A forma mais comum de diagnosticar a doença é a leitura do hemograma, caso ele apresente uma elevação anormal no número de hemácias, o paciente deve ser encaminhado a um hematologista a fim de fazer uma avaliação, cujo principal objetivo é verificar se é um caso de policitemia primária (vera) ou secundária.

O médico deverá fazer alguma sondagem para determinar a causa: se o paciente fuma, se ele está tendo alguma alteração renal, se trabalha em locais muito poluídos etc.

– No exame físico há três fatores em muito facilitadores do diagnóstico da doença: primeiro, o aumento do baço (um órgão envolvido na produção de sangue, durante os primeiros meses de vida uterina), ocorrido apenas em pessoas com policitemia vera; a face fortemente avermelhada dos pacientes (com o nome clínico de pletora, dá origem ao nome completo da doença: Policitemia Rubra Vera); por último, as conjuntivas dos olhos, e vez de bem branquinhas como costumam ser, ficam vermelhas e injetadas –, explica o professor.

Além disso, são feitos exames para dosar a quantidade de oxigênio no sangue, que precisa estar normal ou alta e a quantidade de eritropoietina, que deve estar abaixo do normal. Outros exames também podem ser realizados a fim de completar o diagnóstico, como a avaliação direta da medula óssea, através de uma biópsia por agulha, e a busca pela mutação JAK-2, para confirmar, sem dúvida, a presença da doença.

– O principal problema em relação à policitemia vera é o fato de a medula reagir de forma global; por isso, muitas vezes o paciente, além das hemácias altas, também tem os leucócitos um pouco aumentados, e plaquetas bem acima do normal (o normal é 500 mil, e os pacientes têm em torno de 800 mil a 1 milhão). Essa junção de plaquetas e hemácias altas aumenta o risco de tromboses arteriais, uma vez que a maior quantidade de hemácias aumenta a viscosidade do sangue, deixando-o mais grosso. O conjunto é muito preocupante, tendo em vista essas tromboses poderem causar desde um infarto agudo do miocárdio, a um acidente vascular cerebral (AVC) –, alerta Nelson.

Outro risco para esses pacientes, pela mesma razão, é a ocorrência de qualquer cirurgia; se houver qualquer alteração de oxigenação durante a cirurgia, pode ocorrer rapidamente uma trombose maciça. Por isso, o certo é normalizar primeiro o hematócrito dos pacientes, sempre que possível, antes de levá-los para uma cirurgia.

Formas de tratamento

Inicialmente o paciente deve eliminar os fatores de risco. Se ele fuma, deve parar imediatamente de fumar, exatamente para evitar o alto risco de uma trombose.

– E a parte essencial do tratamento é normalizar os níveis de hemácias. Em pacientes com mais de 50 anos, o mais indicado é administrar um remédio por via oral, chamado hidroxiuréia, muito eficaz no tratamento. O paciente toma de 2 a 3 cápsulas ao dia, e vai suavemente baixando os níveis de hemácias até o normal. Já se o paciente chega com um número muito elevado de hemácias, o médico pode utilizar um recurso pontual para baixar rapidamente o nível; consiste em retirar sangue do paciente; o que se chama tradicionalmente de sangria. Assim, são retiradas bolsas de sangue de 500ml duas vezes por semana, durante o período de 3 a 6 semanas consecutivas; o que faz o hematócrito baixar até valores normais rapidamente –, explica o médico.

Além disso, uma descoberta importante no tratamento da policitemia vera foi o uso da aspirina, o ácido acetil salicílico, a fim de evitar o risco de trombose pelo aumento das plaquetas.

–Através de um estudo italiano, feito cerca de dois anos atrás, descobriu-se pacientes com policitemia vera que tomaram aspirina e tiveram muito menos problemas de trombose arterial, AVCs, infartos e obstrução arterial periférica (a trombose nos dedos, principalmente dos pés), que os não usuários de aspirina; o ácido acetil salicílico promoveu uma grande melhora na qualidade de vida de pacientes portadores da doença –, conclui o professor.

Anteriores