• Edição 098
  • 13 de setembro de 2007

Faces e Interfaces

Terapia de reposição hormonal (TRH) pode aumentar o risco de câncer de mama


Julianna Sá

Em estudo realizado há alguns anos, pesquisadores norte-americanos avaliaram os benefícios e os riscos da terapia de reposição hormonal (TRH), e verificaram que seu uso pode não ser compensador e, principalmente, insatisfatório. A TRH com uma combinação de estrogênio e progesterona pode, segundo a investigação, propiciar aumento nas chances da paciente desenvolver câncer de mama, entre outras doenças.

O resultado, apesar de não trabalhar com risco absoluto, mas relativo, levou inúmeras mulheres a interromperem o tratamento, em função não só do câncer de mama, mas da possibilidade de ter doença cardíaca e até mesmo derrame, além de problemas detectados no estudo. Segundo especialistas, apesar da terapia ter grande importância na contenção de alguns dos sintomas da menopausa – osteoporose, depressão, perda de apetite sexual – a terapia passou a ter sua eficácia contestada.

Para melhor abordar o tema e esclarecer questões, o Olhar Vital convidou dois especialistas das áreas envolvidas. Levando em conta a severidade dos sintomas da menopausa, até que ponto o tratamento deve ser interrompido? Qual é o real risco de desenvolver as doenças indicadas pela pesquisa? O professor Marcos Moraes, coordenador do Programa de Oncobiologia da UFRJ e ex-diretor do Instituto Nacional de Câncer e Ricardo Vasconcellos Bruno, mestre em Medicina pela UFRJ e sub-chefe do serviço de Ginecologia Endócrina do Instituto de Ginecologia da UFRJ, debatem a questão, cuja polêmica deve continuar enquanto novos estudos e descobertas não vêm.

Marcos Moraes

Coordenador do programa de Oncobiologia, presidente da Academia Nacional de Medicina e ex-diretor do Instituto Nacional de Câncer

"Patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos e finalizado em 2002, o estudo da Women's Health Iniciative mostrou que a terapia de reposição hormonal causa mais danos que traz benefícios. Os problemas gerados pela reposição hormonal apresentam variação nas respostas, têm efeitos adversos e dependem da idade na qual a paciente iniciou a terapia (TRH). É, portanto, nesta variação de uma paciente para outra que se percebem as probabilidades cancerígenas do hormônio.

As probabilidades de desenvolver câncer de mama durante o tratamento de reposição hormonal aumentam de oito casos para dez mil; isto quando os números são comparados com mulheres que não fazem o tratamento de reposição. Não há evidências ou relações indicadoras de o tratamento provocar outro tipo de câncer.

O risco, conforme mostra o estudo, não atinge cifras muito grandes mas existe. Mesmo em poucos casos há risco aumentado não somente para o câncer de mama, como também para doença cardíaca, acidente vascular cerebral, trombose e demência (em relação à terapia combinada de estrogênio e progesterona).

Para mulheres tratadas somente com estrogênio, o estudo não mostrou risco aumentado para câncer de mama ou para doença cardíaca, mas indicou um risco ligeiramente aumentado para acidente vascular cerebral, por exemplo.

Muito se discute quanto ao abandono da TRH em favor de outros meios que amenizem os sintomas da menopausa sem colocar em risco a saúde da mulher. No entanto, existe benefício real durante a tão incômoda menopausa – dimimuição do calor facial, da secura da vagina, da insônia, mal estar e osteoporose, entre outros. A decisão deve ser da paciente e também de seu médico.

Pode-se pensar na interrupção do tratamento; antes, deve-se lembrar que o hormônio, se utilizado por um período de três a cinco anos, tem risco relativamente baixo, principalmente se a reposição for somente com estrogênio. Isso porque, em até cinco anos de reposição contínua com estrogênio, não existem evidências de grande risco para a paciente de TRH.

O tratamento da menopausa e, em conseqüência, a terapia de reposição hormonal, relaciona-se, em curto prazo, a estes sintomas de calores, suores noturnos, insônia, secura da mucosa vaginal e dor durante o ato sexual. A terapia, em longo prazo, é relacionada à prevenção da osteoporose.

A hormonioterapia tem diversas combinações, dosagens e formas de administração. Há estrogênio combinado com progestina em forma de comprimidos; há estrogênios somente; estrogênios em baixas doses, em anéis, cremes; há, até, tabletes para certos sintomas vaginais. Hormônios em adesivos cutâneos, gel, dispositivos intra-uterinos e cápsulas de liberação lenta também são opções.

Os meios alternativos de combate aos sintomas precoces de menopausa existem em compostos que atuam na absorção das serotoninas: neurontin, acetato de medroxiprogesterona, acetato de megestrol. A eficácia de medicações derivadas diretamente de plantas, como os produtos derivados da soja, ainda carecem de comprovação científica apesar de algumas mulheres relatarem seus efeitos benéficos."


Ricardo Vasconcellos Bruno

Mestre em medicina pela UFRJ e sub-chefe do serviço de Ginecologia Endócrina do Instituto de Ginecologia da UFRJ

"A princípio é errado atribuir o câncer de qualquer espécie à terapia de reposição hormonal que, na verdade, hoje somente conceituamos como terapia hormonal (TH). Por quê? Porque o câncer tem como fator determinante sua designação genética, todos os outros fatores seriam, na verdade, aceleradores do desenvolvimento ou do crescimento destes tumores.

Na TH não é diferente, administrar hormônios que a mulher já tinha pela sua própria natureza não modificaria muito estes processos. Vamos raciocinar, se você tiver estrogênio e progesterona (esta em menor quantidade nesta fase, pela anovulação devida à idade), e você continuar com uma medicação idêntica àquela que seu corpo já produzia, por que você agora terá mais chances de câncer?

Alguns estudos realizados realmente confirmaram este aumento, o mais divulgado, o Women Healthy Initiative (WHI), demonstrou um aumento da incidência do câncer de mama. Estes mesmos estudos, no entanto, comprovaram uma diminuição da incidência do câncer de intestino, divergindo da idéia que ‘a TH aumenta todos os tipos de câncer’. Outro dado importante do estudo foi que o uso de TH somente com estrogênio sem adição de progesterona não incorreu em aumento, pelo contrário, os índices diminuíram. Com este dado de grande valor concluímos, precocemente é verdade, que a progesterona seria a grande vilã da história do câncer e da TH.

Duas importantes observações foram tiradas desta pesquisa: a progesterona seria a grande vilã e o estrogênio isolado seria um protetor. É importante salientarmos a necessidade de muitos e amplos estudos sobre a TH com estrogênio puro, como a indústria farmacêutica nos oferta hoje em dia. Outro fator fundamental é a janela de oportunidade, quer dizer, precisamos iniciar a TH desde os sintomas climatéricos, ou os mais próximos possíveis da menopausa, para assim termos condições favoráveis de terapia hormonal, de risco reduzido e qualidade de vida excepcional."