• Edição 097
  • 10 de setembro de 2007

Argumento

A volta dos farmacêuticos às farmácias


Marcello Henrique Corrêa

Ao primeiro sinal de doença, já se tornou rotina para todos ir à farmácia mais próxima e comprar um remédio, mesmo aquele de tarja vermelha: “Venda sob prescrição médica”. A automedicação gera problemas para a saúde e contraria a legislação, existente desde os anos 70 e nunca efetivamente cumprida. Dentre as causas do problema está a ausência de um farmacêutico na maioria dos estabelecimentos do país. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) revelou, por exemplo, que o número de farmacêuticos nas drogarias deveria ser o triplo do que é encontrado.

“O comércio varejista de medicamentos no Brasil é muito complicado. Existe uma lei de 1973 que prevê a presença de um farmacêutico no estabelecimento, mas isso não ocorre”, afirma Naira Villas Bôas Vidal, farmacêutica da Farmácia Universitária da UFRJ. Naira explica, quando essa lei foi implantada, de fato não existiam profissionais suficientes para atender ao mercado; era pequeno o número de faculdades de Farmácia no Brasil. Além disso, pela falta de regulação — qualquer um pode abrir uma farmácia —, o número de estabelecimentos aumentou. Segundo Naira, a população não precisa de tantas farmácias. “O papel da farmácia foi desvirtuado e a presença do farmacêutico ficou cada vez mais rara”, avalia.

O usuário de medicamentos, dessa forma, fica à mercê da chamada “empurroterapia”, prática comum nos balcões: o atendente sugere medicamentos ao cliente sem ter o conhecimento necessário para isso. Naira acredita que as necessidades de farmacêuticos nas drogarias estão quase atendidas. “A criação das faculdades privadas ajudou na formação de mais profissionais, direcionados para as drogarias, hoje são a melhor opção no mercado de trabalho”, afirma.

Para Naira, falta ainda à população a consciência das implicações pelo uso excessivo de medicamentos. A farmacêutica alerta: “O uso de medicamentos gera benefícios, mas também traz riscos. Talvez até mais riscos.” Em um país que muitos não têm acesso ao atendimento médico, a indicação de amigos, parentes e vizinhos muitas vezes é mais ouvida que a prescrição médica. “O uso não-racional do medicamento é cultural. As pessoas acham que medicamento só faz bem”, afirma Naira.

Internet e saúde

As informações sobre todos os assuntos não param de se multiplicar e com a saúde não poderia ser diferente. Já é bastante comum ler a respeito de doenças e sintomas antes mesmo de procurar um médico. Até aí, não há problemas. “Acho que o acesso à informação propiciado pela Internet é uma coisa fantástica. Acho que as pessoas têm direito a essa informação”, opina Naira.

Entretanto, o simples fato de conhecer os sintomas não significa conhecer o tratamento. Naira afirma que essa manifestação varia de indivíduo para indivíduo. “Não adianta saber todos os sintomas da doença, porque a gente sabe, em uma doença pode-se desenvolver alguns sintomas e não desenvolver outros, então é algo muito particular”, explica.

Regulação

Para Naira, o pior já passou, hoje o momento da fiscalização da área farmacêutica é bom. Para a farmacêutica, a década de 90 foi bastante benéfica para o setor, incluída a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “O órgão responsável por essa regulação era, até a criação da Anvisa, a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, que não tinha estrutura alguma”, conta Naira.

Desde a industrialização dos medicamentos, houve uma evasão dos profissionais da área, acreditando estar sem trabalho. Hoje há uma volta dos farmacêuticos para as farmácias, estimulada pela Anvisa. A Consulta Pública 69 da Agência prevê, por exemplo, a chamada atenção farmacêutica, o acompanhamento feito por farmacêuticos aos usuários. “Algumas farmácias já estão tentando implantar a atenção farmacêutica. Essa prática, surgida a partir dos anos 90, hoje e aos poucos, está sendo implantanda por todos. Inicialmente acontece nas farmácias-escola, como aqui na Farmácia Universitária, onde já fazemos esse trabalho há dois anos”, relata a farmacêutica.

Não são somente as farmácias universitárias ganham com a prática da atenção farmacêutica. A drogaria de farmacêutico presente e atuante deixa de oferecer apenas produtos e passa a vender também um serviço. Estabelece uma relação de fidelidade com o consumidor, que procurará mais vezes a farmácia em busca de opiniões confiáveis. “Além disso, a volta dos farmacêuticos recoloca a farmácia na condição de estabelecimento de saúde, não comercial”, comenta a farmacêutica.

Naira acredita necessária uma política de conscientização do uso de medicamentos no Brasil. Para ela, não basta tomar medidas mais severas na fiscalização sem promover campanhas de educação quanto ao uso abusivo de medicamentos. “Se cumpríssemos a política mais radical na proibição das vendas dos medicamentos de tarja vermelha, seria possível a população ficar contra nós, porque a automedicação já está enraizada na cultura”, avalia a farmacêutica, ressaltando também a importância de campanhas nas escolas, com as crianças.

“Sou otimista. Acho que um profissional de saúde presente nas drogarias traz de volta também a ética para o estabelecimento”, afirma Naira e considera o setor farmacêutico já de volta ao caminho certo. “Essa reforma, contudo, deve ser feita gradualmente, modificando as poucos a cultura da população”, finaliza.