• Edição 096
  • 30 de agosto de 2007

Ciência e Vida

Estudo aponta efeitos de ácidos graxos na depressão pós-parto


Marcello Henrique Corrêa

Uma dieta saudável é, pelo senso comum, sempre uma boa idéia. Ultimamente, os efeitos de ácidos graxos como ômega 3 e ômega 6 passaram a apontar diversos benefícios. Já é bastante divulgado, por exemplo, os efeitos positivos na regulação da pressão sangüínea e do colesterol.

Um estudo recente, contudo, ainda em fase preliminar, segue a linha de pesquisa que relaciona nutrição com saúde mental e aponta a ligação entre uma dieta inadequada de ácidos graxos e a presença da depressão pós-parto, a DPP. Esse distúrbio afeta cerca de 20% das mulheres e pode gerar conseqüências graves, colocando em risco a vida do bebê e até mesmo a da própria mãe.

A pesquisa

— A iniciativa partiu da execução de um projeto, já em fase de finalização, que investiga uma série de questões relacionadas à vida reprodutiva. Um dos focos deste projeto era investigar a DPP e tentar relacioná-la com fatores dietéticos. Foi feita então uma busca na literatura revelando que a relação do ômega-3 com a redução das chances de um episódio depressivo já vinha sendo investigada, inclusive para a DPP, — conta Camilla Medeiros Macedo da Rocha, aluna de Iniciação Científica, orientada pelo professor do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC/UFRJ), Gilberto Kac. “A idéia era investigar fatores de dieta que pudessem levar a um maior risco de DPP. Quando eu propus esse projeto para a aluna, tínhamos a informação de que a relação entre os ômegas pode ter algum tipo de efeito na depressão”, explica o professor.

O projeto começou com o apoio do CNPq, em 2004 e os trabalhos começaram em 2005, segundo o professor. Gilberto deixa claro que, nesse primeiro momento, trata-se de um estudo epidemiológico. O grupo passou, então, a acompanhar 255 gestantes, associando o consumo dos ácidos com a presença ou ausência da DPP. A intenção não é destacar os aspectos de comportamento fisiológico da substância, segundo o professor.

Gilberto Kac explica que deve-se estar atento à relação entre os ômegas 6 e 3. A mulher passa a estar no grupo de fator de risco, segundo os dados, ao ultrapassar a proporção de 9:1. Os estudos apontam que o risco da aquisição da DPP, nessas condições, é de cerca de cinco vezes, um nível considerado alto pelo professor. Nesse caso, não basta ingerir um dos ácidos em excesso, e não se preocupar com o equilíbrio dos ômegas. Gilberto explica que, além de tudo, cada dieta deve ser proporcional ao organismo de cada um.

Como a substância age no sistema nervoso

Os efeitos de ácidos graxos na saúde mental são explicados pelo comportamento. “É bastante simples perceber a importância destes compostos para a DPP quando se avalia os efeitos de seu desequilíbrio sobre o funcionamento cerebral. O Ácido Docosahexaenóico (DHA), formado a partir dos ácidos graxos da família n-3, é o composto predominante das membranas celulares do cérebro”, explica Camilla Medeiros. “Durante a gestação em humanos ocorre uma redução nos níveis de DHA no organismo materno devido a necessidade aumentada em função da formação do sistema nervoso do feto, principalmente no último trimestre de gestação. Os baixos níveis de DHA no organismo da mãe estão possivelmente associados com o elevado risco de desenvolvimento de sintomas depressivos”, completa.

Resultados

O professor Gilberto Kac deixa claro que as conclusões são preliminares. Contudo, as maiores prevalências de DPP foram observadas em mulheres que iniciaram a gestação com baixo peso (56,25%) e naquelas que consumiam uma razão ômega-6/ômega-3 maior que 9:1 (62,5%). Gilberto afirma que ainda não é possível verificar conclusões mais concretas. “O que podemos garantir é que, baseado num estudo epidemiológico controlado, acompanhando gestantes em um número razoável, controlando efeitos que podem distorcer a relação entra a DPP e o consumo, concluímos, com base ainda em dados preliminares que a relação inadequada leva à depressão”, explicou.

Para ambos — professor e aluna — ainda não se pode pensar em substituir os antidepressivos pela dieta. Camilla admite que os antidepressivos representem um avanço na medicina, porém ressalta os efeitos negativos. “Saber que uma dieta equilibrada poderia reduzir significativamente a ocorrência de depressão traz uma nova perspectiva, pelo menos para uma parte destas pessoas, que não precisariam passar pelos efeitos de boca seca, constipação, visão embaçada, pressão arterial baixa, sonolência diurna, insônia, ganho ou perda de peso, náusea, nervosismo e agitação. Além de todas as vantagens de se ingerir diariamente uma dieta saudável”, opinou.

Gilberto considera essa perspectiva ainda um passo mais a frente: “a questão de indústria farmacêutica é bem complexa e a depressão é um problema sério, que é muito estudado. A nossa idéia inicial não é substituir os antidepressivos, e sim observar os resultados epidemiológicos”.

— Abandonar o uso de medicamentos antidepressivos não seria algo muito fácil. Muitos transtornos são causados por falhas em processos bioquímicos que somente os medicamentos conseguem reverter. Mas sem dúvida uma dieta rica em ômega-3 poderia auxiliar os tratamentos uma vez que influencia o funcionamento do sistema nervoso central, dados seus papéis no organismo humano —, finaliza Camilla.