• Edição 096
  • 30 de agosto de 2007

Por uma boa causa

Porquinho não, quero mesada!

Monique Pereira, AgN Praia Vermelha

Quanto tempo dura a infância? Não são necessárias inúmeras pesquisas para se constatar que, atualmente, a fase da criança inocente e indefesa encontra-se reduzida. A “independência financeira” no início da afirmação pessoal dos pequenos tem preocupado os pais. O pior, é que na maioria dos casos, se não todos, a criança é apenas vítima.

O consumo, devido ao reforço do mercado global, enfoca cada vez mais o público infantil. O fácil acesso a games, internet e moda produz na criança certo ar altivo e autônomo, o que pode prejudicar a formação da personalidade do indivíduo durante a adolescência. Hoje em dia, a falta de limites à grande parte das crianças contribui para que os pais se tornem parcial ou completamente dependentes de seus filhos.

No Brasil, o consumo na infância passou a ser altamente explorado a partir da década de 1980 pelo mercado publicitário, o que impulsionou a criação e disseminação de programas dirigidos à criança, bem diferentes do modelo educativo.

Finalizando a série de reportagens Crianças: pode ou não pode?, a editoria Por Uma Boa Causa reconhece o importante papel da família na formação desses jovens. Segundo o professor Rodolfo Ribas, especialista em psicologia social, é fundamental o respeito aos limites enquanto não se atinge a fase adulta: “hoje estamos perdendo uma série deles [limites]. A família não pode fazer o que a criança quer, isso deve ser discutido dentro da relação familiar”, afirmou.

Para Rodolfo, o diálogo é fundamental não só visando a formação da criança como para garantir a paz no lar: “a família deve criar o hábito de pensar o que ela está consumindo no geral. Conheci uma família muito rica que chegou a um ponto absurdo de consumo: as filhas do casal haviam chegado à conclusão de que tinham todos os brinquedos do catálogo de uma loja, e não estavam mais felizes do que as crianças que não tinham brinquedo algum”, declarou o doutor.

Por medo de mimar os filhos, há famílias que limitam completamente qualquer satisfação material da criança o que, segundo o professor, é uma equívoco: “o desejo do jovem por produtos deve ser uma negociação. Quem opta por essa limitação extrema, certamente acha que o filho deve passar por um momento de frustração, porque acredita em uma validade pedagógica”, observou Rodolfo.

É muito comum que pais separados se sintam culpados ou tentem comprar o amor dos filhos em troca de mimos. De acordo com o doutor, esses pais muitas vezes nem concordam com o consumo desmedido dos filhos, mas acabam cedendo por se sentirem aprisionados em uma armadilha.

— Cada um na família tem seu papel, portanto eles não são iguais. Não se pode exigir que a criança tome decisões que não competem a ela. Não acho razoável uma menina aos cinco anos de idade de unhas pintadas, maquiagem e escova no cabelo, andando pela rua com roupas de mulher. Nessa fase da vida, é essencial ter consciência de que alguém manda em você, ou seja, alguém te limita. Não é ruim, — disse Rodolfo.

Ribas ressaltou o risco de uma confusão com essa troca de deveres, fazendo com que a criança perca o espaço dela e se torne uma pessoa sem infância: “em alguns momentos o papel dos pais é poupar os filhos de stresses desnecessários”, afirmou.

Ao relatar as suas experiências como terapeuta familiar, Rodolfo comentou que tem visto jovens com muitos brinquedos e nenhuma felicidade: “algumas crianças chegam ao meu consultório parecendo um ‘caco de gente’. Elas têm toda uma condição financeira, mas psiquicamente estão destruídas. Já fiz pesquisas sobre felicidade, em que bens materiais ficavam em quinto lugar como fundamental para a felicidade. Família era a primeira opção”.