• Edição 094
  • 20 de agosto de 2007

Argumento

A necessidade de regulamentação na experimentação animal


Flávia Fontinhas

O uso de animais em pesquisas científicas vem de longa data. Através da experimentação animal, diversos medicamentos, tratamentos e vacinas foram descobertos, possibilitando uma grande evolução para a humanidade e um aumento significativo na qualidade de vida da população. Atualmente, o assunto, que está sendo muito discutido conta com a participação de membros da comunidade científica, políticos e integrantes de organizações protetoras dos animais.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FM/UFRJ), Marcelo Marcos Morales, o que os pesquisadores querem é apenas a aprovação de um projeto de lei que regulamente a experimentação animal no país.

Esse projeto de lei já existe, exemplificado na Lei 1.153, ou Lei Arouca (em homenagem ao já falecido deputado e médico sanitarista Sérgio Arouca), que há doze anos tramita no Congresso Nacional, mas ainda não foi aprovada.

— Através de uma regulamentação é possível punir os infratores da lei, já que haverá uma fiscalização para todo o processo. A Inglaterra, por exemplo, tem uma lei que regulamenta a experimentação animal desde 1800. A Austrália tem uma regulamentação muito clara da experimentação animal desde 1966/68. Ou seja, é notável que os países que se desenvolvem devem ter essa regulamentação de forma clara — explica o professor.

O projeto de lei propõe a criação de um comitê central em Brasília, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONSEA), subordinado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que vai organizar e fiscalizar toda a experimentação animal no país.

Segundo Marcelo, havendo essa regulamentação, os biotérios deverão ser adequados, uma vez que os governos federal/estadual terão que dar condições para esses biotérios funcionarem; a qualidade dos animais será muito superior a que existe hoje; as pesquisas serão mais bem fundamentadas e de melhor qualidade; e o Brasil poderá ser mais bem visto e respeitado no Cenário Internacional.

— Além disso, os animais também ficarão mais protegidos, a partir do momento em que houver uma punição rígida para os infratores, que, segundo a lei, será feita inicialmente através de uma advertência, depois através de uma multa de R$ 5.000, podendo chegar à suspensão do direito de realizar experimentações animais, e até do direito de requerer verbas para pesquisa, junto aos órgãos estatais — diz o professor.

Uma das grandes questões que têm sido discutidas é a existência de métodos alternativos, que não necessitem da utilização de animais. Segundo o professor, atualmente não existem métodos alternativos eliminando completamente a experimentação animal, uma vez que cerca de 90% dos testes não podem ser realizados através de outros métodos.

O procedimento internacional para utilização de medicamentos configura-se dessa forma: primeiro são feitos os testes em animais, em alguns casos ratos e camundongos, em outros casos coelhos, uma vez que os ratos não apresentam todas as partes de seu organismo semelhantes ao do organismo humano, como é o caso do sistema imunológico. Já em alguns outros experimentos, como na terapia gênica, é necessária a utilização de animais mais próximos ao ser humano, como os primatas (macacos, sagüis, entre outros).

Se até o teste com os primatas o medicamento for seguro, passa-se, então, para os testes de segurança em seres humanos. Primeiro faz-se o teste em poucos pacientes, cerca de quatro ou cinco (a chamada Fase I). Depois, na Fase II, aumenta-se para 15 a 20 pacientes. E se o método realmente for seguro, passa-se para a última fase, que é a pesquisa com 2.000/3.000 pessoas, sendo exemplo o que está acontecendo com o estudo de células-tronco no tratamento de doenças cardiovasculares, no Brasil.

Somente após todo esse procedimento que o medicamento ou a vacina chega até a população. Tudo para que seja seguro para a sociedade em geral. Ou seja, “é por isso que hoje em dia é praticamente impossível imaginar qualquer tipo de pesquisa científica sem o uso da experimentação animal”, esclarece o professor.

— Nós cientistas queremos conscientizar a população da importância da experimentação animal. É claro que sempre que possível serão usados métodos alternativos. E se houver a utilização de animais, ela será feita com o menor número possível, e sempre com respeito. Mas as discussões têm que ser sérias e bem pesadas dentro do processo democrático, se não elas ficam tendenciosas. E tudo o que é tendencioso traz prejuízo para a sociedade como um todo — diz ainda o professor.

Segundo Marcelo, hoje em dia no Brasil não existem barreiras efetivas que prejudiquem o desenvolvimento de alguma pesquisa, mas existem muitas críticas da Sociedade Protetora dos Animais, que afirmam que os cientistas são cruéis em suas pesquisas. Então, “eticamente, o país tem que regulamentar a experimentação animal imediatamente, para que a sociedade possa ter certeza de que os animais serão bem tratados, e apóie os pesquisadores. O que é extremamente importante em uma sociedade organizada e desenvolvida”, finaliza o professor.